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SALA HISTÓRIA DO “GRUPO DE REGULARES DE MELILLA  Nº 52”

Por • 2 Dez , 2019 • Categoria: 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE Print Print

Os Regulares são das unidades mais conhecidas do Exército Espanhol pelos seus vistosos e invulgares uniformes, mas é bem provável que ao contrário, a sua história seja das menos divulgadas. Fomos visitar o “museu” das Fuerzas Regulares Indigenas de Melilla – a sua designação original – e passamos em síntese pela gloriosa história destas unidades.

A Sala Histórica do Grupo de Regulares de Melilla nº 52, pode ser visitada por qualquer pessoa mas carece de pedido prévio à “Comandancia General de Melilla” . Basta um simples e-mail!

Sala histórica dos Regulares em Melilla

A história dos Regulares de Melilla e das unidades das quais é herdeiro do rico património histórico, está hoje na Sala Histórica na Base Alfonso XIII da Comandancia General de Melilla, comando militar do Exército Espanhol que dispõe de cerca de 12.000 militares. Ou seja, numa cidade com 12,5 km2 e população semelhante a Viana do Castelo, Espanha mantém hoje um efectivo superior à totalidade do Exército Português!  

Nesta moderna unidade junto ao aeroporto da Cidade Autónoma foi inaugurado em 2008 um edifício construído para albergar a memória histórica das unidades que ali estão aquarteladas e uma delas é o Grupo de Regulares de Melilla nº 52.

Edifício onde se encontram desde 2008 as Sala Históricas das unidades aquarteladas na Base Alfonso XIII, uma delas a dos Regulares, aos quais também pertence o monumento em primeiro plano, que já percorreu várias unidades e aqui foi instalado em 2017 no 106.º aniversário destas forças.

Antecedentes

Têm de facto uma história gloriosa os Regulares no seu conjunto, são muitos os combates em que participaram quer no Norte de África quer na Península. Esta unidade em particular, o Grupo de Regulares de Melilla nº 52, é hoje a unidade mais condecorada do Exército Espanhol. A sua bandeira está exposta nesta Sala Histórica de onde apenas sai para as cerimónias militares. Mas foram muitas as unidades de Regulares das quais esta unidade de Melilla e o Grupo de Regulares de Ceuta n.º 54, herdaram um vasto património histórico.

As mais altas condecorações individuais e colectivas pelas diferentes unidades de Regulares foram obtidas nos combates do antigo Protectorado Espanhol de Marrocos no início do século XX mas muito também no decurso da Guerra Civil. Na Península entre 1936 e 1939 estas unidades foram intensamente utilizadas, integradas nas forças Nacionais que saíram vitoriosas.

A Bandeira mais condecorada do Exército Espanhol é esta dos Regulares de Melilla. Segue-se a dos Regulares de Ceuta.

O nome do primeiro condecorado com a mais elevada condecoração espanhola foi atribuído a esta sala.

Segundo alguns autores esta tradição de empregar tropas mouras ao serviço de Espanha, vinha de longe, dos tempos da Reconquista! Mas muito depois disso nos séculos seguintes, há referências ao emprego de soldados mouros, por exemplo os “Moros de Paz” em 1509, uma força de cavalaria irregular moura ao serviço de Castela em Oran e Mazalquivir; em 1734 “Companhias de Guias Naturais de Oran” os quais em 1817, já em Ceuta porque Espanha tinha abandonado Oran, foram desactivados; ainda em Ceuta em 1892 havia uma unidade moura conhecidos como “Atiradores do Rif”, Mouros da Paz” ou “Mouros do Rei” que perduraram até 1914! Poupava-se sangue espanhol, eram militares habituados ao duro clima do Norte de África e às condições de vida de um ambiente inóspito e falavam as línguas locais.

O Protectorado Espanhol em Marrocos no inicio do século XX. Assinaladas as actuais possessões espanholas: Cidades Autónomas de Melilla e Ceuta e as pequenas ilhas na costa, parte delas com segurança a cargo de unidades dos Regulares.

As 4 espingardas Mauser trabalhadas são destinadas à escolta à bandeira.

O Brigada Lacarcel, um dos responsáveis pela Sala Histórica mostra-nos o detalhe de uma das Mauser. Prata e marfim eram usados pelos Regulares indígenas para decorar as armas.

O museu além de muitas bandeira das antigas unidades extintas, e foram mesmo muitas, tem uma excelente coleção de uniformes e de mobiliário árabe. Em cima da mesa uma espingarda T-56 (Kalashnikov) capturada no Kosovo.

Uniforme de porta-guião do Grupo de Forças Regulares Indígenas Alhucemas n.º 5, distinguível pela cor verde de vários artigos de uniforme. O de Melilla é encarnado e Ceuta azul. Claro que o “Tarbush” (cobertura de cabeça) era e é encarnado para todos!

O segundo uniforme é das tropas de montanha que os Regulares também chegaram a ter. As montanhas do Atlas assim o exigiram!

Esta Sala histórica tem a questão dos uniformes muito bem explicada.

Criação dos Regulares

No início do século XX Espanha estava em permanente conflito no seu Protectorado de Marrocos – uma vasta região grosso modo entre Larache no Atlântico, Ceuta no Estreito de Gibraltar e Melilla no Mediterrâneo já perto da Argélia – enfrentando grupos “mouros” que se opunham à sua presença na região. Em Espanha o envio de jovens soldados idos da península para esta guerra permanente era muito mal visto pela população, os combates provocavam baixas. Mais uma vez agora o Exército Espanhol empregava naturais (indígenas) voluntários. Eram pequenas unidades irregulares – Gums, Yunds e Idalas – operando a pé e a cavalo, numa determinada região, ligadas a uma unidade regular espanhola, que faziam reconhecimentos, golpes de mão e mesmo ataques a forças inimigas, tudo com âmbito limitado e pouco organizado. Era o modo de vida de muitos mouros que se mantinham sempre junto das família. Espanha pagava-lhes e dava-lhes ao mesmo tempo “direito de saque” nos ataques que faziam aos acampamentos/povoações inimigos.

Sendo úteis tinham acção limitada geograficamente e organização muito deficiente o que levou o Exército Espanhol a querer melhorar a sua utilização. A intenção de “regularizar” (e aqui está a origem do nome destas unidades) a situação e criar unidades profissionais compostas por uma quase totalidade de soldados indígenas, mouros que se voluntariavam para servir sob a Bandeira de Espanha, evitava o recurso a jovens espanhóis. Os quadros, oficiais e sargentos eram inicialmente todos espanhóis, depois alguns indígenas ascenderam na escala hierárquica.

Assim, foram oficialmente criadas em 30 de Junho de 1911, com a designação de Fuerzas Regulares Indígenas de Melilla, as primeiras unidades de Regulares! Os primeiros voluntários chegaram ao Forte de la Purísima em Melilla – recentemente entregue à cidade autónoma pelo Exército e que hoje alberga um centro de acolhimento de jovens ilegais – e foram organizados sob as ordens do tenente-coronel de Cavalaria D. Dámaso Berenguer Y Fusté. Iniciou-se um novo corpo profissional do Exército Espanhol, com muitas características singulares quer nas designações – muitas ainda hoje se mantêm – quer nas práticas.

Eram unidades onde a maiorias do efectivo é muçulmano e as suas tradições e hábitos são respeitados. As famílias têm lugar junto aos quartéis e nestes os muçulmanos têm as suas salas de convívio próprias, os que querem aprendem espanhol e muitos quadros espanhóis aprendem as línguas locais. Esta tradição das salas “mouras” manteve-se ao longo dos anos e uma delas foi reconstruída com móveis e peças originais e está visitável na Sala Histórica, uma outra modernizada está em serviço para receber visitas. O Exército Espanhol inicia também uma “obra social” destinada às famílias dos Regulares, com especial atenção aos órfãos que assim têm alguém que deles cuide, aspecto muito valorizado pelos mouros contratados para combater por Espanha. Houve “oficiais mouros” que serviam de elo de ligação com a tropa e outros que ascendiam a oficial (até capitão) pela sua conduta em campanha. Um deles ficou célebre e o seu busto em bronze e a sua história está na Sala Moura dos Regulares que visitamos.

Os batalhões designam-se Tábor – o que hoje se mantém – e cada um incluía 4 companhias de infantaria e 1 esquadrão de cavalaria. Esta nova “força de choque” do Exército entra pela primeira vez em combate em 15 de Maio de 1912, na “Campanha del Kert” e logo aí se distinguem. O tenente de cavalaria Jaime Samaniego Y Martinez Fortún, comandante do 3.º Esquadrão das Forças Regulares Indígenas de Melilla, morre em combate, e é condecorado a título póstumo com a “Cruz de la Real y Militar Orden de San Fernando” (a mais alta condecoração espanhola, poderemos dizer equivalente à nossa Ordem Militar da Torre e Espada do Valor Lealdade e Mérito), conhecida por “Cruz Laureada de San Fernando” que assim foi pela 1.ª vez atribuída a estas forças. Os seus restos mortais repousam no Panteão dos Heróis do Cemitério da Puríssima Conceição em Melilla e o seu nome foi dado à Sala de Honra.

Muitos artigos de madeira vindos dos antigos quartéis em Marrocos estão hoje expostos. Aqui o gabinete de trabalho do comandante do Grupo de Fuerzas Regulares Indigenas n.º 8 Rif. Em cima na parede réplicas de dois excelentes quadros do conhecido pintor Augusto Ferrer-Dalmau Nieto, alusivos a combates dos Regulares. À direita, pintura do general José Enrique Varela, veterano das campanhas do Rif e da Guerra Civil, uma das figuras maiores dos Regulares.

O general José Enrique Varela era um dos dois únicos militares espanhóis que tinham conquistada duas “laureadas de San Fernando” nas campanhas de Marrocos. Distinguiu-se depois também na Guerra Civil e terminou a sua carreira como Alto Comissário em Marrocos em 1945, vindo a falecer de doença em 1951. Era o único Capitão General do Exército espanhol que tinha começado a sua carreira em…soldado!

Expansão

A actuação destas forças foi de tal modo eficiente que logo em 1914 são criados mais 4 Grupos de Forças Regulares Indígenas, agora compostas cada um por 2 Tábores de Infantaria – a 3 companhias cada – e 1 Tábor de Cavalaria, a 3 esquadrões cada. É um aumento significativo!

A história destas forças é um a sucessão de combates, condecorações individuais e colectivas, muitos mortos, e novos quartéis no Protectorado. Em 1922 é criado o Grupo de Fuerzas Regulares Indigenas Alhucemas n.º 5, em Segangan.

Para se ter uma ideia da dimensão que já tinham adquirido, por esta época (anos 30), havia Grupos em Melilla, Ceuta, Alhucemas, Tetuan, Arcila, Bab-Taza, Xauen e Larache, os quais dispunham no seu conjunto de 500 oficiais (66 eram mouros), 4.605 sargentos e praças espanhóis (europeus) e 7.961 sargentos e praças mouros, num total de 13.066 militares. Entre cavalos e mulas o efectivo era de 4.453!

Fotos de arquivo das instalações onde se cuidavam dos órfãos dos Regulares. O apoio social às famílias dos indígenas eram consideradas uma das chaves do sucesso no recrutamento. Mulheres e filhos nunca eram abandonados à sua sorte na morte em combate dos homens.

A “sala moura” reconstituída com peças originais de outras unidades. Seria mais ou menos assim o local de descanso – o “clube” – dos indígenas nas unidades de Regulares no Protectorado. Espanha respeitava as suas tradições e religião.

Guerra Civil

Os Regulares vão de seguida entrar em força na Guerra Civil (1936-1939) pelo “campo Nacional” e aumentar o número de unidades e de efectivos até ao impressionante número de 70.000! Estão em Marrocos mas sobretudo na Península onde actuam mais de 10 batalhões de tropas mouras. Terminada a guerra civil inicia-se a desmobilização destas forças, mas com a 2.ª Guerra Mundial Espanha decide manter um grande efectivo no Norte de África e estas tropas profissionais são a sua principal componente. Em 1940 os Regulares dispõem de 5 Grupos considerados históricos (Tetuán n.º 1, Melilla n.º 2, Ceuta n.º 3, Larache n.º 4 e Alhucemas n.º 5) aos quais se acrescentam os Grupos de Infantaria de Regulares n.ºs 6,7,8,9,e 10 e de Cavalaria n.ºs 1 e 2. As reorganizações sucedem-se, há até um Grupo de Regulares que actua na Península até 1949 no combate a criminosos (em Málaga). Em 1956 quando se dá a independência de Marrocos, nova e profunda reorganização tem lugar. Na realidade a maioria dos indígenas optam por integrar o novo Exército Real de Marrocos – opção que lhes foi colocada – e os Regulares perdem a designação de “Indígenas”, passando apenas a Fuerzas Regulares de Infantaria Tetuán 1, Melilla 2, Ceuta 3, e Alhucemas 5.

A última Bandeira de Espanha a ser arriada em Nador (Marrocos) em 1957.

Homenagem aos mortos dos Regulares no “Cementerio Municipal de la Purísima Concepción” e em baixo o Panteón Regulares 2 no mesmo cemitério, onde repousam os seus heróis. Curiosamente é aqui que estão os restos mortais do General Sanjuro que morreu em Portugal num acidente de aviação em 1936 e foi uma das grandes figuras dos Regulares, comandante militar de Melilla (1921) e coordenou o célebre desembarque de Alhucemas (1925), onde ganhou a alcunha de “Leão do Rif” e foi nomeado Marqués de Monte Malmusí (1926). Com a vitória dos Nacionais dos quais deveria ter sido o líder, foi sepultado em Pamplona em 1939 mas em 2006 com a controversa Lei da Memória Histórica, acabou por ser para aqui trasladado. Tinha a “Laureada de San Fernando”.

Independência de Marrocos

Espanha retira do Protectorado de Marrocos em 1958 e as unidades de Regulares passam a incluir militares espanhóis do Serviço Militar Obrigatório, uma alteração radical desde a sua fundação, inicia-se aquilo que designam por “segunda época dos Regulares”, já sem indígenas.

Nos finais dos anos 80 as unidades voltam a mudar de nome e passam a Regimentos de Infantaria Motorizado Forças Regulares de Melilla n.º 52 (que englobou os Grupos de Melilla e Alhucemas) e de Ceuta n.º 54 (que englobou os de Tetuán e Ceuta).  

Em 2000 é adoptada a actual designação Grupo de Regulares de Melilla n.º 52, a unidade mais condecorada do Exército Espanhol porque herdeira de todas as unidades de regulares que a antecederam e se cobriram de glória em Marrocos e na Península.

O “Capitão Mouro” tem destaque no “Salón Moruno” actual – uma sala de visitas/bar com inspiração árabe – homenagem dos oficiais que o conheceram. O Capitão Moro de Infantaria, Sidi Mohamed Kaddur Bokera (1890-1956) alistou-se como soldado indígena em 1922 em Alhucemas e muito rapidamente chega a Oficial Moro de 2.ª em 1923. Em 1926 por mérito em combate passa a Oficial Moro de 1.ª e em 1937 a Capitão por antiguidade. Participa em todas as campanhas do Protectorado com vários feitos de guerra e na Guerra Civil onde é ferido com gravidade. Apesar de ferido de guerra pede para continuar ao serviço até 1951 quando tem mesmo que se aposentar. Continua a frequentar a Sala de Oficiais do Grupo onde não perde oportunidade de jogar dados e “beber un vino”. Depois da sua morte os Oficiais do Grupo mandaram fazer o seu busto, e ali o colocaram com os dados e o copo!

Uma das missões actuais que podem ser atribuídas aos Regulares – além da defesa de Melilla – tem a ver com as pequenas ilhas e penínsulas na costa de Marrocos, que estão aqui lembradas em várias fotos.

Uma das mais “fortificadas” na Baía de Alhucemas. A partir de Melilla é garantida a guarnição de algumas destas ilhas, nomeadamente as Ilhas Chafarinas.

Uma curiosidade, na galeria dos Comandantes da unidade, o Coronel Nieto que ostenta o brevet de para-quedista militar português.

As missões actuais também já estão representadas na Sala Histórica.

Na sua terceira época, com a profissionalização, os Regulares passaram a incorporar mulheres. Em primeiro plano um elemento da “Nuba” (banda) que tem instrumentos exclusivos como a …

…a “Chirimia” uma pequena corneta com um som característico.

Actualidade

Ainda em 1999 inicia-se a “terceira época dos Regulares” que chega com a profissionalização das Forças Armadas, constituindo-se novamente como uma unidade de primeira linha que além da sua missão principal nas Cidades Autónomas de Ceuta e Melilla – falam pouco disso mas sabe-se que o potencial inimigo está a Sul – são empenhadas nas missões expedicionárias no âmbito das Alianças internacionais. Em concreto o Grupo de Melilla já empenhou forças na Bósnia, Kosovo, Líbano e Iraque (aqui até em conjunto com militares portugueses na Base Gran Capitan em Besmayah).

Desfile do Grupo em Melilla e detalhes do seu uniforme actual.

Ainda antes de terminar esta síntese da história dos Regulares uma nota final para o emprego de indígenas nas forças armadas espanholas. Elas não se limitaram aos Regulares em Marrocos embora estes fossem de longe os que tiveram maior número e importância, outras unidades com enquadramento espanhol actuaram no Norte de África, mas também na Costa Atlântica, nos territórios de Ifni, Sáhara e Rio de Oro. Hoje “Sara Ocidental/Marrocos” esta imensa costa atlântica de África frente ao Arquipélago das Canárias, foi o local onde actuaram durante parte do século XX, desde os anos 30, as chamadas Tropas Nómadas com enquadramento espanhol até 1976, quando Espanha entregou a Marrocos o antigo Sara Espanhol.

Recebido no Grupo de Regulares de Melilla nº 52 pelo Teniente Coronel Sánchez Embid, fiquei a saber não só a história da unidade como o ambiente politico e militar em que estas tropas foram criadas, com uma interessante ligação aos dias de hoje. A visita decorreu depois com o Capitán Antón (na foto) e o Brigada Lacarcel, os quais com grande detalhe e curiosidade histórica me explicaram tudo o que havia explicar em tão pouco tempo!

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