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REGULAMENTO DE DISCIPLINA DA GNR

Por • 4 Set , 2016 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

Curioso é verificar que muitos dos que se insurgem agora contra a situação em que se encontra o guarda Hugo Ernano foram directa ou indirectamente responsáveis pela alteração do regime disciplinar da GNR. Que futuramente não se venham a arrepender do novel “horário de referência” que, tal como a questão disciplinar, também vem afastar os militares da Guarda dos restantes militares e o que hoje pode parecer benéfico, amanhã poderá tornar-se prejudicial, como ficou bem patente na questão disciplinar.img_0539-copy1

 O que hoje pode parecer benéfico, amanhã poderá tornar-se prejudicial

Fez no passado dia 1 de Setembro precisamente 17 anos que foi publicada a Lei nº 145/99 que aprovava um novo Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), com a argumentação de que o Regulamento de Disciplina Militar (RDM)[1]estaria desactualizado, e estava; de que o RDM tinha em vista um universo de militares conscritos, o que nunca correspondeu à realidade; de que não se deveria aplicar aos “elementos” da GNR, porque não eram militares, o que é contrariado pela própria lei da condição militar[2]; ou de que abundava a jurisprudência que impedia a sua aplicação aos militares da Guarda, o que também não tinha correspondência com a realidade[3].

De toda a argumentação expendida, apenas a que se referia à desactualização do RDM tinha fundamento. Contudo, aquele regulamento continuou a aplicar-se por mais 10 anos a todos os outros militares, excepto aos da GNR, rompendo-se uma tradição de sempre, de a todos os militares se aplicarem as mesmas leis disciplinares e criminais.

O que realmente não foi dito, mas estava subjacente, era a descaracterização da GNR e dos seus militares.

A publicação do RDGNR foi precedida de uma forte e bem orquestrada campanha na comunicação social contra o RDM, onde as vozes do costume se insurgiram contra as “desumanas” sanções aplicadas aos militares, como sejam os dias de detenção, que para os menos entendidos significa proibição de sair do quartel, ou mesmo a prisão disciplinar para as infracções mais graves, que para o infractor se traduzia, na maioria dos casos, no desempenho do seu serviço normal dentro do quartel e a sua recolha durante a noite a local apropriado.

Por regra, a média anual das penas aplicadas individualmente aos militares da GNR nos anos que precederam a alteração dos regulamentos cifrava-se em 5 dias de detenção, durante os quais o militar mantinha a totalidade do seu vencimento sem cortes.

Pois, ao contrário do que se anunciava, a partir da aprovação do RDGNR, que deixaria de ter penas “desumanas”, os militares e as suas famílias começaram a sentir no bolso, e  de que maneira, o que representavam as “mais modernas e humanas” sanções disciplinares preconizadas no novo regulamento.

Estas situam-se entre os 5 e os 120 dias de suspensão (correspondentes aos dias de detenção no RDM que não podiam ultrapassar os 40) e entre os 120 e os 240 dias de suspensão agravada (correspondentes aos dias de prisão no RDM que não podiam ultrapassar os 30), auferindo o militar apenas 1/3 do vencimento.

Então, o que é mais gravoso para o militar e para a sua família: o RDM ou o RDGNR?

O que realmente se visou com a alteração disciplinar foi uma descaracterização da GNR e dos seus militares.

A este propósito, e porque se trata de uma situação actual e bem conhecida, chama-se à colação o tão falado caso do guarda Hugo Ernano que, tendo sido punido pela tutela com 240 dias de suspensão agravada, ou seja, 8 meses a auferir 1/3 do seu vencimento, está a viver com imensa dificuldade e apenas contando com a ajuda de camaradas e amigos, não podendo sequer em termos estatutários “…exercer actividades incompatíveis com o seu grau hierárquico ou decoro militar ou que o coloquem em situação de dependência susceptível de afectar a sua respeitabilidade pessoal e dignidade funcional perante a Guarda e a sociedade”.[alínea g) do artigo 16º do Estatuto dos Militares da GNR].

Curioso é verificar que muitos dos que se insurgem agora contra a situação em que se encontra o guarda Ernano foram directa ou indirectamente responsáveis pela alteração do regime disciplinar da GNR.

Que futuramente não se venham a arrepender do novel “horário de referência” que, tal como a questão disciplinar, também vem afastar os militares da Guarda dos restantes militares e o que hoje pode parecer benéfico, amanhã poderá tornar-se prejudicial, como ficou bem patente na questão disciplinar.

Lisboa, 31 de Agosto de 2016

Carlos Manuel Gervásio Branco, Coronel (Res)

[1] DL nº 142/77, de 9 de Abril

[2] Artigo 16º da Lei nº 11/89, de 1 de Junho

[3] Vide Acórdão de 25 de Março de 1999, do STM; Acórdão de 5 de Julho de 1994, do STJ; Acórdão nº 521/2003, do T. Constitucional, DR de 17 de Fevereiro de 2004; Acórdão nº.54/2012 do Constitucional, DR de 14 de Março de 2012. (Ver aqui : Indiscutível Natureza Militar, 20Março 2012)

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