UM PORTUGUÊS NAS COMEMORAÇÕES DO ASSALTO À NORMANDIA
Por Miguel Machado • 22 Mai , 2019 • Categoria: 01. NOTÍCIAS
No próximo dia 5 de Junho as comemorações do 75.º aniversário do assalto aerotransportado Aliado que iria iniciar a libertação da Europa ocupada pelo exército Alemão, incluem um “lançamento em massa” na Normandia. Cerca de 300 pára-quedistas irão saltar em pára-quedas de 35 aviões históricos, os Dakotas, para homenagear os milhares que ali saltaram em 1944, e entre eles estará um português: Pedro Isidoro, antigo sargento pára-quedista em Portugal, hoje piloto comercial. É com muito agrado que publicamos este seu artigo, e assim nos juntamos a estas comemorações de uma batalha que marcou o curso da história.
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Embarque de pára-quedistas no Dakota “Tico Belle”, durante um treino para o evento de 5 Junho próximo.
Como sempre fazemos quando um novo autor escreve no Operacional, começamos pela apresentação. Pedro Isidoro, 38 anos de idade, é piloto comercial de Airbus A380 na Emirates Airlines, depois de ter passado pela Portugália e pela TAP. Nascido na Suíça, filho de Emigrantes, veio para Portugal com 4 anos de idade, fez os seus estudos no Barreiro, na escola pública, e com o 12.º ano decidiu concorrer às tropas pára-quedistas, a sua paixão de sempre. Alistou-se por 18 meses, ficou 6 anos! Em 2003, integrado no 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista cumpriu uma missão na Bósnia e Herzegovina, na SFOR/NATO, e no regresso investiu as suas poupanças para tirar a licença de piloto comercial na Aerocondor, em Tires. Pela mesma altura, em 2005, passou à disponibilidade e começou a trabalhar. Na TAP voou A320 (médio-curso) e A330 (longo-curso). A maioria das fotos deste artigo são de Natalie Schwartz, a quem também agradecemos.
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Pedro Isidoro alistou-se nos pára-quedistas portugueses para 18 meses, ficou 6 anos! E…não perde uma oportunidade para continuar a saltar automático!
Comemorações do 75.º Aniversário do Dia-D
A pouco menos de 3 semanas para o aniversário dos 75 anos do Dia-D, terminam-se os preparativos para o que será o maior evento comemorativo do dia que mudou o curso da 2.ª Guerra Mundial.
A 5 de Junho de 1944 pelas 23h00 descolavam de Inglaterra os primeiros aviões C-47/Dakotas rumo a França para a maior ofensiva de todos os tempos. A bordo seguiam corajosos soldados pára-quedistas que pelas 01h00 do dia 6 viriam a saltar na Normandia sob pesado fogo anti-aéreo alemão. 75 anos depois, volta a escrever-se história na Normandia.
A organização sem fins lucrativos Daks over Normandy (Dakotas sobre a Normandia) prepara a maior homenagem jamais feita aos heróis da guerra com a maior concentração de aviões DC-3/C-47 Dakotas jamais vista nos últimos 70 anos. Cerca de 35 destas aeronaves oriundas de todo o mundo dirigem-se neste preciso momento ao aeródromo de Duxford, Inglaterra, com a missão de transportar cerca de 300 pára-quedistas a bordo, vestidos a rigor com as suas fardas M42 da época. Atravessarão o Canal da Mancha sob a escolta dos míticos caças Spitfire, rumando a França e lançando os pára-quedistas sobre a Normandia uma vez mais, recriando a história. Eu terei a felicidade de poder fazer parte desta história.
Ao descobrir nas redes sociais que este evento se iria realizar, não perdi tempo e inscrevi-me. Sendo um aficionado da história da 2.ª Guerra Mundial, sempre quis visitar a Normandia num dos seus aniversários e interagir com os veteranos que ainda são vivos. E que melhor maneira de chegar à Normandia senão mesmo aterrar de pára-quedas? Esta será a melhor homenagem que se pode prestar aos veteranos da guerra.
Portugal não esteve activamente envolvido na 2.ª Guerra Mundial com o emprego de tropas e materiais de guerra. Na eminência de ser invadido por Hitler, e estar demasiado perto de Inglaterra para sofrer represálias por colaboração com o inimigo, Portugal manteve-se numa posição neutral. No entanto viria a ser uma peça-chave na contra-espionagem com encontros de espiões de ambas as partes e troca de informações ultra-secretas em território nacional, contribuindo para o rumo da história que levaria à vitória final dos Aliados, e à libertação da Europa que conhecemos hoje.
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75 anos depois, em algumas das mesmas Zonas de Lançamento de 1944, os Dakotas e as calotes dos pára-quedistas vão voltar a ver-se sobre a Normandia.
Onde encontrar equipamento e onde saltar?
Inicialmente em lista de espera devido ao elevado número de candidatos e às poucas vagas existentes para o evento, a possibilidade de ser selecionado era remota. Mas, três meses mais tarde, é confirmada a minha entrada no manifesto para os saltos e é-me exigido que tenha o meu próprio pára-quedas e que o saiba dobrar. Onde encontrar então o equipamento? Estes equipamentos militares já não são fáceis de comprar e a prática deste tipo de “pára-quedismo militar” não é muito comum em alguns países. Para além do mais o equipamento não podia ser mais antigo que 25 anos de idade.
Com muita pesquisa na internet e ajuda das redes sociais, consegui o contacto de uma escola de pára-quedismo em Dunnellon, Florida, nos Estados Unidos. A X-35 NPTC, National Parachute Training Center. Não só ministra os cursos como também aluga e vende equipamentos para saltar. Serve também de Zona de Lançamento para as tropas americanas, para testes e desenvolvimento de novos equipamentos. Os saltos seriam efectuados de um C-47, oportunidade perfeita para ganhar a qualificação e experiência necessária para a Normandia.
Viajo para Dunnellon para tirar o curso de Airborne e voltar a ganhar a proficiência necessária, pois para o evento são exigidos 10 saltos com pára-quedas automáticos (static line) de calote hemisférica manobrável, dos quais 1 tem que ter sido feito pelo menos nos últimos 6 meses antes do evento.
Na Europa também se pode encontrar local para executar saltos automáticos com pára-quedas hemisféricos, no Reino Unido, Holanda, Bélgica, França, etc, e com a Associação Europeia de Pára-quedistas (EPA) da qual sou sócio. Organizam saltos na Eslováquia, Itália e ainda outros países, mas nos Estados Unidos a prática de “pára-quedismo automático” é mais comum. Trata-se de uma actividade de fim-de-semana onde os saltadores acompanhados das suas famílias, militares e ex-militares, reúnem-se com os seus amigos, num ambiente militar porém descontraído, vestindo os seus uniformes antigos ou actuais e executam os saltos ao longo dos dias de exercícios de aeronaves fenomenais e míticas.
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A preparação para esta “operação” foi levada muito a sério e reunidas as máximas condições de segurança para que tudo corra bem com aeronaves e pára-quedistas. Pedro Isidoro foi um dos antigos pára-quedistas militares que “voltou à escola”…mas nos EUA!
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Cada um dobra o seu próprio pára-quedas, é uma das condições para participar no encontro.
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No curso de preparação para a Normandia cada um usou o fardamento/equipamento que muito bem entendeu, mas na Normandia é obrigatório usar os fardamentos e equipamentos “da época” ou réplicas.
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Uma foto que, como tantas outras no paraquedismo militar, é familiar a todos o que por ele passaram. A aguardar o embarque.
Curso e preparação para a Normandia
O curso de Airborne na X-35 comporta um dia inteiro de aula teórica sobre como dobrar, manusear e manobrar o equipamento e o domínio da língua inglesa é imprescindível. O equipamento utilizado no curso foi utilizado no passado pelas tropas pára-quedistas americanas (Airborne) e que foi posteriormente adquirido pela escola. Utilizam o arnês do MC1-1C/D com a calote do SF-10A e um reserva T-10 MIRPS.
Intitulado pelos instrutores por “Ferrari” dos pára-quedas, o SF-10A foi genialmente desenhado e o ar flui tão eficientemente pelas aberturas laterais da calote que o pára-quedas pode inclusivamente fazer marcha-a-trás, e é tão rápido a responder aos comandos dos manobradores, que se torna uma diversão competir com os restantes saltadores, na precisão das aterragens.
O ambiente da instrução é fenomenal. Tudo é gerido como se de uma unidade militar se tratasse, e a ordem unida é utilizada para fins de instrução. Ajuda a manter a disciplina de segurança, que é a prioridade número um!
Inicialmente e para adaptação ao equipamento, os três primeiros saltos são efectuados de Cessna 182, um avião adaptado para pára-quedismo static-line. A tira extractora é presa pelo fecho de enganchar ao “chão” no interior do avião, e o salto é efectuado sobre o aeródromo. Na zona de aterragem está colocado um “alvo” e tentamos aterrar o mais próximo possível, treinando assim a precisão manobrando a calote.
No final dos três saltos de precisão a partir do Cessna 182 estamos prontos para o melhor: Tico Belle e Placid Lassie, dois aviões C-47 Skytrain utilizados na 2.ª Guerra Mundial e que seriam utilizados a lançar pára-quedistas num exercício de preparação para a Normandia. Pintados de verde azeitona com as riscas pretas e brancas nas asas e na cauda, estas aeronaves são verdadeiros museus do ar!
As riscas brancas e pretas na aeronave foi algo que os aliados acharam necessário pintar na véspera do Dia-D. Era comum as aeronaves aliadas serem confundidas por aviões inimigos, acabando por ser abatidas pelo “fogo amigo”. Uma vez que o número de aviões na Normandia seria gigantesco, as riscas foi uma maneira de os tornarem identificáveis.
Placid Lassie é um veterano de guerra que foi utilizado em operações conhecidas como Market Garden ou na batalha de Bastogne e está completamente original por dentro. A estrutura da fuselagem está à mostra e não tem bancos para sentar, pois torna o avião mais leve e por isso menos esforço para estes motores antigos. Os pára-quedistas sentam-se no chão até ao momento do seu salto.
Tico Belle por seu lado é um verdadeiro veterano do Dia-D. Foi restaurado por dentro, colocadas anteparas a cobrir a estrutura do avião e bancos para o transporte de passageiros, os quais foram agora removidos para este exercício de saltos e para o evento. No entanto a peça mais interessante deste avião é o cabo de enganchar, exactamente o mesmo que foi utilizado no Dia-D e ainda resiste até hoje!
Aos alunos do curso juntam-se agora os “Straphangers”, pára-quedistas que já estão qualificados mas que vão apenas para a diversão ou para manterem a proficiência. Todos eles estão no manifesto para a Normandia. A diversidade da faixa etária dos envolvidos é impressionante. Varia entre os 20 e os 70 anos e eu não posso deixar de tirar o chapéu aos pára-quedistas mais velhos. Alguns já com mãos trémulas, colocam o seu equipamento às costas, embarcam no C-47, e ganham 20 anos de vida! Preparam-se agora também para a Normandia.
Por ora a ideia é colocar os dois C-47 a voar em formação e lançar os pára-quedistas ao mesmo tempo, um dos aviões a 1350 pés do solo (cerca de 400 m) o outro a 1650 pés (cerca de 500 m) como preparação para o que nos espera na Normandia. Somos neste momento cerca de 150 saltadores prontos para encher os aviões e saltarmos em conjunto num salto militar. E o rigor do equipamento é impressionante! Na Normandia todos os saltadores têm de estar vestidos a rigor com as suas peças de fardamento M42. Por isso os saltadores vão já dando algum uso ao seu fardamento e vão “partindo” as botas. Os capacetes a utilizar serão os de metal utilizados na época, e preso à rede do mesmo são colocadas tiras de camuflagem. Alguns colocam um medical-kit na frente do capacete. Outros transportam os cinturões com porta-carregadores, e outros vão vestidos de enfermeiros com a cruz vermelha no capacete e a banda branca no braço esquerdo. Todos os saltadores estão a dar o seu melhor para que a reprodução do Dia-D seja o mais real possível. A grande maioria presta homenagem à 82.ª Airborne com o símbolo “AA” dos All-American no ombro esquerdo, outros o símbolo da 101.ª Airborne Screaming Eagles.
Três Jumpmasters (largadores) estrangeiros foram convidados para ministrarem alguns dos saltos. Um mexicano, um italiano e um uruguaio. No final, e após efectuarmos os saltos com esses largadores, a escola atribui as “asas” dos respectivos países.
Os aviões vão fazendo várias passagens ao longo do dia e largando os pára-quedistas em ritmo apressado. Imensas calotes no ar. Os saltadores voam agora muito próximos uns dos outros, e alguns traídos pelo vento aterram mesmo nas copas das árvores. Ninguém se magoa, recuperamos o material e juntamo-nos à noite num bar para rir e contar sobre as aventuras do dia.
Seis saltos é o suficiente para terminar o curso Airborne, e no final como manda a tradição pára-quedista, as asas são cravadas no peito com a ajuda de um soco forte mas amigável, um abraço e um brinde com o lema “AIRBORNE ALL THE WAY”!
Concluídos os requisitos para a Normandia, é tempo de regressar e preparar a logística para o evento. É necessário ainda encontrar a farda M42 e o capacete. Comigo trago o pára-quedas de calote MC1-1D que adquiri e o reserva T-10 MIRPS. A calote MC1-1D tem entradas laterais menores e por isso torna-se mais lento que o SF10A, mas nem por isso se torna menos eficaz ou menos preciso na manobrabilidade, como vim a verificar nos últimos saltos de C-47 que efectuei com ele. No entanto bem mais simples de dobrar.
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A Escola dos EUA onde o curso foi ministrado e de onde também descolaram dois Dakotas em direcção à Europa.
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E o momento que todos os pára-quedistas aguardam e apreciam…a abertura da calote e inicio da descida.
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Perto demais não é coisa que se deseje…os manobradores da calote também servem para tentar evitar estas situações.
O Evento
As comemorações do Dia-D começarão no dia 2 de Junho de 2019 e terminarão no dia 9. Festas e exposições com staff vestido a rigor estarão disponíveis nestas datas ao longo das praias que em 1944 ficaram conhecidas pelos seus nomes de código, Utah, Omaha, Gold, Juno, Sword e restante costa Normanda. Alguns veteranos passarão o Canal da Mancha de barco onde haverá também um show aéreo a acompanhá-los.
No dia 3 de Junho todos pára-quedistas chegarão ao Aeródromo de Duxford, Inglaterra, onde se encontra também o museu militar (Imperial War Museum) e que poderá ser visitado pelo público.
No dia 4 será efectuado um salto de preparação para o Dia-D em Duxford e serão efectuados os briefings de segurança. O público poderá também assistir aos shows aéreos em Duxford nos dias 4 e 5 de Junho.
Por volta das 13h00 do dia 5 de Junho, os aviões partirão então com rumo à Normandia, onde os pára-quedistas efectuarão o salto na Zona de Lançamento K, perto da vila de Caen, onde em 1944 foram lançados os soldados do 8.º Batalhão de Pára-quedistas Britânicos. Entre os dias 5 e 9 de Junho existirão também outros saltos nas zonas de lançamento da Normandia como Carentan (onde saltou a famosa 101.ª Airbone) e Saint-Mère-Église, porém estes saltos serão feitos pelo grupo americano Airborne Demonstration Team (ADT) com descolagem a partir de aeródromos na Normandia e levarão consigo o veterano de guerra e do Dia-D, o Sr. Tom Rice que saltará junto com o ADT num salto Tandem .
Esta será também uma oportunidade para conhecer e interagir com os actores da mini-série de TV produzida por Steven Spielberg e Tom Hanks “Irmãos de Armas” (Band of Brothers), numa reunião de actores da série que estarão presentes.
Durante os dias seguintes várias actividades e shows aéreos estão também marcados para o aeródromo de Caen-Carpiquet, local onde os pára-quedistas se vão reunir após o salto da travessia do dia 5. Será sem dúvida uma semana para a História!
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Pedro Isidoro aterra na ZL do National Parachute Training Center em Dunnellon, Florida, nos Estados Unidos da América. Daqui a dias será na Europa! A operação está em marcha!
E saltar com pára-quedas hemisféricos em Portugal?
Esta é sem dúvida uma actividade muito interessante, para todas as idades e seria bom se pudéssemos praticá-la em Portugal. Actualmente a Federação Portuguesa de Pára-quedismo obriga à instalação de um AAD (Automatic Activation Device) nos pára-quedas de reserva, um dispositivo utilizado no pára-quedismo de queda-livre que aciona a abertura do reserva no caso do saltador não abrir o principal a tempo. Os saltos automáticos também são praticados em Portugal mas com asas retangulares, não com os hemisféricos.
Este tipo de pára-quedas de reserva militar T-10 MIRPS é um pára-quedas já modificado e evoluído que contém uma mola extractora e que quando acionado o punho do reserva, irá saltar para o exterior e auxiliar à rápida extração da calote do reserva. Infelizmente neste tipo de reserva não é possível instalar um AAD, pelo que a prática de saltos com estes pára-quedas militares em Portugal fica apenas para os militares pára-quedistas no activo, na sua actividade de instrução, treino ou operações.
Pedro Isidoro, 15 de Maio de 2019.
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Pedro Isidoro, aqui já devidamente equipado e uniformizado para o Dia D (de 2019!). De acordo com as regras do evento os pára-quedistas têm obrigatoriamente que ir fardados “à época”. O pára-quedista militar português n.º 41.196
do curso n.º 218 de 2000, voltou ao “activo”!
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Um dos Dakotas já descolou o outro vai segui-lo, as portas estão abertas, os pára-quedistas prontos!
Site oficial do evento: Daks over Normandy
As comemorações no site do Ministério da Defesa do Reino Unido: D-Day 75
As comemorações no site do Ministério das Forças Armadas de França: 75e anniversaire du débarquement : Juno Beach accueillera la cérémonie internationale
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