«23 DE MAIO»: DIA DA ESCOLA DE TROPAS PÁRA-QUEDISTAS
Por Antonio Carmo • 5 Mai , 2009 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA PrintN.R.: Este artigo foi publicado pelo autor, ANTÓNIO E. S. CARMO, na revista BOINA VERDE nº 222/08 (e também em formato de livro impresso) com o título «23 DE MAIO: A HISTÓRIA COMO HERANÇA E ESCUDO».
Pela sua permanente actualidade, e pela proximidade do 53º Aniversário da ESCOLA DE TROPAS PÁRA-QUEDISTAS (ETP), unidade ímpar no seio das Forças Armadas Portuguesas, é oportuna a sua publicação.
Acresce que no corrente ano, a Bula MANIFESTIS PROBATUM, o ancestral documento que ficou indissoluvelmente ligado à história da ETP, faz 830 anos.
Com a divulgação deste modesto apontamento, «operacional.pt» homenageia, desta forma, as efemérides referidas.
“23 DE MAIO”: A HISTÓRIA COMO HERANÇA E ESCUDO
Evocar uma data comemorativa que transcende pela sua dimensão histórica uma mera referência militar (23 de Maio), foi um repto que o Subsecretário de Estado da Aeronáutica (SEA), Tenente-Coronel de Engenharia KAÚLZA OLIVEIRA DE ARRIAGA, em 1956, estudou e seleccionou para ser o «dia» da “Casa-mãe das Tropas Pára-quedistas Portuguesas”(1)
Mais de meio século depois, esta data continua a ser venerada, incondicionalmente, por todos aqueles militares que um dia serviram (e servem) PORTUGAL e as FORÇAS ARMADAS, ostentando a mítica boina “verde caçadores pára-quedistas”(2).
Contudo, é muito pouco conhecida e divulgada a razão da escolha do dia «23 de Maio», data criteriosamente escolhida para ser o dia da inauguração do quartel do BATALHÃO DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISTAS (BCP).
É com este objectivo expresso que escrevo este breve apontamento.
POLÍGONO DE TANCOS
No seu artigo 3º, a Portaria Nº 15.671 de 26DEZ1955 estabeleceu o seguinte:
«…O batalhão de caçadores pára-quedistas terá a sua sede na área do polígono militar de Tancos, junto da base aérea nº3, que porá à sua disposição os necessários meios de transporte e lançamento aéreos.»
Definida a área de localização geográfica para implantação do BATALHÃO DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISTAS, a escolha centrou-se nas decadentes instalações(3) do antigo Batalhão de Pontoneiros (BP), uma unidade do Exército que, em 1921, tinha sido transferida de Santarém para Tancos e, em 1947, integrada na Escola Prática de Engenharia (EPE).
Iniciadas, de imediato, obras de conservação e restauro, no dia 3 de Janeiro de 1956 chegam os primeiros militares pára-quedistas, ficando instalados nas antigas camaratas do Batalhão de Pontoneiros.
Integravam estes primeiros efectivos, também, os Capitães Pára-quedistas ARMINDO MARTINS VIDEIRA e MÁRIO DE BRITO MONTEIRO ROBALO, respectivamente 1º e 2º Comandantes do BCP.
É neste curtíssimo período de tempo, compreendido entre 3JAN1956 e 23MAI1956, que a nova unidade se organiza administrativamente (a primeira Ordem de Serviço é publicada a 4JAN1956), define o tipo de instrução, e os cursos a ministrar (sem esquecer as periódicas sessões aeroterrestres), e prepara as instalações para a cerimónia solene de inauguração do aquartelamento.
CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO
Foi com expressivas e emocionadas palavras de apreço que o Comandante da Unidade, Capitão Pára-quedista ARMINDO MARTINS VIDEIRA, iniciou o seu improvisado discurso para agradecer a presença das altas individualidades militares que assistiram e honraram a cerimónia de inauguração do primeiro aquartelamento dos pára-quedistas portugueses: o BATALHÃO DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISTAS.
O acto, cuidadosamente seleccionado para ser realizado no dia “23 de Maio“, numa estudada e planeada associação histórica ao incontornável elo de vinculação portuguesa ao conjunto da cristandade, e verdadeiro reconhecimento internacional da nossa Independência Nacional, consumado pela bula MANIFESTIS PROBATUM emitida pelo Papa ALEXANDRE III em 23 de Maio de 1179 (ver texto separado), contou com as honrosas presenças dos Subsecretários de Estado da Aeronáutica e do Exército; do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas; do Chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas; do Comandante de Instrução e Treino das Forças Aéreas; do Director da Arma de Infantaria; do Comandante da 3ª Região Militar; dos Comandantes das Bases Aéreas Nº 1, Nº 2, Nº 3, Nº 5 e Nº 6; dos Directores do Depósito Geral de Material Aeronáutico (DGMA) e Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) e do Comandante da EPE, eterna unidade vizinha das Tropas Pára-quedistas.
Momento carregado de forte simbologia na cerimónia foi quando o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, depois de ter passado em revista os garbosos pára-quedistas, se dirigiu para a “Porta-de-Armas”, para receber das mãos do Capitão Pára-quedista ARMINDO MARTINS VIDEIRA, a chave do “velho e histórico” portão, procedendo à sua abertura oficial.
Após esta simbólica abertura do portão (futura Porta-de-Armas durante alguns anos), os ilustres convidados foram encaminhados para uma tribuna onde assistiram ao desfile dos efectivos do Batalhão de Pára-quedistas.
Ainda antes de terminar oficialmente a cerimónia, foi organizada uma visita detalhada às instalações da Unidade e uma sessão de saltos em pára-quedas na zona de lançamento (ZL) do Arripiado.
A cerimónia foi encerrada com um almoço volante. Porém, ainda durante o decorrer do almoço, e depois de ouvir as palavras de agradecimento proferidas pelo primeiro Comandante das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, Capitão ARMINDO MARTINS VIDEIRA, dirigidas aos presentes, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, Tenente-Coronel de Engenharia KAÚLZA OLIVEIRA DE ARRIAGA, em jeito de resposta, proferiu o seguinte discurso que a história registou com orgulho(4):
«Quis Sua EXª. o Ministro da Defesa Nacional honrar as Forças Aéreas confiando-lhes a preparação e a administração da primeira unidade pára-quedista das FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS.
É uma honra que a AERONÁUTICA MILITAR não esquecerá e que vem juntar-se a tantos outros motivos de reconhecimento para com Sua Ex.ª.
O BATALHÃO DE CAÇADORES PÁRA-QUEDISTAS embora de tão recente criação é já considerado, por força da sua própria natureza e pela forma excelente como se tem apresentado em público, uma unidade de elite.
Uma unidade onde se cultivam acima de tudo a coragem e a disciplina, o arrojo e o aprumo moral.
E são estas qualidades, que tão bem se enquadram nas Forças Aéreas, onde todas, mas entre as quais não resisto a distinguir os pilotos das esquadras de caça, primam pela entusiástica observância das mais belas virtudes militares.
Senhor Comandante do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas.
Está V.ª Exª. encarregado duma séria tarefa. Além da manutenção, ou melhor, da progressiva elevação do nível moral e físico e de técnica pára-quedista já atingido:
– Tem V.ª Ex.ª. de transformar os seus homens em combatentes altamente treinados, não só nos métodos normais de combate da infantaria, mas muito especialmente em todos os processos de luta no interior de áreas inimigas.
– Tem V.ª Ex.ª. de preparar dentro dos mesmos moldes novos sargentos e novas praças.
– E tem ainda de cuidar da administração de uma das unidades orçamentalmente mais bem dotadas das Forças Armadas Portuguesas.
É, repito, uma séria tarefa.
Uma séria tarefa que V.ª Ex.ª., Senhor Comandante levará a efeito e para o que pode contar com o apoio decidido e firme dos Comandos das Forças Aéreas e com o meu próprio.
Termino, garantindo-lhe, Senhor Comandante, que as Forças Aéreas envidarão para com as tropas pára-quedistas os mesmo intransigentes e sãos princípios, o mesmo interesse e entusiasmo e, direi, o mesmo carinho com que cuidam das outras unidades.»
Findo o histórico discurso, e concluída a cerimónia da inauguração do novo aquartelamento dos soldados da “terceira dimensão”, o dia «23 DE MAIO» passou a ser considerado o “DIA DA UNIDADE”, desde 1956, tendo sempre presente a associação e significado histórico que esta data encerra para a consolidação da INDEPENDÊNCIA de PORTUGAL(5), tanto do ponto de vista político, como do ponto de vista jurídico.
NOTAS:
(1) Designação muito comum e popularizada entre os pára-quedistas militares veteranos que combateram nas antigas possessões portuguesas em África.
(2) Ver Portaria Nº 20.911 de 16NOV1964.
(3) A respeito das instalações devolutas (ver Portaria nº 15671, de 26DEZ1955) cedidas pelo Exército (Batalhão de Pontoneiros), o primeiro Comandante das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, em entrevista exclusiva concedida ao capitão pára-quedista Miguel Machado e ao primeiro-sargento pára-quedista Sucena do Carmo, publicada na Revista “BOINA VERDE” Nº 158 / 91 (número especial), descreveu o seguinte cenário: «…Os edifícios eram de pedra e barro, ervas e mato cresciam por todo o lado, estava tudo degradado, e inicialmente até tínhamos de dobrar os pára-quedas nas mesas do refeitório. Com uma mescla de seriedade e bom humor dizia-se que a única coisa aproveitável eram as letras metálicas (o “B” e o “P”) do portão, e que tanto servia para Batalhão de Pontoneiros como para Batalhão de Pára-quedistas. Foi necessário não só muito trabalho do pessoal como o empenhamento do SEA para, à data da inauguração, em 23 de Maio de 1956, o BCP estar de “cara lavada” e as instalações já parcialmente adaptadas às nossas necessidades.»
(4) In CTAT, História das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, BCP, Volume 1. Tancos, Edição nº1, pág. 113.
(5) Para o SEA, Tenente-Coronel de Engenharia KAÚLZA OLIVEIRA DE ARRIAGA, «…a criação de uma unidade de TROPAS PÁRA-QUEDISTAS no seio das Forças Armadas Portuguesas, em pleno século XX (1956), tinha um significado análogo ao da importância da emissão da bula MANIFESTIS PROBATUM na consolidação da nossa Independência Nacional: Portugal passava a dispor de mais um instrumento tecnicamente capaz de a defender, embora por outros meios.» Entrevista oral do General Kaúlza Oliveira de Arriaga, ao autor, na sua residência privada (Lisboa), em 1989.
BULA MANIFESTIS PROBATUM
Emitida pelo Papa ALEXANDRE III, em 23 de Maio de 1179, a bula MANIFESTIS PROBATUM(1) – a Magna Carta de Portugal – declarava o Condado Portucalense independente do Reino de Leão e D. Afonso Henriques, seu legítimo rei.
Com 830 anos, este importante documento legitimou, assim, a hereditariedade da Coroa, e o direito sobre os territórios conquistados aos mouros, desde que esses não pertencessem aos príncipes cristãos vizinhos “…com todos os poderes dos nossos ofícios apostólicos…“(2), ou seja, reconheceu a independência de Portugal.
Em português actual(3), o histórico documento reza o seguinte:
«Alexandre, Bispo, Servo dos Servos de Deus, ao Caríssimo filho em Cristo, Afonso, Ilustre Rei dos Portugueses, e a seus herdeiros, in perpetuum. Está claramente demonstrado que, como bom filho e príncipe católico, prestaste inumeráveis serviços a tua mãe, a Santa Igreja, exterminando intrepidamente em porfiados trabalhos e proezas militares os inimigos do nome cristão e propagando diligentemente a fé cristã, assim deixaste aos vindouros nome digno de memória e exemplo merecedor de imitação. Deve a Sé Apostólica amar com sincero afecto e procurar atender eficazmente, em suas justas súplicas, os que a Providência divina escolheu para governo e salvação do povo. Por isso, Nós, atendemos às qualidades de prudência, justiça e idoneidade de governo que ilustram a tua pessoa, tomamo-la sob a protecção de São Pedro e nossa, e concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence, bem como todos os lugares que com o auxílio da graça celeste conquistaste das mãos dos Sarracenos e nos quais não podem reivindicar direitos os vizinhos príncipes cristãos. E para que mais te fervores em devoção e serviço ao príncipe dos apóstolos S. Pedro e à Santa Igreja de Roma, decidimos fazer a mesma concessão a teus herdeiros e, com a ajuda de Deus, prometemos defender-lha, quanto caiba em nosso apostólico magistério.»
NOTAS:
(1) Imagem extraída do IAN TORRE DO TOMBO; Ficheiro imagem: TES06\TT-BUL-16-20_1_c0002.jpg; Código Referência: PT-TT-BUL/16/20; http://ttonline.iantt.pt/index.htm
(2) COSTA, M.F., Assim nasceu Portugal. Rio de Janeiro; Casa da Medalha; s/data; pág.59.
(3) Em 2006, o Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo lançou uma iniciativa intitulada o «Documento do Mês», onde todos os meses estiveram patentes ao público, fisicamente e on-line, um documento representativo do nosso vasto património documental. A iniciativa foi lançada oficialmente em Maio, com a presença da Ministra da Cultura, e o documento escolhido foi a bula MANIFESTIS PROBATUM. O autor visitou esta iniciativa, tendo desfrutado da rara oportunidade de contemplar este histórico documento.
Outro acto demonstrativo da importância deste documento foi a homilia do Santo Padre JOÃO PAULO II, em 22MAI79, quando Sua Santidade citou tão importante documento emitido pelo seu Predecessor ALEXANDRE III.
A tradução apresentada neste texto é a mais divulgada, tanto em documentos impressos com em documentos on-line.
Antonio Carmo é
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