UMA MANHÃ NO “VIANA DO CASTELO” (I)
Por Miguel Machado • 20 Mai , 2011 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintO NRP “Viana do Castelo” materializa como poucas outras unidades navais aquilo a que este ramo das Forças Armadas designa, “duplo uso”: cumpre missões de interesse público e militares. Com claro pendor para as primeiras, espera-se desta classe de navios, quando completa, que venha a ser um importante contributo para a defesa dos interesses portugueses nas áreas marítimas de jurisdição Nacional.
Na nossa história recente nem sempre o Mar tem recebido a atenção que qualquer pessoa de bom senso acha normal para um país com a inserção geográfica de Portugal. Felizmente nos tempos que correm todos, do Presidente da República ao Bloco de Esquerda, acham que o nosso espaço marítimo tem que ser devidamente protegido e explorado. Para um “uso civil” do uso do mar é necessária uma “componente militar” que o permita. Esta deverá ter além das capacidades proporcionadas por meios da Força Aérea, nomeadamente os aviões de patrulha marítima e os helicópteros de busca e salvamento, as características normais das marinhas de guerra, com meios de superfície (onde se incluem os helicópteros orgânicos das unidades navais) e sub-superfície. Mas a Marinha tem que ter capacidade de assistência a pessoas e embarcações em perigo; fiscalização da pesca; protecção e controlo das actividades económicas, científicas e culturais; protecção dos recursos naturais; prevenção e combate à poluição; prevenção e combate a actividades ilícitas como o tráfico de droga ou a imigração ilegal; apoio em caso de catástrofe nas zonas costeiras no Continente e Arquipélagos. Isto tudo mais não é do que parte substancial das missões que os navios da classe “Viana do Castelo” vão cumprir. Têm mais capacidades, já lá iremos, mas estas são algumas das principais e muitas vão ser cumpridas diariamente, ano após ano, durante muitos anos.
Acontece que estes meios navais, estas plataformas, não se compram como quem compra uma viatura num revendedor de automóveis! Além dos investimentos serem vultuosos, trata-se de projectos que não raramente se arrastam por muitos anos, mesmo décadas. Quando se escrever a história desta classe de navios que está a ser construída nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, certamente que todos os factos, indecisões e decisões que se verificaram serão recordados. Agora, apenas para vincar bem o tempo que estes projectos demoram e os resultados naturalmente gravosos para o “assunto Mar” – note-se o que vem escrito pelo Vice-Almirante Silva da Fonseca nos “Cadernos Navais”, n.º 10, Julho-Setembro de 2004:
“O caso do Navio Patrulha Oceânico (NPO) é paradigmático (…)
Anos 70 – reconhecida, pelo menos informalmente, a necessidade de plataformas específicas, concebidas para a execução de modo económico das tarefas de serviço público;
Anos 80 – criado o GAPO “grupo do anteprojecto do patrulha oceânico”;
Outubro 1991- é aprovado o conceito de emprego e os objectivos operacionais do NPO;
Julho de 1997 – é criado o GTPAT, “grupo de trabalho do patrulha oceânico” que elaborou o “Requisito Formal de Necessidade”, os “Objectivos Operacionais” e os “Requisitos Operacionais”;
Novembro de 1998 – promulgado o POA 5 (Requisitos Operacionais do Navio Patrulha Oceânico); criado um grupo de trabalho com elementos do Estado-Maior da Armada, Direcção de Navios e Arsenal do Alfeite, para iniciar a elaboração do anteprojecto;
Dezembro de 1999 – elaborado na Direcção de Navios a “especificação técnica”;
Março de 2000 – apresentado pelo Chefe do Estado-maior da Armada ao Ministro da Defesa Nacional um programa de aquisição de 10+2 NPO’s;
Janeiro de 2001 – publicado o despacho conjunto 15/2001 (Primeiro-Ministro, Ministro da Defesa Nacional, Ministro das Finanças, Ministro da Economia, Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território)
Março de 2001 – apresentada uma consulta formal aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo;
Julho de 2001 – Os ENVC apresentam uma proposta para discussão;
Outubro 2001 – iniciam-se as negociações Marinha/ENVC;
Setembro de 2002 – concluem-se as negociações chegando a Marinha/MDN a acordo com os ENVC;
15OUT2002 – assinatura do contrato de construção de dois NPO’s pelo Primeiro-ministro em Viana do Castelo;
19DEZ2002 – obtido o visto do Tribunal de Contas. O contrato entrou em vigor no dia seguinte.
JUL2005 – data aprazada para entrega do primeiro NPO”.
Como é sabido o primeiro navio foi definitivamente entregue em 2011.
Ou seja, mesmo que tudo corresse normalmente, seria sempre mais de uma década, desde que a necessidade começa a ser percepcionada até à sua entrada ao serviço. Mesmo sem querer aprofundar a temática – queremos é mostrar o que vimos no Alfeite! – ou desresponsabilizar quem quer que seja, note-se contudo que exemplos de processos de atrasos e aumentos de preços na construção de novos meios militares, em Portugal, na Europa e Estados Unidos, são uma constante. Meios complexos – e ao contrário do que se possa pensar os “Viana do Castelo”, para as nossas capacidades, não é coisa simples – originam naturalmente processos demorados. Mais uma vez segundo Silva da Fonseca, em 2004: “um projecto de aquisição de meios com certa envergadura é um processo demorado e complexo, com numerosos prazos e etapas. A necessidade de técnicos especializados e experientes das várias disciplinas da engenharia, mas mais recentemente, também da área jurídica e financeira, é patente e manifesto (…) a gestão deste tipo de projectos implica algum «know-how», que se perde com grandes hiatos entre a sua execução.”
Se não houver um reequipamento regular ao longo dos anos, estaremos sempre condenados a começar do zero. O mesmo acontecendo com a indústria, está bem de ver. Neste como em outro tipo de equipamentos para qualquer ramo, decidir entre o fazer em Portugal ou comprar fora, “chave na mão”, será sempre uma opção política. Achamos que o correcto é investir em Portugal e criar riqueza no nosso país, sem dúvida. Mas isso pressupõe continuidade sem a qual é impossível quer da parte militar quer da industrial, alcançar o “bom e barato”, ou pelo menos, não tão dispendioso como no estrangeiro. Porque se o resultado for “mau e caro”, sinceramente, não vale a pena, as missões a que se destinam os meios ficarão comprometidas.
Miguel Machado é
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