«BISONTES» CONTRA GAFANHOTOS
Por Miguel Machado • 23 Ago , 2010 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA, EM DESTAQUE PrintComo a Esquadra 501 ajudou a combater uma praga de gafanhotos em Cabo-Verde, é o artigo que trazemos a esta rubrica do “Ontem foi Noticia – Hoje é História”. Relembramos mais uma missão cumprida, desta vez em proveito de um país amigo, que demonstra a versatilidade e capacidade dos “Bisontes” da Força Aérea Portuguesa.
Em Outubro de 2004 a República de Cabo-Verde foi assolada por uma praga de Gafanhotos do Deserto, idos do Norte de África. Estes animais, além de não criarem bom ambiente para os turistas que cada vez mais procuram as praias do arquipélago atlântico, comem todas as folhagens que apanham, criando graves prejuízos económicos e danos ambientais consideráveis.
Não havendo em Cabo-Verde capacidade para combater esta praga, o governo pediu o apoio da comunidade internacional, tendo a ONU (através da FAO-Food and Agriculture Organization), Marrocos e Portugal correspondido às necessidades urgentes que o país apresentou. Além da ajuda económica que a ONU disponibilizou, Marrocos cedeu dois aviões, mono-motores, com capacidade para pulverizar grandes áreas com insecticida e Portugal, através da Força Aérea, um “Hércules” C-130-H-30, para efectuar diversos transportes inter-ilhas.
Se a Força Aérea Marroquina colocou os dois mono-motores em Cabo-Verde, houve depois a necessidade de efectuar o seu transporte entre várias ilhas. Isto porque não havendo no arquipélago capacidade de busca e salvamento, estas aeronaves não podiam, por questões de segurança, arriscar voos – mesmo de poucos minutos – sobre o mar, visto que um incidente podia tornar-se fatal.
Foi exactamente o transporte entre ilhas, de aviões, combustíveis e insecticidas que a Esquadra 501 foi fazer a Cabo-Verde, tendo cumprido várias destas missões, nas duas últimas semanas de Outubro de 2004. Tivemos oportunidade de acompanhar alguns destes voos e contamos como foi.
Manhã cedo a tripulação do C-130 prepara o avião, no Aeroporto Internacional “Amílcar Cabral”, junto à Vila de Espargos, na ilha do Sal, para o transporte solicitado: combustível de avião e insecticidas para pulverização (chlorpyrifos 240 ULV). Este C-130 que tinha chegado no dia anterior, vindo de Cabo Ledo (Angola), via S. Tomé e Bissau com destacamentos de forças especiais de Portugal e de países africanos amigos, que tinham estado envolvidos num exercício multinacional, o “Felino 2004”, teve que ser descarregado, reconfigurado e novamente carregado com a carga a transportar em Cabo-Verde
Apesar da pronta disponibilidade e empenho nacional o carregamento do C-130 decorre a ritmo lento, e é já a meio do dia que a aeronave descola em direcção ao Aeroporto “Francisco Mendes” junto à cidade da Praia, na ilha de Santiago. Menos de 40 minutos de voo e o C-130 imobiliza-se na placa do aeroporto da capital cabo-verdiana.
Enquanto o “load-master” coordena as acções de descarga e o co-piloto e navegador tratam do plano de voo o comandante troca impressões com o Adido Militar português em Cabo-Verde que está no aeroporto para apoiar a tripulação e fornecer informação sobre a missão.
Curiosamente, junto à placa onde o “C” descarrega está bem patente, pelo menos um dos motivos que impede os aviões marroquinos de voar entre ilhas: Helicópteros MI-17 em tempos apetrechados para missões de busca e salvamento, completamente inoperacionais.
Avião descarregado, “rodas no ar” em direcção à Ilha de Maio, a apenas 9 minutos de voo. O C-130 faz uma primeira passagem sobre o aeródromo e aterra na pista asfaltada. Junto ao edifício da aerogare, aguardam os passageiros marroquinos (piloto e dois técnicos) que já tinham o avião pronto para embarcar: sem asas.
Delicadamente o avião é introduzido no compartimento de carga do C-130, as asas e demais material também e, nova descolagem em direcção à Praia. O piloto marroquino, visivelmente satisfeito, conta que na ilha de Maio o seu trabalho foi produtivo e conseguiu limpar vários hectares de terreno. A missão de pulverização estava a ser um sucesso e a Ilha de Santiago aguardava por “tratamento” igual.
Já de noite o “Bisonte” da 501 volta a aterrar na Praia e procede-se ao descarregamento cuidadoso do avião que, após uma noite de descanso, voltará a voar no dia seguinte para descarregar a sua calda mortífera sobre as inconvenientes criaturas que teimam em devorar todo o verde que lhes aparece. Até mesmo duras folhas de palmeira, como podemos comprovar, são retraçadas pelos gafanhotos.
Pelas 21h30 o C-130 aterra da no Sal e começa então novo trabalho para a tripulação. Voltar a configurar o compartimento de carga para a missão do dia seguinte (o regresso a Portugal dos elementos da Marinha e do Exército que haviam transportado de Angola, vinte e um militares do Destacamento de Acções Especiais do Corpo de Fuzileiros, do Centro de Instrução de Operações Especiais e do Batalhão de Comandos, respectivos equipamentos e armamento.
Mais uma vez foi aqui notório o profissionalismo e a dedicação do pessoal de voo da Força Aérea. Um pouco à semelhança do já sucedido nessa manhã, e bem assim como ao longo do dia nas diversas pistas, não havendo localmente pessoal civil de apoio a estas operações em quantidade, foram os tripulantes do “C” quem suportou o grosso do trabalho de carga / descarga, chegando mesmo a ver-se pessoal com fato de voo a conduzir monta-cargas!
Já bem de depois da hora de jantar, a tripulação deixa finalmente o aeroporto internacional “Amílcar Cabral”, com o C-130 carregado e atestado de combustível, pronto para a missão do dia seguinte.
Estava terminado mais um dia na vida desta “família” que são as tripulações dos aviões de transporte, onde havia ficado provado, pela enésima vez, a sua versatilidade.
A mesma “tripulação/aeronave” que faz o transporte, a milhares de quilómetros de distância, de forças de operações especiais, armados e equipados para combate, em poucas horas “reconfigura-se” e efectua um transporte de carácter eminentemente civil, de grande utilidade para a vida de milhares de pessoas, para o qual não existia – localmente – alternativa.
Na mesma linha muito se poderia agora acrescentar, não no plano teórico, das eventuais possibilidades ou capacidades, mas da realidade desta Esquadra 501. A história dos “Bisontes” tem sido fértil em missões, um pouco por todo o mundo, quer de carácter humanitário quer estritamente militar.
Mas essa história ficará para outra altura, agora limitamo-nos a lembrar que, no momento presente, os C-130 da “Cruz de Cristo” fazem os seguintes voos “de rotina”: Para os teatros de operações do Iraque e da Bósnia-Herzegovina no âmbito da rotação dos contingentes da Guarda Nacional Republicana e do Exército, respectivamente; Para os Açores em apoio das unidades da Força Aérea e outras que se encontram na Região Autónoma e também das autoridades civis e dos correios; Em todo o território nacional em exercícios dos três ramos das Forças Armadas, como recentemente o “Lusíada / Zarco” em Porto Santo (Madeira) para onde os “C” projectaram parte importante da Força de Reacção Imediata (pára-quedistas, operações especiais, fuzileiros e outros); Apoio à Brigada Aerotransportada do Exército para a execução de missões de lançamento de pára-quedistas; No Afeganistão onde um Destacamento C-130 da Força Aérea permanece desde Julho de 2004, integrado na missão da NATO no país, a ISAF, e onde se prevê que vá continuar, pelo menos por mais seis meses.
É esta a vida dos “Bisontes” da Força Aérea Portuguesa, prevendo-se que, de acordo como anunciado recentemente pelo Primeiro-Ministro, sobre o aumento do português em missões de paz, que durante 2005 novos voos “de rotina” voltem, como no passado, ao Kosovo, e aumente a frequência das missões para o Afeganistão.
Nota: Este artigo foi escrito em Novembro de 2004. depois disto, como se sabe, os C-130 da 501, não pararam! Além do Afeganistão – como à data se previa – cumpriram missões na RD Congo, Chade e Republica Centro Africana, Lituânia, Haiti e tantas outras “de rotina” como “de urgência” para destinos como Líbano, Kosovo e Bósnia. Não esquecendo os exercícios e missões de “interesse público” no território continental e arquipélagos dos Açores e Madeira.
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