TIRO COM MÍSSIL “MILAN”
Por Miguel Machado • 16 Mai , 2013 • Categoria: 03. REPORTAGEM, 07. TECNOLOGIA, EM DESTAQUE PrintRealizou-se no dia 01 de Março de 2013 mais uma sessão de tiro real “Milan” no Campo de Tiro, em Alcochete, no âmbito do Curso de Instrutor deste Sistema Lança Míssil (SLM) ministrado na Escola Prática de Infantaria (EPI), oportunidade para mostrar aos leitores não só esta actividade como para falar um pouco desta arma em Portugal.
Presente na ocasião o sargento-chefe pára-quedista António Milheiro, a quem devemos esta foto-reportagem da sessão de tiro e a quem damos as boas-vindas ao Operacional. Com 51 anos de idade e 31 de serviço, António Milheiro passou a maior parte da sua carreira ligado à área operacional tendo servido na Companhia de Morteiros Pesados, Companhia Anti-Carro e Grupo Operacional Aeroterrestre da Brigada de Pára-quedistas Ligeira do Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea e depois, já no Exército, no Batalhão Operacional Aeroterrestre da Escola de Tropas Pára-quedistas. Possui diversos cursos na área aeroterrestre, nomeadamente Curso de Instrutor de Pará-quedismo, Curso de Precursores, Curso de Saltador Operacional a Grande Altitude; na área das armas de apoio, Curso de Instrutor de Armas de Apoio, Curso de Instrutores de Armas Anticarro; na área das forças especiais, Curso de Reconhecimento, Curso de Instrutor Comando, Curso de Forças Especiais, Curso de Instrutor de Sobrevivência, Fuga e Evasão. Actualmente está colocado no Campo de Tiro da Força Aérea onde desempenha as funções de observador de tiro.
Campo de Tiro – Alcochete.
Foi o culminar de três semanas deste curso ministrado em Mafra na EPI, com o disparo de quatro mísseis e entrega dos respectivos diplomas de curso e insígnias. O curso visa atribuir as competências necessárias ao desempenho das funções de formador de Sistema Míssil “Milan” no Exército Português.
O “Milan”
O nome porque é conhecido advém da sigla francesa de “Missile d’Infanterie Léger Antichar NATO” (Míssil de Infantaria, Ligeiro, Anti-carro NATO), é um sistema anti-carro para médio alcance (2000m), resultante de uma cooperação Franco-Alemã, desenvolvido inicialmente pela empresa francesa Aerospatiale-Matra e a alemã DaimlerChrysler Aerospace, que mais tarde formaram a Euromissile. O projecto iniciou-se em 1962 e o “Milan” entrou ao serviço dez anos depois no exército francês, tendo depois sido um enorme sucesso de exportações. Está em uso em 41 países e foram muitos conflitos nestas últimas 4 décadas onde foi empregue.
O míssil é “filo-guiado” electronicamente por raios infra-vermelhos, quer dizer que ao ser disparado fica ligado ao posto de tiro por um fio que se vai desenrolando e é através desse fio que as “ordens” do apontador o guiam até ao alvo. O militar que o opera tem que manter a mira fixa no alvo até ao impacto. O posto de tiro pode ser equipado com dois tipos de miras térmicas (sobretudo para tiro nocturno), a MIRA e a MILIS III, ambas estudadas neste curso da EPI.
O “Milan” aqui fotografado trata-se em boa verdade do “Milan 2”, arma (posto de tiro e munição) que já foi substituído em vários países pelo “Milan 3”. Este tem várias inovações nomeadamente o facto de não ser filo-guiado, mas sim do tipo “fire and forget”, ou seja o apontador identifica o alvo, dispara, e pode abandonar o local. A limitação deste nosso “Milan” é que as munições não podem ser utilizadas no “Milan 3”, mas as desta versão podem ainda ser utilizadas nos postos de tiro mais antigos.
O “Milan” caracteriza-se pela sua grande facilidade de transporte, rápida entrada em posição, de pontaria fácil graças ao sistema de infravermelhos e elevada capacidade de neutralização de blindados (isto aqui dependendo naturalmente da munição empregue) e abrigos fortificados. Configurado para equipar pequenas unidades de infantaria, pode ser utilizado no terreno ou montado em veículos tácticos e lançado em pára-quedas nos seus próprios contentores, o que também em Portugal se fez e faz.
Hoje a versão mais recente deste míssil o, “Milan ER” (alcance até aos 3.000m) continua a ser produzido pela MBDA, firma resultante da junção dos principais produtores de mísseis de França, Reino Unido, Itália e Alemanha. Em Portugal nada se sabe sobre a substituição dos “Milan” e não é provável que esse processo avance nos tempos mais próximos.
Um pouco de história do “Milan” em Portugal
Companhia Anti-Carro do Corpo de Tropas Pára-quedistas
Em Portugal o sistema “Milan” entrou ao serviço em 1982 tendo em vista equipar uma das sub-unidades da Brigada de Pára-quedistas Ligeira (BRIPARAS) do Corpo de Tropas Pára-quedistas (CTP) da Força Aérea, a Companhia Anti-Carro (CACar), sediada na Base Operacional de Tropas Pára-quedistas Nº 1, em Monsanto / Lisboa. Esta companhia independente, uma das três da BRIPARAS (as outras eram a Companhia de Morteiros Pesados e a Companhia de Comunicações), foi oficialmente criada em 2 de Junho de 1982, e por esta altura recebeu os primeiros 4 postos de tiro, um simulador e um aparelho de testes para manutenção de 2.º escalão.
Em termos de pessoal, três “pioneiros”, os Capitães Melo de Carvalho e Morais Caldas e o Primeiro-Sargento João Frade, todos pára-quedistas, frequentaram em França (na Aerospaciale) a formação teórica – e simulador de tiro – no início deste ano de 1982 e logo no dia 26 de Fevereiro do mesmo ano, no Campo Militar de Santa Margarida, estes militares efectuam três disparos reais de mísseis, os primeiros em Portugal, ainda incluído no curso.
A CACar cresceu e em poucos anos já dispunha de 18 postos de tiro, 6 para cada pelotão. Embora pudesse actuar de modo autónomo a companhia era muitas vezes empregue em exercícios empenhando cada um destes pelotões em apoio de cada um dos 3 Batalhões de Pára-quedistas da BRIPARAS.
Desde cedo a CACar levou a cabo a observação do que era a doutrina e a prática nesta área em países amigos, nomeadamente na República Federal da Alemanha, Bélgica e Espanha (**) e iniciou a participação em exercícios em Portugal como o “Chaparral” em Santa Margarida ou o “Júpiter” em Sines / Odemira, ambos ainda em 1982 ou os “Marofa”, “Vouga”, “Coa”, em anos seguintes, e assim continuou seguindo um ciclo anual de treino operacional, entre outros, com exercícios de nível companhia (série “Lince”) e de brigada (série “Júpiter” e depois “Orion”). Em simultâneo participava nas então cooperações internacionais do CTP, integrando pelotões seus nas companhias dos batalhões de pára-quedistas que se deslocavam a Itália, Espanha, Alemanha e Bélgica. Além da intensa actividade de treino operacional a companhia não escapava às missões típicas das unidades pára-quedistas em Lisboa, como as protocolares e de segurança. Em 1988 um marco histórico em Portugal nesta área anti-carro, pela primeira vez são efectuados dois disparos simultâneos na modalidade de tiro cruzado (os postos de tiro, um em UMM e outro no solo) em pontos que obrigaram as trajectórias dos mísseis a cruzarem-se) contra alvos situados a cerca de 1.200m e…com sucesso. Em 1989 a CACar integrou o Batalhão de Intervenção Rápida da BOTP 1, o qual apesar de ainda ter feito vários exercícios tácticos, sempre com inicio por salto em pára-quedas, acabou por ter uma vida curta fruto da reorganização territorial do CTP de 1991. Quadros da companhia participaram em várias edições do exercício multinacional de Patrulhas de Reconhecimento de Longo Raio de Acção, na Alemanha e Bélgica, o “Schinderhannes”, vencido pelos pára-quedistas portugueses em 3 edições (1988, 1989 e 1990).
Com a reorganização do CTP nos anos 90 e o encerramento da sua “casa-mãe”, a Base Operacional de Tropas Pára-quedistas N.º1 em Monsanto/Lisboa, a CACar rumou a S. Jacinto/Aveiro em Abril de 1991, ficando aquartelada na Base Operacional de Tropas Pára-quedistas N.º 2. Em 1993 fruto das alterações no tempo de serviço militar a CACar inicia um novo ciclo integrando apenas militares profissionais e contratados garantindo uma permanência temporal na companhia o mais alargada possível dada a sua especialização.
Em 1994 dá-se a transferência para o Exército e a CACar mantêm-se na Brigada Aerotransportada Independente (BAI) na mesma unidade, designada Área Militar de S. Jacinto e hoje Regimento de Infantaria n.º 10. A CACar ali permaneceu e manteve a sua actividade de instrução e de treino operacional (com participação em exercícios dos vários escalões e mesmo NATO como o “Strong Resolve 98”), continuou cooperações internacionais, (por exemplo na Alemanha, exercícios série “Oldenbourg”), embora estas tenham decrescido neste período. É nesta época que se recebem as miras térmicas e se intensifica a instrução vocacionada para as missões de paz o que também inclui naturalmente a CACar. É o período em que a participação nas missões expedicionárias ocupa parte importante do efectivo, seja a ministrar instrução aos que partem seja a empenhar efectivos no estrangeiro. Em breve o “Milan” iria passar para os batalhões de infantaria pára-quedista, no entanto a CACar ainda integrou uma Força Tarefa «Grifo», criada em 2002, constituída como força inicial de projecção da BAI.
Ao longo dos anos a companhia usou primeiro os “Willys CJ3” (do Pelotão Anti-Carro da Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Pára-quedistas n.º 11, que os usava com canhão S/R 10,6); depois os UMM Cournil, UMM Alter e finalmente os Toyota Land Cruiser. Ao longo dos anos houve tentativas para dotar a companhia de outras viaturas como as pequenas “mulas mecânicas” ou as “Panhard M11”, mas nunca se concretizou. As FAV das Tropas Pára-quedistas chegaram a ser equipadas com este sistema “Milan” para uso em missões especiais.
Com a emergência das missões de paz em 1996 e a atribuição de sistemas “Milan” e pessoal da companhia aos batalhões de infantaria pára-quedista, começou a ser previsível uma outra modalidade de emprego destas armas, o que de facto veio a acontecer em 2004 no âmbito da então chamada “Transformação do Exército” que ditou o fim da companhia. A sua memória histórica é mais uma das que povoaram S. Jacinto desde 1918 e é relembrada no Espaço Memória da unidade.
O “Milan” no Exército Português e no Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa
O Exército Português também adoptou o “Milan” a partir de meados dos anos 80 para o destinar às unidades que não pertenciam à Brigada Mista Independente (depois Brigada Mecanizada Independente e hoje Brigada Mecanizada, grande unidade que usa o sistema americano TOW). Ainda assim, forças expedicionárias desta brigada – e das outras – usaram-no e usam nas missões como Forças Nacionais Destacadas, uma vez que é este o sistema míssil anti-carro que Portugal usou na Bósnia, Kosovo e Afeganistão (aqui também usou o TOW).
O Corpo de Fuzileiros adquiriu este sistema de armas em 1996 o qual está ao serviço no Pelotão Anti-Carro da Companhia de Apoio de Fogos, e fez tiro real pela primeira vez em 1999 no Campo Militar de Santa Margarida.
Os “Milan” no Exército foram distribuídos maioritariamente aos Regimentos de Infantaria e de Cavalaria da Brigada Ligeira de Intervenção, hoje Brigada de Intervenção.
A partir de 2004 (com a extinção da CACar), os Batalhões de Infantaria Pára-quedista da Brigada de Reacção Rápida também o receberam e usam-no nos seus Pelotões Anti-Carro da Companhia de Comando e Apoio e nas Secções Anti-Carro das Companhias de Pára-quedistas. Se a isto juntarmos canhões s/r “Carl Gustav” (por sinal também introduzidos nos pára-quedistas em 1982), para as curtas distâncias, note-se que estes batalhões têm uma forte componente anti-carro.
O Esquadrão de Reconhecimento da Brigada de Reacção Rápida (BrigRR) também o tem distribuído.
(**) Várias brigadas pára-quedistas na Europa tinham sub-unidades especializadas na luta anti-carro, então uma enorme ameaça num conflito com o Pacto de Varsóvia. O uso pelos pára-quedistas do Reino Unido dos “Milan” no conflito das Falkland (contra posições fixas e não viaturas) também foi alvo de estudo e interesse pela nossa CACar, e introduzida na formação ministrada.
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