SOBRE TERRA E SOBRE O MAR, OS UAV DA FORÇA AÉREA
Por Miguel Machado • 30 Jul , 2012 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintO Projecto de Investigação e Tecnologia em Veículos Aéreos Não Tripulados da Força Aérea Portuguesa (PITVANT) continua a evoluir, a desenvolver capacidades e a testar, sobre a terra e sobre o mar, aquilo que os investigadores, militares e civis, vão criando em laboratório.
O “Operacional” esteve em Santa Cruz/Torres Vedras – o aeródromo mais ocidental da Europa continental – para ver a evolução deste projecto que está agora a desenvolver as capacidades dos seus UAV (Unmanned Aerial Vehicle) para operar em missões de Busca e Salvamento (SAR) e de Vigilância Marítima (VIMAR). A apenas cerca de 30 milhas da rota de navegação seguida pelos navios comerciais – um dos “alvos da vigilância” – e sem grandes problemas relacionados com o espaço aéreo – o qual tem que ser “fechado” para permitir estes voos – a localidade de Santa Cruz foi a “base avançada” escolhida para estes voos sobre o mar.
Trata-se aqui fundamentalmente de aplicar o software específico criado pelos investigadores nacionais e estrangeiros associados ao projecto, operando os meios aéreos e as estações terrestres em condições muito próximas do que seria um emprego operacional em situação real. Ao mesmo tempo testam-se os UAV (a FAP designa-os “plataformas ANTEX M” – Aeronave Não Tripulada Experimental – Militar) nos seus diferentes componentes mecânicos e sistemas a bordo e desenvolve-se a proficiência dos operadores sejam eles os Pilotos (operam nos computadores) ou os Pilotos-Saffety (operam com o controlo manual). Estes últimos também responsáveis pela manutenção o que inclui, como constatamos, a execução de algumas pequenas adaptações técnicas que por vezes se tornam necessárias ao bom andamento das operações.
No dia que estivemos em Santa Cruz decorria, em locais distintos, o exercício “Rapid Environmental Picture 2012” (REP12), organizado pela Marinha, em parceria com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O REP12 teve em vista a avaliação, em ambiente real, das novas capacidades proporcionadas pelos veículos autónomos – submarinos, de superfície e aéreos – bem como das tecnologias que lhe estão associadas, no âmbito de operações aeronavais. A Força Aérea participou no exercício e, curiosidade, estavam presentes em Santa Cruz dois investigadores da Universidade da Califórnia / Berkeley, associados a parte do projecto PITVANT.
Recordemos aqui que este projecto foi iniciado em 2008 (embora tenha sido em 2002 que se iniciaram na Academia da Força Aérea, que lidera o projecto por parte da FAP, os estudos ligados às ANTEX), tem financiamento do Ministério da Defesa Nacional para funcionar até 2015 e há pouco mais de um ano o “Operacional” esteve no Centro de Formação Militar e Técnica, na Ota, onde tomou contacto com aquilo que na altura ali estava a ser feito (leia aqui, “PITVANT”: PRIMEIRO PASSO PARA UM UAV PORTUGUÊS?).
Manhã cedo no congestionado hangar do aeródromo, ainda há lugar para a preparação do ANTEX-M 06, agora significativamente baptizado “Santa Cruz”. No mesmo local um outro UAV do projecto que ali tem operado, este de maiores dimensões (designado por “extented”), o “00”. Já voou até às Berlengas e recebeu o nome destas ilhas que dali distam 40 quilómetros.
A preparação da plataforma e de algumas adaptações de carácter mecânico (nomeadamente para a câmara de filmar), decorre em simultâneo com verificações iniciais dos sistemas de comunicações e de outras questões ligadas ao software que irá ser testado, e que podemos talvez definir como “os algoritmos que determinam por onde o voo se vai desenrolar“. Foi neste trabalho de desenvolvimento dos algoritmos que colaboraram os dois jovens investigadores americanos que se encontram agora por algumas semanas em Portugal. Os testes em curso são também o culminar de cerca de 4 meses de trabalho, no desenvolvimento “a várias mãos” do algoritmo de busca e seguimento, indispensável para colocar o “Santa Cruz” na pista de náufragos ou navios que se desejem localizar, identificar, vigiar.
A equipa que leva a cabo estes testes, aqui no terreno, é reduzida e os meios em presença mostram bem que isto se faz com grande economia. Neste dia estavam presentes o capitão Elói Pereira, tenentes Francisco Machado e Gonçalo Cruz, os sargentos-ajudantes Joaquim Gomes, Pedro Teixeira e Henriques, o engenheiro António Sérgio Ferreira da FEUP e os dois investigadores de Barkeley, Hao Chen, aluno de mestrado em engenharia mecânica e Abishek Akella, aluno de licenciatura também em engenharia mecânica. O projecto, na totalidade, envolve cerca de 15 elementos da FEUP, 6 dos quais totalmente dedicados, e menos de 20 oficiais e sargentos da FAP.
O capitão Elói Pereira a quem cabia a coordenação do “Destacamento UAV” (designação nossa!) que acompanhamos em Santa Cruz, e que está a fazer um doutoramento em engenharia de sistemas exactamente em Berkeley, diz-nos que “O que se pretende é desenvolver a capacidade de Procurar, Detectar e Seguir uma embarcação ou mesmo um náufrago… …o REP 12 decorre em coordenação com a Marinha, ramo que nos apoiou ontem através da Policia Marítima (PM) aqui ao largo de Santa Cruz o que permitiu testar com sucesso a capacidade do ANTEX para localizar uma embarcação, a lancha da PM. Estamos a desenvolver o que já vimos fazendo (lembrou aqui o voo às Ilhas Berlengas que acima referimos), que é a exploração das capacidades destas nossas plataformas para operações sobre a água, com todas as possibilidades que isso abre para a busca e salvamento no mar e para a vigilância marítima… …Na próxima semana contamos com o empenhamento de uma corveta da Marinha a partir da qual vamos testar a pilotagem da aeronave. Ou seja, hoje, entre outras coisas, vamos verificar como decorre a transferência da pilotagem do ANTEX aqui do posto do aeródromo para outro posto de pilotagem – localizado ainda em terra mas mesmo sobre o oceano – e se tudo correr bem – software, comunicações, gps, mecânica – na próxima semana, então, o ANTEX será operado a partir da corveta dando-lhe naturalmente outra flexibilidade“.
O que observamos foi isso exactamente, o “Santa Cruz” descolou – manual, porque segundo Paulo Teixeira, piloto-saffety, dadas as condições de vento, muito perto dos limites, assim preferem, embora o possa fazer automático – ganhou altitude, efectuou uma série de manobras destinadas a verificar o seu bom funcionamento (aqui sobretudo mecânico) e passou para o controlo do piloto (ou seja, dos seus computadores instalados nas traseiras de uma viatura Nissan – ver fotos). Seguiram-se mais manobras aqui já destinadas a verificar sistemas de comunicações, vídeo, gps, e naturalmente continuar a avaliar também o desempenho mecânico, tudo isto pelos sensores da aeronave, transmitindo para o posto de pilotagem em terra. De assinalar que, em terra, antes do voo, e uma vez que este ANTEX em concreto, o 06, já não voava há uns tempos, foi submetido a uma enorme e demorada panóplia de verificações, indispensáveis, agora, ao sucesso dos testes em voo.
Sérgio Ferreira, engenheiro da FEUP, explica-nos que “…a Marinha opera alguns dos Autonomous Underwater Vehicle (AUV ou veículos submarinos autónomos) desenvolvidos pela FEUP – sistema operativo “Dune” e sistema de controlo “Neptus” – os quais têm no fundo muitas semelhanças em termos de software com os UAV. Neste projecto PITVANT, estamos não só a criar e desenvolver aspectos ligados ao software, mas também empenhados em conseguir ir adquirindo capacidade para substituir com “hardware” construído por nós, alguns dos componentes que ainda temos que comprar no mercado. Vamos avaliando e quando aquilo que fazemos é no mínimo tão bom ou já melhor do que o adquirido e mais barato…avançamos…“.
Um dos pilotos, tenente Gonçalo Cruz, explica que visualiza no seu monitor em tempo real o que o “Santa Cruz” também “vê” e que lhe compete indicar um ponto a partir do qual o UAV vai efectuar a busca/vigilância, um “Waypoint”, define-lhe o padrão de busca, e depois ele (a aeronave) faz o resto sozinho! Todo o comportamento em voo da aeronaves é monitorizada deste posto de pilotagem e se necessário é executada intervenção para introduzir alterações que se revelem necessárias.
Assim neste dia, pelo menos aquilo que observamos porque o “Destacamento” continuou nessa sexta-feira à tarde o seu trabalho muito para além da nossa estadia, foram testados em terra e no ar, exaustivamente, tudo aquilo a que se propunham, e com sucesso: sistemas mecânicos, comunicações e vídeo (com e sem amplificador, sistema que tinha causado interferências/problemas em voo anterior). Seguiu-se o “hand-over” (mudança de piloto) para o local junto ao oceano, em concreto bem perto do marco geodésico do Alto da Vela, onde se instalou uma antena de “tracking”. O passo seguinte seria a procura de um determinado navio mercante, a sua identificação e seguimento.
O PITVANT continua assim de boa saúde a desenvolver capacidades úteis a Portugal e às suas Forças Armadas, para mostrar ser possível substituir, a seu tempo, com vantagens operacionais e económicas, aeronaves e homens em algumas missões. É um caminho que continua a ser seguido, conduzido por gente muito interessada e empenhada, numa saudável e proveitosa cooperação com a universidade. O desafio continua a ser e será sempre até à conclusão do projecto de investigação e desenvolvimento em 2015, a eventual produção pela indústria (ou pela própria Força Aérea?) destes equipamentos para emprego operacional e as transformações que estes meios virão a originar não só nas diferentes utilizações que os ramos das Forças Armadas lhes podem atribuir, mas em todo o dispositivo de vigilância da costa portuguesa, arquipélagos incluídos.
Miguel Machado é
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