“TRIDENT JUNCTURE 2015”, A BATALHA DA COMUNICAÇÃO
Por Miguel Machado • 23 Nov , 2015 • Categoria: 02. OPINIÃO, 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintTerminado o exercício Trident Juncture 2015 (TJ 15), deixamos aos nossos leitores algumas curtas reflexões que nos parecem pertinentes e publicamos uma foto-reportagem executada na demonstração final que teve lugar em Portugal. O que fica afinal deste exercício que ocupou espaço considerável na imprensa e entrou em força nas redes sociais?
Esta reportagem fotográfica do Mário Diniz, a quem agradecemos mas não comprometemos com as nossas opiniões, foi mesmo o ponto de partida para este “pensar em voz alta” que aqui trazemos. Nas suas palavras, raramente ou nunca lhe foram criadas tantas condições para fazer uma reportagem semelhante em Portugal e, sem haver nas imagens muito material que se possa dizer seja o “último grito” (talvez a excepção seja o Lynx Wildcat), mesmo assim, parece evidente que as capacidades militares dos aliados não são exactamente as mesmas que as nossas. Esta é aliás, goste-se ou não, uma realidade que transparece por exemplo nas excelentes reportagens que os Combat Camera Team(*) da Aliança realizaram em vários locais durante o exercício. Quando nos aproximamos, notamos bem que o equipamento e armamento individual à nossa disposição está, em grande parte, com mais de uma década de atraso ao que é normal nos exércitos modernos. Temos sem dúvida “nichos” relativamente bem equipados e armados, na Marinha, Exército e Força Aérea, mas…não chega. É um caminho, o reequipamento, bem o sabemos, as Leis de Programação Militar ficam sempre “a meio”, mas se tivermos que empenhar grandes efectivos num curto espaço de tempo, as faltas serão evidentes e poderão ter consequências.
O que fica afinal deste exercício que ocupou espaço considerável nos OCS nacionais e entrou em força nas redes sociais?
– Desde o inicio a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) disse ao que vinha: fazer um exercício de “grande visibilidade”. Na realidade como nunca em Portugal, assistiu-se por parte das Forças Armadas a um enorme esforço de divulgação dos eventos relacionados com o TJ 15. Isto não retira naturalmente qualquer mérito a todo o trabalho feito entre nós (antes pelo contrário, foi um trabalho adicional que não é habitual), e foi enorme, para acolher e permitir a realização do exercício no nosso país, o que envolveu uns milhares de militares estrangeiros, e transportou para território nacional uma panóplia de equipamentos militares que não são habituais entre nós. Referimo-nos a meios navais, aéreos e terrestres que não fazem parte das capacidades militares nacionais (só para dar três exemplos mais visíveis: o navio de assalto anfíbio e respectivas lanchas de desembarque; pontes de campanha para carros de combate Leopard; aeronaves “tiltrotor”), algumas das quais bem necessitávamos outras nem por isso.
– Tratou-se de um exercício preparado com grande antecedência e para o qual até foi publicado um Despacho do Primeiro-ministro (n.º 5472/2015 de 5 de Maio) facto também inédito entre nós. Este despacho definia os objectivos da participação nacional, a responsabilidade na coordenação do Ministério da Defesa Nacional em relação aos outros ministérios e departamentos do Estado envolvidos, nomeadamente a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna. O exercício teve, e isso talvez tenha escapado a alguns, uma parte real – por exemplo relativa com a segurança das forças empenhadas – que envolveu mesmo os serviços de informações e naturalmente as Forças de Segurança.
Os ramos das forças armadas, além de colaborarem na preparação do TJ 15 com os órgãos competentes do EMGFA, nomeadamente o Comando Conjunto para as Operações Militares, e da OTAN, fizeram a sua própria preparação, por exemplo através da sua actividade de treino operacional.
– Em linhas gerais, ultrapassando o planeamento e preparação, que demoraram meses, quando as tropas estrangeiras já estavam em Portugal, o exercício pode ser dividido em duas fases: uma de “treino cruzado” entre as forças dos diversos países para se conhecerem melhor, quer as pessoas quer os equipamentos e procedimentos; o exercício propriamente dito que simulou uma operação militar de alguma complexidade e envolveu, acções no mar, em terra e no ar e operações especiais. Na primeira fase algumas forças estrangeiras envolvidas aproveitaram para fazer acções no âmbito da cooperação civil-militar, parte delas, no nosso entender de discutível “gosto”, como por exemplo dar consultas médicas a determinados grupos populacionais e enfeitar uma ponte com dezenas senão centenas de bandeiras do seu país…
– Ao contrário do que tem sido habitual nos raros exercícios envolvendo os três ramos das Forças Armadas, houve como já referimos um fortíssimo empenho nas actividades de informação pública, a nível nacional centrado no Gabinete do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (GabCEMGFA), que terá coordenado com os serviços correspondentes da OTAN e os dos ramos das Forças Armadas Portuguesas, montando um sistema (nunca visto entre nós neste formato) semelhante ao que a Aliança utiliza nas operações reais para acreditar/controlar os jornalistas. De assinalar que as acções de informação pública da Aliança em Portugal foram muito significativas e incluíram, por um lado o trabalho de equipas de audiovisuais estrangeiras (Combat Camera Team – CCT) com acesso ilimitado às unidades empenhadas e por outro a “injecção” do produto desse trabalho na opinião pública quer através das redes sociais e sites próprios, quer mesmo através do trabalho privado (empresa de comunicação) para disponibilizar esse mesmo material aos OCS tradicionais. Assim foi possível ver muitas dessas imagens/filmes em sites dos órgãos de comunicação social portugueses sem mesmo os seus jornalistas terem ido ao terreno; as principais acções de relações públicas foram centradas em demonstrações para as quais os OCS eram convidados e onde lhes eram fornecidas condições de acesso aos meios e pessoas envolvidas. A este nível as coisas começaram mal com uma actividade que se sabia ser acompanhada por OCS de todo o mundo e na qual se verificou uma situação algo caricata (**) minando a credibilidade dos intervenientes, e terminaram bem com um simulacro de desembarque e outras actividades em meio aquático que correu manifestamente bem para quem assistiu. A distância de Lisboa continua a ser muito difícil de vencer para os grandes OCS nacionais e várias actividades de relevo com as forças terrestres (Santa Margarida, Tancos, Alter do Chão) e aéreas (Beja), já passaram quase despercebidas.
Para este exercício o EMGFA activou células de Relações Públicas com pessoal dos três ramos e da OTAN, instaladas em Tróia (Marinha), Santa Margarida (Exército) e Beja (Força Aérea), tendo estas, entre outras coisas, produzido imagens para as plataformas criadas pela OTAN e também para cedência aos OCS. No fundo colmataram, e algumas com muito trabalho produzido, a falta de CCT nas Forças Armadas Portuguesas.
– No final do TJ 15, as autoridades nacionais anunciaram que em 2016 as forças de reacção da Aliança podem contar com a participação de 1 fragata, 1 batalhão de infantaria mecanizado (rodas) e 6 F-16 das Forças Armadas Portuguesas. Ou seja, mantemos-nos neste vector da OTAN, disponibilizando unidades que podem ser empenhadas em exercícios e operações reais. A título de comparação com o que se passou este ano de 2015 refira-se que Portugal empenhou, de facto, além das Forças Nacionais Destacadas nas operações já em curso do antecedente ou novas(***), uma Companhia de Reconhecimento do Exército na Lituânia durante 4 meses, um Destacamento com 4 F-16 da Força Aérea durante 2 meses na Roménia e a Marinha iniciou o comando da Standing NATO Maritime Group 1 (contra-almirante Silvestre Correia) e empenhou a fragata D. Francisco de Almeida nesta força que realizou exercícios no mar Báltico e no mar Negro além de participar na operação Active Endeavour no Mediterrâneo Oriental. A atribuição de forças às NATO Response Force tem sido uma constante nos últimos anos, a sua certificação segundo os padrões da Aliança contribui sem dúvida para a melhoria da nossa capacidade operacional.
– Não são conhecidos até ao momento mais do que “balanços de circunstância” do TJ 15 (ver comunicado final da NATO no final do artigo), e a nível nacional apenas o CEMGFA numa curta entrevista ao “Diário de Noticias” (09NOV15) fez o seu balanço, sem entrar em grandes detalhes.
Entrevista do CEMGFA, General Pina Monteiro, ao “Diário de Noticias”- Manuel Carlos Freire (transcrevemos a parte que nos parece mais relevante):
DN – Há lições já identificadas?
CEMGFA – Pela primeira vez num exercício desta dimensão o CEMGFA foi autorizado por lei a coordenar com vários ministérios tudo o que era necessário para garantir o apoio como nação hospedeira. Isto foi feito depois de um despacho do primeiro-ministro dizer quais os objectivos a atingir e a forma como se iria processar. Tenho de referir com todo o agrado a forma eficaz como conseguimos a coordenação em todas as áreas e tudo isto no respeito estrito pela legislação nacional que traduz uma afirmação de soberania. O exercício também serviu de teste ao comando conjunto ao reforço dos poderes do CEMGFA. Não teria sido possível planear e conduzir o exercício se não tivéssemos estruturado o comando conjunto das operações militares e com uma articulação essencial aos comandos terrestre aéreo e naval. Esses comandos são indispensáveis e esta estrutura foi pedra angular do planeamento e condução do exercício. Simultaneamente não deixámos de manter a atenção indispensável às Forças Nacionais Destacadas com o acompanhamento diário com as rotações feitas para o Iraque e outras em curso. Nada deixou de ser feito.
DN- Pode dizer-se que a capacidade operacional das Forças Armadas é boa?
CEMGFA – Este exercício demonstrou que não estamos atrás de nenhum país europeu com as capacidades de que dispomos. E em termos de organização fomos altamente elogiados. O exercício custou muito dinheiro mas todos os países que vieram a Portugal pagaram a sua despesa alojamento alimentação comunicações combustíveis aquisições tudo pago. O país disponibiliza infra-estruturas para facilitar a instalação dos aliados diria que para a economia regional foi bom.
Extracto do Despacho do Primeiro-ministro (n.º 5472/2015 de 5 de Maio), com os objectivos da participação de Portugal no exercício:
a) Afirmar o papel de Portugal como parceiro responsável, no quadro de segurança cooperativa, para a defesa permanente dos nossos valores e interesses fundamentais e como coprodutor internacional de segurança;
b) Contribuir para melhorar a capacidade de prevenção e gestão de crises da OTAN e assegurar uma maior capacidade de resposta rápida e projeção de meios;
c) Sedimentar a imagem externa de Portugal e, no âmbito do Fórum da Indústria da OTAN que decorrerá em paralelo ao exercício, promover a internacionalização das empresas nacionais e criar um ambiente favorável à atração dos agentes económicos estrangeiros pelo mercado português;
Comunicado final da OTAN
News Release – NATO: 6 NOV 2015
Trident Juncture 2015 draws to a successful close
Exercise Trident Juncture 2015 drew to a close today, marking the end of the NATO’s largest exercise since 2002. More than 36,000 personnel from more than 30 nations were involved, testing Allied forces’ abilities to work together and with partner nations and organizations to meet a wide range of security challenges.
After visiting a major land-heavy demonstration in Spain on Wednesday, NATO Secretary General Jens Stoltenberg said, “Exercises like this show that NATO stands strong. Trident Juncture shows that NATO’s capabilities are real and ready.” He added, “while our aim is to train and exercise, we are also sending a clear message, to our nations and to any potential adversary. NATO does not seek confrontation, but we stand ready to defend all Allies.”
Trident Juncture also shows that NATO is committed to transparency and predictability, the Secretary General stressed. Observers from member nations of the Organization for Security and Co-operation in Europe and from other nations around the world were invited and visited the exercise.
The live military training element of the exercise, which opened on Oct. 19, included more than 230 units, more than 140 aircraft and more than 60 ships. More than 12 International Organizations, aid agencies and non-governmental organizations, such as the European Union and African Union participated in the exercise, demonstrating NATO’s commitment and contribution to a comprehensive approach. Non-NATO participants included Austria, Australia, Bosnia and Herzegovina, Finland, the Former Yugoslav Republic of Macedonia, Georgia, Sweden and Ukraine. Joint Force Command Brunssum is now officially certified to lead the NATO Response Force, if activated, throughout 2016.
Trident Juncture 2015 took place primarily in Spain, Italy and Portugal. Military demonstrations for distinguished guests and media took place at Trapani Air Base, Italy on Oct. 19 focusing on air forces; at San Gregorio Training Site near Zaragoza, Spain on Nov. 4 focusing on land forces; and in Troia, Portugal on Nov. 5, focusing on sea forces. Domröse said: ”We set out to train forces from many nations so as to improve their interoperability and jointness. We achieved that and demonstrated the forces that will comprise NRF16 are more than ready to respond to any threat.”
___END___
(*) De assinalar que nas Forças Armadas Portuguesas esta valência, já antiga em muitos países, não está organizada apesar de ter havido algumas tentativas. Dos mais activos neste TJ 15 estiveram os canadianos que se descrevem a eles próprios do seguinte modo: « Canadian Forces Combat Camera has been capturing images of Canadian Forces operations since 1990. Deploying at a moments notice to transmit and distribute high quality imagery of our armed forces, CF Combat Camera is a direct link from the front line to the front page.The CF Combat Camera team of highly skilled photographers, public affairs officers and civilian support staff work closely with media organizations to highlight the hard work and dedication of Canadian Forces members in the air, on land and at sea.» Ainda assim, em Portugal, Marinha e Força Aérea divulgam frequentemente material audiovisual captado pelos seus militares e/ou serviços audiovisuais em actividades operacionais.
(**) As principais são: Kosovo (190 militares) e Iraque (33 militares). Com efectivos menos numerosos temos militares no Afeganistão, Mali, Somália e República Centro Africana. Um P-3 CUP+ participa numa missão mensal no Mediterrâneo, um C-295M está empenhado na operação Frontex na Grécia onde a Policia Marítima também empenha uma equipa e uma embarcação.
(***) Viaturas americanas atolaram-se na areia num desembarque, aparentemente mal preparado e com muitos “mirones” por perto, invulgar num exercício, facto logo captado e repetido até à exaustão em televisões de todo o mundo.
Veja aqui o site oficial do Trident Juncture 2015
Leia no Operacional :
“TRIDENT JUNCTURE 2015” – ASPECTOS GERAIS
Miguel Machado é
Email deste autor | Todos os posts de Miguel Machado