UM DIA EM VISEU COM A “INFANTARIA DA BEIRA” (I)
Por Miguel Machado • 14 Jun , 2010 • Categoria: 03. REPORTAGEM
Uma das grandes unidades onde é mais visível o processo da chamada “Transformação do Exército” é na Brigada de Intervenção (BrigInt), com significativas alterações organizacionais e novos equipamentos. Unidade de manobra desta brigada, o 2º Batalhão de Infantaria (2ºBI), aquartelado em Viseu no Regimento de Infantaria n.º 14 – a “Infantaria das Beiras” – recebeu o “Operacional” e mostrou a sua realidade actual.

A "Pandur" é muito importante mas o infante vai ter quase e sempre que desembarcar para combater cara-a-cara com o inimigo
Viseu, unidade de preferência!
A designação “Infantaria das Beiras” tem uma origem de séculos mas também uma significativa actualidade. Remonta esta expressão ao período posterior à Restauração de 1640 quando a defesa da fronteira das Beiras, era feita por Terços recrutados na região de Viseu, Guarda e Castelo Branco. Passados mais de três séculos, já depois das grandes mobilizações para o Ultramar e também dos tempos do “Serviço Efectivo Normal” – última designação dada ao Serviço Militar Obrigatório – que levaram muitos jovens a cumprir parte das suas obrigações militares em Viseu, longe das suas regiões de origem, nota-se agora, em tempo de “profissionalização”, que a maioria esmagadora dos militares que prestam serviço no 2º BI/BrigInt são mesmo beirões. João Godinho, 46 anos de idade, 27 de serviço, tenente-coronel de infantaria e comandante do 2ºBI há quase dois anos, é bem claro: “Nos distritos de Viseu e da Guarda residem 71% dos militares do batalhão e mais de 76% do total têm aqui no RI 14 a sua guarnição militar de preferência. Ou seja, estão aqui porque querem! Seguem-se distritos relativamente perto, Coimbra, Porto e Aveiro, isto é, a designação Infantaria das Beiras, aplica-se mesmo.”
Esta é uma realidade que pode muito bem estar a contribuir para reforçar um novo e bem positivo “espírito regimental”. Nestas unidades que em tempos o epíteto de “regimento de província” tinha um cariz entre o negativo e o condescendente, hoje, a passos largos, ganha um estatuto de imprescindível. Têm voluntários, há muitos militares da região em outras unidades que aguardam a sua vez para ali serem colocados, cumprem um cada vez maior espectro de missões, dentro e fora do território nacional, estão a ser dotadas de novos equipamentos/armamentos e são claramente acarinhados e respeitados pela comunidade civil envolvente na qual estão muito bem inseridos.
Posto isto, a evolução que se verifica parece-nos sem dúvida positiva, mas atente-se que nem tudo “são rosas”! Este é um caminho que foi iniciado e está a ser percorrido. Mesmo sem terem entrado em detalhes, percebe-se que em Viseu o preenchimento dos quadros orgânicos do 2ºBI – aprovado há menos de 1 ano, em Agosto de 2009 – ainda está a certa distância do desejado, a adaptação das instalações está em curso, é bem visível, mas não terminada, e a recepção de número importante de determinados armamentos e equipamentos, estará ainda dependente de factores externos ao próprio Exército. A doutrina de emprego das “unidades Pandur” está parcialmente elaborada e a ser testada.
Quem não está muito familiarizado com a “coisa militar” pode julgar que a publicação de um novo decreto-lei e aprovação de quadros orgânicos equivale a ter uma unidade pronta para combate no imediato. Nada mais falso! Isto são processos que necessitam de tempo e de constantes “afinações”. O Exército, depois de 2006, tem vindo a reavaliar regularmente o produto da legislação publicada e a ajustá-la de acordo com a experiência vinda “do terreno”. O mesmo se passa em Viseu.
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O programa Pandur no Exército é um factor de mudança em muitos aspectos, dos tácticos aos logísticos, aumentando capacidades mas exigindo também competências acrescidas.
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Deslocamento administrativo (faróis acessos) para a área de exercício. A circulação na via pública é frequente e...cuidadosa.
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Em deslocações sem necessidade de vigilância/segurança, os militares da Secção de Atiradores vão sentados, usam capacete e cintos de segurança ajustados.
VBR 8X8 Pandur II, factor da mudança
A recepção das novas viaturas blindadas de rodas está a ser o motor das grandes alterações que se verificam no 2ºBI e, em certos aspectos no RI 14. A vários níveis, dos quais seleccionamos quatro já concretizados que nos pareceram importantes, senão os principais.
– Uma grande área do quartel, a sua ala Sul, sofreu importantes melhoramentos: novo edifício para comando e estado-maior do 2ºBI; remodelação completa do parque oficinal adaptando-o às necessidades da Pandur; novas rampas de lavagem e parque de viaturas. Sem estas infra-estruturas não seria possível manter e tirar partido dos novos meios;
– Especialização técnica neste sistema de armas em curso para condutores e quadros e táctica para a totalidade do pessoal, garantindo competências e capacidades que não eram habituais nestas unidades “generalistas”. O batalhão tem cerca de um terço do pessoal existente especializado em Pandur II, o que se enquadra no número de viaturas realmente à “sua carga” (26 das 69 prevista em Quadro Orgânico);
– Alteração completa do processo de manutenção para as novas viaturas e um grau de controlo, exigência e rigor adaptado às novas tecnologias. O cuidado com o novo material é extremo. Todas as anomalias detectadas são inseridas no sistema informático de manutenção e as equipas de contacto da Companhia de Manutenção da BrigInt ou das firmas civis envolvidas (Fabrequipa e Steyr), deslocam-se amiúde à unidade;
– Criação da “cultura de blindados”, indispensável ao bom funcionamento de uma unidade que tem viaturas deste tipo em quantidade e tecnologia nunca experimentada. Sem esquecer que o infante vai ter quase e sempre que desembarcar para combater, é indispensável criar este “apego ao carro” característico das unidades de cavalaria porque sem isto muitos problemas surgiriam.
Sendo certo que tudo parece girar à volta da Pandur também é certo que o comandante de batalhão está atento a “princípios básicos” do infante que prometem não deixar esta rapaziada acomodar-se! “Este ano o treino operacional a nível de secção, por exemplo, teve como foco principal as patrulhas, apeadas, de reconhecimento e de combate, libertando-nos um bocado da viatura nesta fase“, refere o tenente-coronel João Godinho, oficial que fez parte da sua carreira em Lamego nas Operações Especiais.
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O apontador da 12,7mm é o militar mais exposto da viatura, quer às intempéries quer ao fogo inimigo. Note-se no posto do condutor, à sua esquerda, o monitor destacável, para a condução com a escotilha aberta.

O compartimento de transporte e uma Secção de Atiradores, composta por 1 sargento e 7 praças. Quando desembarcam permanecem na viatura o condutor a apontador 12,7mm.
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O metralhadora ligeira da secção embarcada (HK-21) cobre habitualmente o sector virado à retaguarda da viatura.
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As 26 Pandur do 2º BI/BrigInt têm milhares de quilómetros percorridos em exercícios por várias regiões do país.
Organização
O 2ºBI/BrigInt tem como acima referimos um QO aprovado e, como todas as outras unidades do Exército, é-lhe definido superiormente em função dos interesses e/ou possibilidades do ramo o seu grau de activação. Estes números do QO são importantes porque apontam o caminho que se segue, nomeadamente a nível dos armamentos que deverão ser recepcionados e, no respeitante ao pessoal, pode muito bem ser que, por exemplo para uma missão expedicionária, seja determinado o preenchimento das faltas. No entanto no âmbito desta reportagem não vamos verter aqui números de pessoas e equipamentos “em ordem de batalha” ou de órgãos do batalhão não activados, e daremos destaque ao que existe de facto e ao que está previsto realmente chegar a Viseu. Acresce como é sabido que muitas missões no estrangeiro obrigam a uma reconfiguração das unidades em função da operação em causa.
O 2ºBI está assim hoje organizado em Comando e Estado-maior, Companhia de Comando e Serviços, 2 Companhias de Atiradores e Companhia de Apoio de Combate. As Companhias de Atiradores estão com composição igual, ou seja, comando e apenas 2 Pelotões de Atiradores. A CAC dispõe de comando, Pelotão de Reconhecimento, Pelotão de Morteiros Pesados e Pelotão Anti-Carro.
Os Pelotões de Atiradores dispõem – de facto – de 4 VBR 8X8 TP Pandur II 12,7mm cada um. O batalhão neste momento apenas tem esta versão da Pandur, distribuídas também pela Companhia de Apoio de Combate. Deverá receber: 2 posto de comando, 3 ambulância, 8 canhão 30mm, 4 míssil anti-carro (TOW, que substituirá os Milan existentes), 8 porta-morteiros 120mm (que substituirá os actuais 120mm rebocados) e 2 de recuperação.

Terreno muito arborizado como este, é uma das situações que pode obrigar os atiradores a progredirem a pé.

A técnica individual de combate e o treino táctico das secções e pelotões vem aqui novamente ao de cima. O reconhecimento/assalto ao objectivo fez-se apeado.
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A 12,7mm da viatura apoia a secção desembarcada. Aqui é bem evidente a necessidade de protecção do apontador da Pandur.
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A viatura dispõe de 8 lança-potes de fumo de 76 mm que podem servir, por exemplo, para cobrir uma retirada.
Novas missões
As unidades da BrigInt (e das suas antecessoras) têm vindo a sofrer uma evolução muito interessante. Longe vão os tempos em que a decisão do General Martins Barrento, CEME em 1998, de empenhar um dos seus batalhões no estrangeiro causou admiração e incertezas. Mas a então Brigada Ligeira de Intervenção (BLI) aprontou a força (por sinal a primeira em que infantaria e cavalaria actuaram em conjunto), e cumpriu a missão na Bósnia. Em 2000, também na Bósnia, voltou a inovar ao aprontar e empenhar uma força conjunta com os Fuzileiros da Marinha; no mesmo ano rumou igualmente Kosovo e em 2001 partiu para Timor. Seguiram-se mais missões na Bósnia em 2002 e no Kosovo em 2005 e 2007/2008.
Com a aprovação do Conceito Estratégico Militar que está em vigor, a definição do que se esperava duma designada “Capacidade de Intervenção” do Sistema de Forças e a inclusão do “programa Pandur” na Lei de Programação Militar, a BrigInt iniciou uma nova fase a que correspondem novas missões de acordo com as capacidades da sua nova organização – regulamentada entre 2006 e 2009 – e meios. A partir de 2007 a brigada foi “direccionada” para poder assumir missões no âmbito de um “Battle Group” da EUROFOR, facto que está na iminência de ocorrer.
No respeitante ao 2º BI e embora não esteja posto de parte algum envolvimento nesta “missão EUROFOR” – a qual caberá sobretudo a outras unidades da Brigada – pode muito bem ser que o destino de parte substancial do batalhão seja uma nova missão expedicionária no Kosovo.
O 2º BI treina de acordo com o que foi definido ser a “capacidade de intervenção”. Deverá estar pronto para desempenhar toda a tipologia de operações em todo o espectro das operações militares! Entre outras o 2ªBI/BrigInt deve estar apto a participar em: operações de resposta a crises (Crisis Response Operations); operações de combate ao terrorismo e de contra-insurreição; projectos de cooperação técnico-militar, no âmbito da sua tipologia de força, conforme definido superiormente.
Pode ser, por exemplo, uma força de projecção inicial em situações de conflito média/alta intensidade e em CRO. Em condições normais deverá actuar – como tem acontecido em exercícios – como unidade de “Armas Combinadas” recebendo subunidades de auto-metralhadoras e, por exemplo, equipas de snipers das Forças de Operações Especiais.
Tem naturalmente limitações que devem ser levadas em conta na atribuição de missões e planeamento das operações, nomeadamente a natureza do terreno se for impeditivo para unidades “montadas”, as necessidades de transporte para projecção estratégica, a reduzida capacidade de comando e controlo quando “desmontados” e o grande consumo de combustíveis, lubrificantes e sobressalentes.

Criadas em 2001 as "Armas" do 2ºBI/BrigInt, tiveram em atenção a missão do batalhão nesse ano: "o Galo que em Timor é símbolo da luta leal e da amizade alude à confiança com que o 2º Batalhão de Infantaria anunciará aos timorenses a alvorada da reconstrução nacional."
Veja a conclusão deste artigo em: UM DIA EM VISEU COM A “INFANTARIA DA BEIRA”» (II)
Em «UM DIA EM VISEU COM A “INFANTARIA DA BEIRA”» (II) leia: Doutrina de Emprego; Transmissões e Simuladores; Manutenção; Conclusão; “Viriatos”
Em «A NOVA “INFANTARIA BLINDADA”, veja o vídeo com a Pandur II em acção.
Em «A VBR 8X8 TP Pandur II DO EXÉRCITO PORTUGUÊS», veja detalhes técnicos das viaturas, imagens panorâmicas e detalhes organizacionais.
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