UMA MANHÃ NOS «COMANDOS»
Por Miguel Machado • 24 Jun , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintOs Comandos, criados em 1962 para enfrentar a guerra no Ultramar, estão hoje de novo empenhados num cenário de conflito, o Iraque, onde juntamente com outros militares do Exército, são a parte mais visível da participação portuguesa no combate ao “estado islâmico”. A história dos Comandos é feita de muitas glórias e por um espírito de corpo e determinação pouco vulgares em Portugal, o que os mantém na primeira linha da capacidade de intervenção das Forças Armadas Portuguesas. O Operacional visitou o Centro de Tropas Comandos da Brigada de Reacção Rápida e mostra o que viu.
Serra da Carregueira
O Centro de Tropas Comandos da Brigada de Reacção Rápida (CTC/BrigRR), localiza-se nos arredores da capital, no quartel da Serra da Carregueira / Mira Sintra, uma unidade que dispõe de boas condições para instrução – uma enorme área arborizada com 250 hectares, carreiras de tiro, pistas de obstáculos, torre de montanhismo – e ao mesmo tempo está junto a excelentes vias de comunicação rodoviárias (A-16 e CREL), o que coloca os Comandos relativamente próximo dos portos e aeroportos de Lisboa, e também da Base Aérea n.º 1 em Sintra.
A visita que o Operacional acompanhou destinava-se prioritariamente a cadetes da Academia Militar (4.º ano/Arma de Infantaria), e o programa definido pretendeu mostrar a utilização prática de alguns tipos de armas de infantaria, possibilidade de emprego e questões relativas à formação e treino nesta área do armamento e tiro. Esta reportagem não pretende assim mostrar todas as capacidades dos Comandos, apenas o que foi mostrado a estas duas dezenas de futuros oficiais do Quadro Permanente do Exército Português, alguns dos quais em breve, poderão se assim o desejarem frequentar o Curso de Comandos. Talvez por isso, mas também certamente para enquadrar o assunto “comandos” para jovens militares que nunca ali tinham estado, na apresentação feita não deixaram de ser referidas com algum detalhe a história e as diferentes fases da formação do “comando” e, em simultâneo, sugestões ao voluntariado para o Curso de Comandos.
Da Zemba a Besmayah – 1962/2015
A história dos Comandos do Exército Português está escrita, há livros e inúmeros artigos sobre o tema (ver a Cronologia Oficial no final do artigo), vamos apenas fazer aqui uma síntese, organizando-a em épocas que nos parecem diferenciadas. O espírito Comando, esse, atravessa todo este tempo se não de modo igual, pelo menos muito semelhante, e no essencial, tem sido o cimento e a principal razão do sucesso com que têm enfrentado os “ventos da história”.
Consideramos assim, 5 grandes épocas:
Guerra de contra-guerrilha no antigo Ultramar, entre 1962 e 1974, na qual os diferentes centros de instrução (Angola – Zemba, Quibala, Luanda; Moçambique – Namaacha, Montepuez; Guiné – Brá; Lamego), prepararam cerca de 9.000 Comandos para missões de contra-guerrilha nas quais obtiveram excelentes resultados operacionais e por isso foram distinguidos com as mais elevadas condecorações quer a título individual quer colectivo. Foram 12 anos como unidades de intervenção, sempre na primeira linha dos combates, onde pagaram um elevado preço de sangue: 357 mortos, 771 feridos e 28 desaparecidos.
Período revolucionário e a normalização democrática em Portugal, entre 1974 e 1976, na qual se assistiu à criação do Regimento de Comandos na Amadora e a introdução da boina vermelha, tendo a acção do Regimento sido determinante na chamada normalização democrática, contribuindo para a derrota pela força das armas, em 25 de Novembro de 1975, das facções consideradas radicais que dominaram a cena política em Portugal depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974;
Guerra-fria na Europa e a Cooperação Técnico-Militar em África, de 1976 até 1993, na qual o Regimento de Comandos, procurou o seu lugar num sistema de forças virado para eventual conflito na Europa, integrou a Brigada de Forças Especiais do Exército e participou com pequenos destacamentos em exercícios internacionais no âmbito da NATO, iniciando ao mesmo tempo com sucesso, diferentes acções de Cooperação Técnico-Militar em África, sendo a mais relevante e que ainda se mantém, com Angola;
Extinção do Regimento de Comandos e criação do Centro de Tropas Comandos, de 1993 a 2006, na qual o Regimento foi extinto, poucos militares comandos quiseram frequentar o curso de pára-quedismo para integrar a Brigada Aerotransportada criada no Exército a partir das unidades, pessoal e meios das Tropas Pára-quedistas da Força Aérea, também extintas. Manteve-se no Exército a possibilidade de oficiais e sargentos frequentarem o Curso de Comandos em Lamego, no Centro de Instrução de Operações Especiais, com várias finalidades, nomeadamente manter viva a Cooperação Técnico-Militar, o que foi conseguido, e preservar conhecimentos, capacidades e tradições consideradas necessárias ao ramo terrestre. Em 2002 foi criada a 1.ª Companhia de Comandos (100.º Curso de Comandos), depois a 2.ª Companhia e finalmente o Batalhão de Comandos, no Regimento de Infantaria n.º 1 (Serra da Carregueira). Em 2006 foi legalmente criado o Centro de Tropas Comandos, em Mafra, onde se manteve até 2008, ano em que regressou à Serra da Carregueira.
Missões expedicionárias, desde 2004 até aos dias de hoje. Em 2004, uma companhia de comandos é integrada no Agrupamento Hotel (com base num Batalhão da Brigada Ligeira de Intervenção) e parte para Timor-Leste participando na missão das Nações Unidas no território, dando assim início ao envolvimento dos Comandos, com unidades constituídas, nas missões expedicionárias(*). No ano seguinte uma Companhia de Comandos integra a força da NATO no Afeganistão e este vai ser um teatro de operações onde os comandos permanecem até 2014, embora com uma ou outra interrupção dando lugar a outras forças da Brigada de Reacção Rápida. Primeiro como uma companhia como Força de Reacção Rápida e depois, com efectivos variáveis, por vezes em conjunto com outras unidades nacionais, integrando a Protecção da Força do Contingente Nacional, mas também fornecendo oficiais e sargentos para diferentes cargos de assessoria/mentoria, os Comandos foram a força nacional que mais tempo permaneceu no Afeganistão. Já este ano, coube ao CTC preparar o contingente português que está no Iraque, no âmbito da Coligação Internacional liderada pelos EUA para combater o “estado islâmico”. A maioria da Força Nacional Destacada é composta por militares Comandos, estando empenhados em missões de assessoria, instrução e segurança em Besmayah nos arredores de Bagdad, numa base espanhola.
Organização e missão
O CTC é uma das unidades da Brigada de Reacção Rápida, sendo esta uma das 3 brigadas que estão na dependência do Comando das Forças Terrestres do Exército. O CTC é uma unidade tipo regimento, sob o comando de um coronel, que dispõe de um estado-maior (secções de pessoal, operações/informações/segurança, logística e formação), uma companhia de comando e serviços, uma companhia de formação e o batalhão de comandos. Este está organizado em termos legais com uma companhia de comando e apoio e três companhias de comandos. Detalhando um pouco esta organização, as Companhia de Comandos, estão organizadas em Secção de Comando, Secção de Transmissões, Secção de Manutenção e 4 Grupos de Combate. Cada Grupo de Combate tem 30 militares e está dividido Equipas de Comandos. Estas são compostas por 1 sargento e 4 praças, tendo cada um deles uma especialização (pisteiro, sapador, socorrista, apontador metralhadora-ligeira).
Para este ano de 2015 o CTC está a preparar-se para empenhar na Força de Reacção Rápida do Estado-Maior General das Forças Armadas, o Comando e Estado-Maior do Batalhão e 1 Companhia de Comandos (período de “stand-by” em 2016), estando a outra companhia operacional disponível para ser empregue como Força Nacional Destacada, sendo uma unidade de reserva da componente terrestre do sistema de forças nacional.
Em termos de efectivos o CTC está, em termos globais (Comandos e não-Comandos e Civis) com cerca de 65% daquilo que é o seu quadro orgânico, situação decorrente das restrições impostas à generalidade das unidades militares pelas reduções de efectivos globais das Forças Armadas.
A missão genérica do CTC é aprontar um Batalhão de Comandos (BCmds) e ministrar cursos na área formativa “Comandos”. Este batalhão deve estar capacitado para conduzir «…operações de combate de natureza eminentemente ofensiva, de forma independente ou em apoio de outras forças, em condições de elevado risco e exigência…». Nesse sentido os Comandos preparam-se para efectuar operações de resposta a crises, de contrainsurgência, de combate ao terrorismo, de cooperação técnico-militar, de interesse público e outras ainda.
O BCmds realiza um Ciclo de Treino Operacional muito exigente, os seus quadros e praças estão em elevado grau de prontidão como se percebe pelas missões que podem ser chamados a cumprir. Este plano semestral inclui não só aulas teóricas e acções de formação na Serra da Carregueira e no exterior, como a participação em exercícios, quer da unidade quer da BrigRR e do Exército. O BCmds participou recentemente no Orion 2015, na parte respeitante à Operação de Evacuação de Não-Combatentes e certamente será empenhado no Trident Juncture 2015, o grande exercício da NATO que também vai ter lugar em Portugal. Ainda este ano o CTC manterá quadros e praças na Operação “Inherent Resolve” (cerca de 20 militares) e quadros, embora em número reduzido, nas acções de Cooperação Técnico-Militar com Angola, alguns a título temporário, empenhados em acções de formação ligada ao tiro de combate, uma das áreas muito desenvolvidas e treinada no CTC.
Instrução Comando em 2015
Os Comandos hoje incorporam um misto de tradição e modernidade, um acumular de conhecimentos, que fazem deles uma das unidades de intervenção rápida das nossas Forças Armadas, capazes de actuar nos diferentes tipos da conflitualidade moderna, quer pela formação que têm quer pela sua predisposição para o combate. Não nos foi dito mas vimos, que parte do material em uso, do armamento a diversos equipamentos individuais, bem necessitam de um “upgrade” compatível com as características desta tropa!
Mesmo que as mudanças tenham sido muitas ao longo destes mais de 50 anos, a realidade é que a guerra tem coisas que mudam muito pouco. Os Comandos, com as continuadas presenças em operações no Afeganistão contactaram com um teatro de operações dos dias de hoje, introduziram técnicas, tácticas, procedimentos, e mesmo alguns equipamentos novos, mas por outro lado, valorizaram aspectos de sempre da sua formação.
Em linhas gerais a instrução para ser Comando assenta em três pilares: a técnica de combate, o tiro de combate e o treino físico. O Curso é ministrado durante 84 dias divididos em duas grandes fases, a da aquisição de conhecimentos e a da sua aplicação, que termina com um exercício, 12 dias, em ambiente “floresta” na região centro do país (Pinhal de Leiria), “água e planície” na zona do Alqueva e “montanha” na Serra do Marão.
No curso a complexidade da formação vai aumentando gradualmente da fase individual à fase de equipa e depois grupo de combate. Há um crescendo na instrução que incide sobre todos mas muito em especial sobre os militares com responsabilidade de comandar (equipas/grupos), obrigando-os a tomar decisões, a planear, sob muita pressão.
No CTC ministram-se também outros cursos destinados a aperfeiçoar as capacidades dos seus militares – e alguns em proveito de outras unidades – como por exemplo, o Curso de Instrutor de Tiro de Combate ou o Curso de Promoção a Cabo “Comandos”. O tiro é uma disciplina desde sempre muito acarinhada pelos Comandos, sabem bem a sua importância em combate, e nesse sentido têm vindo a melhorar a formação dos seus quadros o que depois naturalmente se reflecte nas tropas. Aqui o tiro que merece mais atenção é o que se realiza até aos 500m e o chamado “sharp shooter” (tiro com arma de precisão).
Foi uma pequena visita a uma grande unidade, esperamos ter dado com esta reportagem na Serra da Carregueira uma panorâmica muito geral aos nossos leitores sobre o que foram e são hoje os Comandos do Exército Português.
Cronologia histórica dos Comandos
(Fonte: site do Exército Português/página do Centro de Tropas Comandos)
A história dos Comandos começou em 25 de Junho de 1962, quando em ZEMBA, no norte de Angola, foram constituídos os primeiros seis grupos de combate, daqueles que seriam os antecessores dos Comandos. Os seis grupos obtiveram excelentes resultados operacionais
Em 1963 surgiu então, pela primeira vez, a designação de COMANDOS para as tropas instruídas no Centro de Instrução 16 em QUIBALA (Angola)
Em 13 de Fevereiro de 1964, iniciou-se na NAMAACHA (Lourenço Marques) o 1º Curso de Comandos de Moçambique
1965 – Passa a funcionar em LUANDA o Centro de Instrução de Comandos, criado por decreto-lei nº 46410 de 29 de Junho 65, que formaria Companhias de Comandos durante 10 anos, com destino às Regiões Militares de Angola e Moçambique (RMA, RMM)
1966 – Em Abril, é criado em LAMEGO um novo CI, onde passam a ser formadas Companhias de Comandos para os Teatros de Operações da Guiné e de Moçambique
1969 – Em Julho, é criado em BISSAU (Guiné) o Batalhão de Comandos da Guiné, que passa a integrar todas as Companhias de Comandos em actuação no Teatro de Operações da Guiné e, simultaneamente , funciona como CI, onde são formadas e recompletadas as 1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos da Guiné
04Jul74 – É criado o Batalhão de Comandos nº 11, que fica aquartelado na Amadora, onde são integradas ou formadas as Companhias de Comandos
25Nov75 – O Regimento de Comandos intervém vitoriosamente e de forma altamente meritória nos destinos político-militares de Portugal, consolidando em definitivo a democracia e a liberdade conquistada em 25 de Abril de 1974 1976 – Nos diversos Centros de Instrução e até 1976, formaram-se um total de 67 Companhias de Comandos, que souberam sempre combater com determinação e valor, em todos os Teatros de Operações
01Out93 – É extinto o Regimento de Comandos
1996 – É ministrado o 99º Curso de Comandos, no Centro de Instrução de Operações Especiais / Lamego
09Maio02 – É reactivada a Unidade de Comandos, de escalão Batalhão a 2 Companhias, sedeada no Regimento de Infantaria Nº 1 – Serra da Carregueira
16Set02 – Início do 100º Curso de Comandos.
01Jul06 – É criado o Centro de Tropas Comandos (CTCmds). Por Despacho nº 131/CEME/2006 de 26Junho.
31Mar08 – O CTCMDS é transferido do Quartel do Alto da Vela para o Quartel da Carregueira pela Directiva Nº12/CEME/08 de 10 de Janeiro.
Código Comando
O COMANDO ama devotadamente a sua PÁTRIA, estando sempre pronto a fazer por ela todos os sacrifícios. Constante exemplo de energia, de amor ao trabalho, de dedicação e de lealdade aos chefes, não discute as ordens que recebe, não admite nem conhece embaraços ou resistências à sua integral execução.
O COMANDO pratica a camaradagem e procura assegurar a solidariedade moral entre todos os seus irmãos de armas; mas não aceita a indignidade, nem a desobediência, nem o desrespeito pelas regras da disciplina e da honra. Sempre disposto a auxiliar quem precisa do seu apoio material ou do seu amparo moral, quer na paz, quer na guerra, e em frente ao inimigo, afirma-se constantemente pessoa de carácter.
O COMANDO ama as responsabilidades; sempre pronto a comandar e disposto a obedecer, não admite a suspeita de haver nos seus superiores a intenção de oprimi-lo ou de, por qualquer forma, o diminuir. Porque é sua constante preocupação agir como verdadeiro COMANDO tem nos seus chefes ou comandantes a mais segura confiança e a mais acrisolada fé.
Sempre generoso na vitória e paciente na adversidade, o verdadeiro COMANDO trata com solicitude, acarinha e estimula aqueles que lutam e sabem vencer todos os obstáculos. Não admite a mentira mas respeita os estóicos e abnegados que servem sem preocupação de paga ou de satisfação de interesses de qualquer natureza.
O carácter, a lealdade, a fidelidade, a obediência e a determinação são virtudes inalienáveis do COMANDO. Sejam quais forem os seus dotes de saber o COMANDO que as não possua ou as despreze deve ser inexoravelmente privado do seu título.
O COMANDO não foge ao perigo, não evita as situações que possam acarretar-lhe incómodos. Incumbido de uma missão, põe no cumprimento dela todas as suas possibilidades de actuação, todas as suas forças físicas, intelectuais e morais.
(*) A título individual vários militares “Comandos” integraram as primeiras missões de observadores militares na Ex-Jugoslávia, a partir de 1992, e outras em locais como Moçambique e Angola. Em 1996, quando o 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado iniciou a participação portuguesa nas operações terrestres da NATO na Bósnia, parte substancial dos militares “Comandos” que se haviam juntado à Brigada Aerotransportada Independente (BAI), estavam nessa força. Em outras missões de batalhões da BAI, como no Kosovo ou em Timor-Leste, sucedeu o mesmo.
Veja aqui a VÍDEO-REPORTAGEM, VISITA AO CENTRO DE TROPAS COMANDOS
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