SEGURO DE SAÚDE PARA OS MILITARES EM MISSÃO DE COOPERAÇÃO TÉCNICO-MILITAR
Por Miguel Machado • 27 Jan , 2015 • Categoria: 01. NOTÍCIAS PrintOs cuidados médicos e de evacuação para os militares portugueses em missão de Cooperação Técnico-Militar nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e em Timor-Leste, passam a ser responsabilidade de entidades privadas contratadas, através de um seguro de saúde, naquilo que parece ser a primeira excepção à recente definição conceptual do que é a saúde operacional.
A Portaria n.º 70/2015 de 5 de Janeiro de 2015, publicada em 22 de Janeiro de 2015 no Diária do República, estabelece este novo regime, pelo qual passam a estar abrangidos os militares portugueses em missão nos países referidos e nas missões de Cooperação Técnico-Militar. Até aqui aplicava-se literalmente o previsto no Decreto-Lei 238/96 de 13 de Dezembro «Ao Estado Português incumbe garantir aos militares que participam em ações constantes do presente diploma, em termos que se mostrem adequados à situação concreta, assistência médica, medicamentosa e hospitalar e ainda acesso a meios de diagnóstico e terapêutica». Agora foi entendimento do legislador que a constituição de um seguro de saúde corresponde a esta obrigação, que não foi alterada, antes interpretada de modo diferente do que até aqui vinha acontecendo.
Esta Portaria n.º70 justifica: «…Considerando que a rede pública local poderá não ser adequada ou ser mesmo inexistente à prestação dos cuidados médicos e de saúde exigidos. Considerando que tal situação obriga os militares no terreno a recorrer a instituições privadas com custos bastante elevados…».
O seguro de saúde, que já tem dotação orçamental «…montante anual estimado do seguro é de 190.000,00€…», deverá «… incluindo hospitalização e evacuação, que garanta aos militares nomeados para ações de CTM o acesso a cuidados médicos e de saúde tendencialmente idênticos aos que beneficiariam se estivessem em missão em Portugal…».
Além desta palavra “tendencialmente” ter uma tradução prática muito dificil de prever, pelo articulado desta Portaria – “…que garanta aos militares nomeados para ações de CTM…” – não é muito claro se os cuidados de saúde necessários antes e depois das missões de CTM serão responsabilidade da companhia de seguros ou da ADM – consulta do viajante, seguimento médico em Portugal depois das missões e tratamento de eventuais doenças contraídas no decurso da permanência fora do território nacional, ou se ficarão enquadradas na “Saúde Operacional” (ver a seguir). A companhia de seguros certamente vai querer saber se os militares estavam de boa saúde antes da missão e o Estado deverá saber se estão de boa saúde depois da missão.
Também se pressupõe que foi feita consulta prévia no mercado para saber se em países como S. Tomé e Príncipe ou a Guiné-Bissau, há entidades particulares com capacidade de prestar este serviço e que assegurem, por exemplo, as evacuações em tempo útil, sem necessidade de recurso aos meios aéreos da Força Aérea Portuguesa.
Seja como for, o que interessa é garantir assistência na doença aos militares envolvidos nestas missões e se esta nova modalidade não tiver mais limitações que a anterior, tanto melhor, isto poderá ser visto como uma melhoria. A prática o mostrará.
Primeira excepção
No dia 30 Dezembro de 2014, o Ministro da Defesa Nacional, através do seu Despacho n.º 511/2015 publicado em Diário da República de 19 de Janeiro de 2015, definiu o que é “Saúde Operacional” e “Saúde Assistencial”. Estando os militares da Cooperação Técnico-Militar em missão operacional – julgo não haver dúvidas quanto a isso – passam assim com este novo regime “publico/privado”, a constituir uma excepção, mesmo em relação a quem assume os custos, uma vez que os 190.000€ anuais para contratar uma companhia de seguros, sairão do orçamento da Direcção Geral de Política de Defesa Nacional nos termos da Portaria 70/2015 e não da ADM nem do EMGFA nem dos Ramos:
«(…)
1. A responsabilidade financeira pela assunção dos encargos decorrentes da prestação de cuidados de saúde aos beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas obedece ao seguinte enquadramento conceptual:
a) Saúde Operacional:
1) Âmbito de atuação clínica: Engloba a prestação de cuidados de saúde por motivos operacionais, nomeadamente, os que concorrem para atividades de seleção/recrutamento, revisões e inspeções periódicas de militares na efetividade de serviço, preparação sanitária prévia à projeção de forças, avaliação sanitária de forças após a retração/rendição e apoio sanitário à atividade operacional;
2) Prestadores de cuidados de saúde: Os cuidados de saúde são prestados pelas estruturas de saúde que integram a estrutura orgânica do SSM ou, na sua impossibilidade, por outras entidades prestadoras de cuidados de saúde, nacionais ou estrangeiras;
3) Responsabilidade financeira: Os encargos decorrentes da prestação dos cuidados de saúde operacional devem ser suportados pelos orçamentos das Forças Armadas (EMGFA e Ramos), não devendo ser imputados à Entidade Gestora da ADM.
(…)»
Outras missões internacionais
Pode assim estar aberto o caminho para a chamada “externalização” de parte da saúde operacional dos militares portugueses, a qual se poderá especular, virá a ter continuidade noutros casos? Talvez não, para já, mas a realidade é que o Decreto-Lei n.º 233/96 de 7 de Dezembro, referente ao estatuto dos militares das Forças Armadas envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional, no seu artigo n.º 5 “Assistência na doença”, refere obrigações para o Estado em tudo idênticas aos da Cooperação Técnico-Militar .
Nas Forças Nacionais Destacadas ou com os Elementos Nacionais Destacados (missões com efectivos muito reduzidos) Portugal socorre-se de estruturas próprias de apoio médico (para contingentes de nível companhia/batalhão) ou montadas por países aliados com contingentes significativos que fornecem esse apoio – pessoal médico português também tem integrado pontualmente essas infraestruturas médicas multinacionais – sendo a evacuação para hospitais portugueses, regra geral, uma responsabilidade das forças aéreas desses países e da Força Aérea Portuguesa. Nestes casos, pelo menos por enquanto, os cuidados de saúde nos teatros de operações e nas evacuações médicas têm decorrido inteiramente sob responsabilidade directa das Forças Armadas.
Externalização de capacidades
A atribuição de tarefas tradicionalmente atribuídas à força militar a empresas civis é um procedimento muito usual em alguns países, como por exemplo os EUA, o Reino Unido ou França, só para citar os mais conhecidos, e em Portugal embora não se fale muito disso também têm seguido o seu caminho. Na Bósnia em 1996 o apoio logístico à Força começou por ser totalmente militar e depois passou, por exemplo no fornecimento de géneros alimentares e bebidas, a ser feito por firmas civis contratadas, quer em Portugal quer localmente; no Afeganistão a alimentação foi fornecida por uma multinacional espanhola e há outros casos, nesta e em outras missões, como a de Timor-Leste, um território na Oceânia o que inviabilizava pela distância quase totalmente apoios idos desde Portugal. A capacidade “civil” mais conhecida que as Forças Armadas têm usado com frequência é o transporte aéreo para rotação dos contingentes e mesmo para transporte de material militar. A Força Aérea Portuguesa não tem meios aéreos de projecção estratégica e nunca chegou a comprar aviões adequados ao transporte de passageiros a longas distâncias como os famosos “Boeing” 707 que operaram nas rotas de África nos anos 70. Também o transporte naval em meios civis tem sido muito usado – quase e sempre – na projecção/retracção das Forças Nacionais Destacadas ou na colocação de materiais críticos nos teatros de operações, por inexistência na Marinha Portuguesa de unidades navais adequadas, uma das suas grandes limitações. Ainda recentemente as viaturas blindadas Pandur 8X8 do Exército foram transportadas para o Kosovo em meios totalmente civis, primeiro navio e depois plataformas terrestres.
Com a redução dos efectivos militares e por vezes devido a questões de ordem política e orçamental – em muitos casos sai realmente menos oneroso aos Estados contratar nas empresas privadas quem faça trabalho semelhante – alguns países alargam estes procedimentos a uma grande diversidade de apoios nos teatros de operações a nível logístico que vão do aluguer de meios aéreos para lançamento de cargas, à sustentação de infra-estruturas habitacionais, passando pela segurança em diferentes níveis de prontidão até às tarefas de formação e treino. Regra geral, os países contratam companhias nacionais e não entidades estrangeiras, sendo como se compreende pelo tipo de trabalho, muito dele desempenhado por gente com formação militar ou policial.
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