SERÁ DO INTERESSE NACIONAL?
Por Miguel Machado • 26 Set , 2011 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintEm Dezembro de 1967, depois de reiterados pedidos de quem combatia em África com viaturas blindadas antiquadas ou em número muito insuficiente, o Exército é finalmente autorizado a assinar um contrato de aquisição de 28 blindados “Chaimite”. No ano seguinte encomenda mais 56.
A firma fornecedora será a “BRAVIA” e as viaturas são construídas em instalações do Exército, na SOREFAME e na própria empresa. O processo é atribulado, repleto de episódios entre fornecedor, vários departamentos do Exército, Defesa Nacional e países estrangeiros. Em 1971, com anos de atraso, chegam rodeadas de grande expectativa e esperança as primeiras 4 “Chaimites” à Guiné. Iniciam a vida operacional com mais peripécias e um comportamento em combate irregular, com altos e baixos. Boa para uns porque melhor do que o material anterior, má para outros porque não correspondia ao anunciado. A firma consegue também exportar algumas dezenas para países como o Peru, Filipinas, Líbano e Líbia (sim, Kadaffi comprou algumas). O número de viaturas vendidas não era suficiente para manter a linha de montagem – Além das 84 iniciais, os Fuzileiros compararam 4 e a Força Aérea recusou-se a comprar para os Pára-quedistas – as Forças Armadas tinham prioridades mais urgentes para a guerra em África e, ao contrário do que muitos julgam, o dinheiro era curto para as necessidades operacionais.
Já nos anos 80 o Exército, incompatibilizado com a BRAVIA, contrata uma firma estrangeira e moderniza-as ele próprio. A BRAVIA não consegue diversificar a produção e encerra portas. As “Chaimites”, essas, hoje em Setembro de 2011, já bem depois da chegada das novíssimas Pandur, continuam a operar no Kosovo com as forças portuguesas e no Líbano nas Forças de Segurança Interna.
Quem acompanha o atribulado processo Pandur e leu a notícia do DN (10SET11) sobre o eventual cancelamento deste contrato e as declarações do empresário português sobre despedimentos na FABREQUIPA, não pode deixar de sentir alguma perplexidade. Não é preciso ser iniciado, basta ter bom senso, para estranhar: contrato assinado com uma firma e logo depois outra o vai cumprir; grande número de viaturas adquiridas; quezílias permanentes entre fornecedor austríaco, fabricante em Portugal, Ministério da Defesa e Exército, com inúmeras peripécias públicas ao longo de anos e troca de acusações mútuas pela comunicação social; promessas de exportação nunca concretizadas; atrasos frequentes nas entregas; não utilização real das viaturas, e a lista podia continuar.
Quantos projectos nesta área de negócio já morreram depois da “Chaimite”? Da “Berliet Tramagal” ao “UMM”, passando pelas armas ligeiras e munições?
É simpático dizer que devíamos ter uma indústria militar nacional. Mas se a realidade mostra que não somos capazes de manter essa capacidade, a quem interessa fingir que temos? Para os utilizadores não é preciso ser o melhor material do mundo, basta que seja bom, que lhes permita cumprir as missões.
Não seria então mais razoável comprar o material no estrangeiro, já testado em combate e pronto a usar?
Agora se quem decide acha que é do interesse nacional investir nesta área, tem que se ultrapassar esta crónica incapacidade de entendimento entre pessoas e entidades e avançar.
As lições da história são frequentemente esquecidas. A reflexão sobre factos passados parece interessar apenas a académicos que funcionam em circuito fechado e a um ou outro curioso.
Miguel Silva Machado
Este artigo foi originalmente publicado no “Diário de Notícias” de 26SET11: Será do interesse nacional?
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