UM DIA NA BASE AÉREA N.º 5
Por Miguel Machado • 3 Out , 2009 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintQuando se fala em “Base de Monte Real”, ou mais exactamente “Base Aérea N.º5”, é praticamente geral uma associação imediata às aeronaves F-16 da Força Aérea Portuguesa. Claro que estando a unidade a fazer 50 anos, muitos portugueses recordarão também os A7-P e T-38, menos os T-33 e ainda menos os F-86. É assim a inexorável lei da vida, geração após geração, homens e máquinas vão sendo substituídos. Na actualidade cabe aos militares e civis que servem a Força Aérea em Monte Real, assegurar a continuidade desta unidade de “caça” por excelência, hoje aliás a única com estas características.
As Esquadras 201 e 301, “Falcões ” e “Jaguares” respectivamente, estão sediadas nesta unidade e constituem no seu conjunto um dos mais poderosos e sofisticados instrumentos bélicos de que as Forças Armadas dispõem. A capacidade ofensiva e defensiva destas aeronaves, conferida pelas performances do F-16 e o armamento de os equipam, entregam ao poder político português – assim ele o queira – uma capacidade militar de elevado potencial capaz de ser usada no espaço geográfico Nacional ou em Forças Expedicionárias no âmbito de uma qualquer força multinacional. O “Operacional” esteve em Monte Real, e apresenta hoje uma panorâmica geral da unidade detendo-se um pouco mais numa das suas facetas menos vistas, a “Doca 4”. Exactamente por ser menos vista mas também por ser um elemento atípico uma unidade operacional. Singularidades nacionais mas que neste caso em concreto ainda bem que assim é. Veremos porquê.
Modernidade
A primeira imagem que se fica ao chegar à Base Aérea N.º5 é de modernidade. A tradicional porta-de-armas que recebe quem chega a uma unidade militar marca não só pela sua arquitectura como pelo pessoal que nela presta serviço. Quem nos recebe, a Policia Aérea, fá-lo com competência e correcção. No ponto certo, nem simpatia em excesso nem desleixo.
Logo ali, o novo monumento, também contribui para esta imagem inicial. O F-16A está “agarrado” ao solo com um engenhoso processo dando uma interessante imagem de potência e velocidade. Com alguma imaginação de quem observa, claro!
Toda a unidade está num excelente estado de conservação e prossegue a melhoria das instalações quer as dedicadas a aspectos administrativos e logísticos quer as operacionais. Um exemplo, entre outros nesta última área, está em acabamento uma “placa de desarmamento” que permitirá aos aviões que aterram armados fazer o seu desarmamento com a segurança adequada.
Também em estado de acabamento, embora aqui a infra-estrutura não seja de uso directo da unidade, um novo local onde os jovens irão frequentar o “Dia da Defesa Nacional”, na região Centro do país. Acontece que a decisão governamental de alargar a participação neste dia aos cidadãos do sexo feminino, levará à duplicação do número global de pessoas envolvidas neste “serviço militar de algumas horas”, com a consequente necessidade de alargar o número destes locais.
Dia de trabalho normal
Esta visita decorreu num dia normalíssimo de trabalho da unidade, sem qualquer preparação prévia. Assistimos ao que estava em curso e é isso que muito sinteticamente relatamos tentando dar uma imagem dessa rotina que anda à volta de três eixos: actividade aérea, manutenção e “Doca 4”. E, claro, o que muitas vezes é esquecido, a administração e logística que permite que tudo isto funcione.
Como é de bom-tom em qualquer unidade militar começamos por cumprimentar o comandante. Ficamos sem dúvida sensibilizados com as palavras de boas-vindas do coronel PILAV Nunes Borrego, agradecemos a visita, e, sem mais demoras seguimos de imediato para as pistas. Ali assistimos a algumas descolagens de F-16A e F16AB para voos de treino entre as quais o espectacular 15115; passamos pelo “banco de ensaios” onde um F-16 saído da manutenção se aprestava para ver o seu motor testado; demoramos mais um pouco nas operações dos “Falcões”, pediram-se esclarecimentos e, já fora da área classificada, “atacamos” o merchandising da 201! Pode parecer estranho a quem não conheça o meio militar mas o modo como este assunto da divulgação é ali tratado – e também na unidade como constatamos depois – diz muito do espírito reinante e da confiança depositada nos diversos escalões da hierarquia.
Seguimos para os “Jaguares” onde apesar de já ser hora de almoço e de parte do efectivo estar na Dinamarca num exercício multinacional, ainda tivemos oportunidade de ver as instalações.
Seguiram-se mais algumas “passagens obrigatórias”, como por exemplo: hangares QRA (Quick Reaction Alert), onde 24horas sobre 24horas, 365 dias por ano, 2 F-16 estão prontos a descolar para missões de intercepção em território nacional com um tempo de descolagem muito curto; secção de armamento (aqui lamentamos mas não é autorizado tirar fotografias, lembra-nos um dos militares de serviço não fosse-mos nós “esquecermo-nos” da placa que ali está bem visível).
Ainda tempo para assistir ao regresso às respectivas placas do “15115” e do “15119”, o seu reabastecimento e a ensaios num “Bomb and Rocket Dispenser” que estava montado num “MLU”.
Depois de almoço passamos pela Manutenção e por fim a “Doca 4”. Os leitores interessados em saber detalhes técnicos sobre este programa de modernização das esquadras de F-16 podem consultar alguns dos excelentes artigos sobre a matéria publicados na revista “Mais Alto” da Força Aérea Portuguesa.
De assinalar ainda que fruto das circunstâncias esta unidade está também a converter os motores F100-PW-100 e F-100-PW-200 da Pratt & Whitney, no motor F100-PW-220E.
Doca 4
A “Doca 4”, em boa hora instalada na Base Aérea n.º 5, veio dar um impulso determinante na prossecução da modernização da frota F-16 da Força Aérea. Muitos que nos lêem ainda se lembrarão dos sucessivos atrasos que a transformação dos F-16 adquiridos ao abrigo do programa “Peace Atlantis II” sofreram. Assinada a aquisição aos EUA em 1998, o processo de modernização foi em 2002 entregue pelo Ministério da Defesa de Portugal às Oficinas Gerais de Manutenção Aeronáutica, em condições muito discutíveis (… por ajuste directo sem consultas e com dispensa de contrato escrito ) e que mereceram inclusive reparos do Tribunal de Contas (ver relatório 51/06 que é público). Sendo certo que os atrasos se sucederam, o assunto – como muitos sobre temática de Defesa – embora fosse do conhecimento do “público interessado” nunca foi muito falado. Como é habitual os organismos oficiais não têm essa prática até para proteger, na melhor das hipóteses, o interesse nacional, e na pior, algumas responsabilidades.
Como não se pretende averiguar aqui seja o que for, deixamos apenas a transcrição de dois parágrafos do referido relatório de auditoria para se ter uma noção a importância que veio a ter a “Doca 4” para o andamento do programa. O que realmente estava (e está!) em causa era alcançar afinal a finalidade última destes enormes investimentos que o país faz: o aumento da capacidade operacional da Força Aérea e consequentemente das Forças Armadas no seu conjunto.
“…A primeira aeronave modificada foi oficialmente entregue à Força Aérea Portuguesa em Setembro de 2003. Até Junho de 2006 foram entregues 6 aeronaves (1 em 2003, 3 em 2004 e 2 em 2005) com significativo atraso relativamente ao calendário previsto (ainda que este tenha sido sujeito a sucessivos acertos diferindo-se no tempo a conclusão das entradas em serviço das aeronaves).
A conclusão das restantes 14 aeronaves estava prevista para Dezembro de 2006, o que não ocorreu com alegação de múltiplos problemas técnicos e de insuficiência do quantitativo de mão-de-obra afectado pela OGMA à realização dos trabalhos, com progressiva assunção de adicionais pela Força Aérea, nas suas instalações ou por recurso, mais intenso, a fornecedores externos…”
Perante um quadro que se arrastava e que comprometia mesmo o programa, a Força Aérea decide criar em Monte Real a “Doca 4” com a seguinte missão (até então feita nas OGMA): Proceder à fase final da modificação, instalação de equipamentos, testes e voo de experiência, e à entrega das aeronaves. Note-se que depois de terminado o trabalho em Monte Real os F-16 ainda vão às OGMA para serem pintados!
A “Doca 4” é composta por 4 Células. Na Célula 1 faz-se a recepção da aeronave, a abertura do trem, instalação das asas e superfícies estabilizadoras.
Na Célula 2, preparação da aeronave para poder “receber” electricidade; montagem e teste de equipamentos eléctricos, aviónicos e comunicações; instalação de software; teste ao sistema hidráulico; montagem do canhão e testes ao sistema de aviónicos/armamento.
Na Célula 3, testes completos ao sistema de combustível; pressurização do sistema e detecção/reparação de fugas
Na Célula 4, montagem e verificação do sistema de climatização e oxigénio; montagem e teste do motor da aeronave; montagem das cadeiras de ejecção da canopy; testes finais completos à aeronave; execução de voo de ensaio; entrega da aeronave às OGMA para a pintura final.
Resumidamente o “circuito” que as aeronaves fazem na Doca 4, a qual fisicamente se encontra distribuída por dois hangares, é o seguinte: Célula 1 “Assembly”; Célula 2 “Operational Checks”; Célula 3 “Fuel Systems”; Célula 4 “Prepare for flight” e seguem para a pintura nas OGMA.
Ponto da situação
Actualmente a Força Aérea prevê gastar entre 90 a 100 dias para preparar cada aeronave (nas OGMA este tempo mais que duplicava!), e não está a haver atrasos nas entregas. Este ano foram entregues os 15104, 15125 (iniciados ambos em 2008), 15101 e 15129. Até ao final do ano deverão ser entregues, o 15110 e o 15114. A título de curiosidade note-se que o 15125 esteve na “Doca” apenas 83 dias. Ou seja, em 2009 serão entregues 6 F-16MLU. Assinale-se que este número, 6 por ano, era exactamente o compromisso assinado pelas OGMA com a Força Aérea em 2004! E este foi o número que o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea determinou fosse alcançado.
Em 31 de Maio a Base Aérea N.º 5 dispunha de 12 F16A/B (OCU) e de 14 F16 AM/BM (MLU). Agora em Setembro mais 2 MLU tinham sido terminados. Se tudo decorrer sem imprevistos o que a FAP espera, é ter 30 aeronaves MLU em 2012, equipando apenas com esta aeronave “Falcões” e “Jaguares”.
Do ponto de vista operacional muito mais haveria para dizer sobre este vector da Força Aérea. Das missões expedicionárias reais já cumpridas aos exercícios multinacionais, da preparação de um destacamento (6 aeronaves) para a Força de Reacção Rápida à vigilância do espaço aéreo português e a algumas das suas intervenções. Ficará certamente para outra altura.
Até breve!
Uma palavra de agradecimento renovada ao Coronel PILAV Nunes Borrego e a todos os militares e civis da Base Aérea n.º5 com os quais contactamos – e foram muitos – e que se sujeitaram com paciência às nossas questões. Ao Tenente-Coronel Joaquim Pereira, um operacional de outras aventuras, sempre igual a si próprio, um grande abraço.
Miguel Machado é
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