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POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR, QUE FUTURO?

Por • 3 Mar , 2012 • Categoria: 02. OPINIÃO, EM DESTAQUE Print Print

Têm sido tornadas públicas intenções de se alterar a dependência hierárquica da Polícia Judiciária Militar que é do ministro da defesa nacional. O Coronel Vítor Gil Prata, com extenso curriculum no desempenho de funções ligadas à área da Justiça e Disciplina Militar, mas também a nível académico e trabalhos publicados (e um livro no prelo sobre esta temática), explica aqui de modo claro e fundamentado, porque discorda dessa opção.

Pela natureza dos bens jurídicos tutelados, o órgão da administração que melhor poderá entender a relevância da disciplina e da hierarquia militar será, sem dúvidas, aquele que tutela a própria defesa nacional e as Forças Armadas.

Pela natureza dos bens jurídicos tutelados, o órgão da administração que melhor poderá entender a relevância da disciplina e da hierarquia militar será, sem dúvidas, aquele que tutela a própria defesa nacional e as Forças Armadas.

A SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA DO ÓRGÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR

Em Portugal e até 1975 o exercício da autoridade judiciária para investigação de ilícitos criminais de natureza militar era da responsabilidade de quem detinha o comando, direcção ou chefia militar, que igualmente tinha competência para proceder disciplinarmente perante o cometimento de infracções disciplinares não merecedoras de tutela penal. As autoridades militares acumulavam, assim, o exercício da autoridade judiciária com a competência para instaurar procedimento disciplinar e averiguar a prática de ilícitos disciplinares.
No âmbito do código de justiça militar então em vigor, que tinha sido publicado em 1925, a primeira fase do processo criminal militar era conhecida por corpo de delito e as atribuição dos agentes de polícia judiciária militar eram exercidas pelos Comandantes das Unidades militares. Assim, a instrução do corpo de delito pelo cometimento de crimes de natureza militar era da competência e responsabilidade dos comandantes que podiam delegar esse exercício em qualquer oficial ou aspirante a oficial seu subordinado, designado ad hoc. Frequentemente os instrutores designados tinham pouca ou nenhuma preparação jurídica, pelo que essa instrução era ineficiente e morosa. Assim, era urgente a criação de um Serviço que se dedicasse exclusivamente à investigação criminal, com pessoal habilitado com os necessários conhecimentos técnico-jurídicos e militares, actuando com exclusividade de forma célere e eficiente e impondo uniformidade de actuação em todo o território nacional.

Após Abril de 1974 e na expectativa de uma Constituição que consagrasse princípios democráticos e impusesse regras de procedimento e normas de direito penal militar com eles compatíveis, foi criado pelo Decreto-lei n.º 520/75, de 23 de Setembro de 1975, o Serviço de Polícia Judiciária Militar (SPJM) na directa dependência do Conselho da Revolução (CR), com a finalidade de investigar os crimes sujeitos ao foro militar e instruir os respectivos processos. Porém, num primeiro momento, o SPJM apenas dispunha da competência para investigar e instruir os processos que, caso a caso, lhe fossem afectos, mantendo-se a competência dos comandantes de Unidade militar para instruir os restantes.
Em 09 de Abril de 1977, com a publicação do Decreto-lei n.º 141/77, o Código de Justiça Militar (CJM) foi harmonizado com os novos princípios consagrados na Constituição de 1976. Com esta revisão do CJM, alterou-se a dependência tutelar do SPJM, passando este a ficar subordinado hierarquicamente ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, e foi reestruturada a organização judiciária militar sendo introduzida uma fase processual inteiramente jurisdicionalizada – a instrução – da competência e sob exclusiva direcção de Juízes de Instrução Criminal, que eram magistrados judiciais em comissão de serviço junto do SPJM.
Com nova alteração ocorrida em 26 de Fevereiro de 1993, com a publicação da Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional, aprovada pelo Decreto-lei n.º 47/93, o SPJM transitou para a dependência do Ministro da Defesa Nacional com a designação de Polícia Judiciária Militar (PJM).

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Em 1997, a Lei de Revisão Constitucional n.º 1/97 operou uma radical transformação no foro militar ao extinguir os tribunais militares em tempo de paz. Esta reforma do sistema de justiça militar teve necessariamente repercussão na investigação processual dos crimes estritamente militares.
Assim, com a publicação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária Militar, aprovada pelo Decreto-lei n.º 200/2001 de 13 de Julho, e do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003 de 15 de Dezembro, ambos com entrada em vigor a 14 de Setembro de 2004, foi estabelecido um novo quadro legal para a actuação da PJM, definindo esta como um Corpo Superior de Polícia Criminal auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Defesa Nacional e funcionalmente dependente do Ministério Público para efeitos da investigação criminal. Com esta Lei Orgânica da PJM foi regulado o funcionamento deste Órgão de Polícia Criminal (OPC), adoptando-se disposições tendentes a clarificar a sua natureza, competência e princípios de actuação, estrutura e funcionamento e assegurou-se a aproximação entre os modelos previstos para a Polícia Judiciária Militar e para a Polícia Judiciária, uma vez que são os únicos órgãos de polícia criminal que têm a investigação criminal como actividade exclusiva.
Para a investigação dos crimes estritamente militares, o legislador atribuiu competência específica à Polícia Judiciária Militar em face da especificidade dos ilícitos em questão e da sua evidente preparação para desempenhar as funções de investigação e de coadjuvação das autoridades judiciárias, pois é uma polícia especializada e vocacionada para actuar nas unidades militares onde se colocam questões de segurança e disciplina militar. A lei atribui-lhe igualmente competência reservada para a investigação de crimes cometidos no interior de unidades, estabelecimentos e órgãos (U/E/O) militares, em prejuízo de outros OPC, nomeadamente a Polícia Judiciária e a Polícia de Segurança Pública (PSP), mas sem prejudicar a competência já atribuída à GNR para a investigação de alguns tipos de crime ainda que cometidos no interior das suas U/E/O. Como se explicou na exposição de motivos do CJM, a mesma preparação que qualifica a PJM para investigar crimes estritamente militares, qualifica-a para a investigação de crimes que, não tendo aquela natureza, estão estritamente conexos com a actividade das Forças Armadas por serem cometidos no exercício de funções militares ou no interior de Unidades, Estabelecimentos ou Órgãos militares. E porque afectam a Instituição militar, a sua investigação deve estar a cargo de um OPC especializado em função da matéria e sob dependência funcional do Ministério Público, evitando-se assim multiplicidade, sobreposição e conflito de competências entre OPC na sua investigação.
As competências de investigação e coadjuvação das autoridades judiciárias relativamente aos crimes da competência da PJM são desenvolvidas através das equipas de investigação. Estas equipas de investigação são constituídas por um oficial investigador, chefe de equipa, e por outros investigadores, que podem ser oficiais ou sargentos das Forças Armadas ou, também agora, da Guarda Nacional Republicana (GNR). Estes investigadores militares são igualmente competentes para investigar os crimes de natureza militar cometidos em tempo de guerra quando são obrigatoriamente constituídos tribunais militares ordinários ou extraordinários, foro que assenta quase exclusivamente em juízes militares. Ora, não se perceberia que os investigadores da PJM não tivessem, face a todo este circunstancialismo, a condição de militar.

A sede da PJM em Lisboa funciona neste edificio no Restelo, junto ao Ministério da Defesa Nacional e Estado-Maior General da Defesa Nacional.

A sede da PJM em Lisboa funciona neste edifício no Restelo, junto ao Ministério da Defesa Nacional e Estado-Maior General das Forças Armadas.

Actualmente, a Lei n.º 97-A/2009, de 03 de Setembro, combinada com o Decreto-lei n.º 9/2012, de 18 de Janeiro, constituem a Lei Orgânica, em vigor, da PJM, revogando as normas do Decreto-lei n.º 200/2001.
Porém, têm sido tornadas públicas intenções de se alterar a dependência hierárquica da PJM que, conforme referido, é do ministro da defesa nacional.

A justiça penal militar é direito penal especial porque tutela bens jurídicos especiais, isto é, valores não tutelados pelo código penal, que justificam mesmo a constituição de tribunais de composição especial para os julgar e de assessoria especial ao Ministério Público para os investigar. Assim, a PJM investiga os crimes estritamente militares que tutelam uma espécie de bens jurídicos: os interesses militares da defesa nacional, isto é, os interesses socialmente valiosos que se ligam às funções militares especificas de defesa da Pátria e outras cometidas pela Constituição às Forças Armadas. Pela natureza dos bens jurídicos tutelados, o órgão da administração que melhor poderá entender a relevância da disciplina e da hierarquia militar será, sem dúvidas, aquele que tutela a própria defesa nacional e as Forças Armadas. Ainda se poderia entender que outra fosse a solução se o sistema de investigação criminal fosse concentrado. Mas não é.

No nosso sistema de investigação criminal, além dos OPC de competência genérica e reservada são muitos os OPC de competência específica sob a tutela administrativa de vários ministérios. Na verdade, não existe concentração de OPC no sistema de investigação criminal porque a sua desconcentração tem a ver com a matéria específica investigada por cada um na garantia de bens jurídicos directamente relacionados com os ministérios da tutela.

Por isso, como já referimos atrás, salvo alguns poucos anos após a sua criação em que o SPJM esteve na dependência do CR, sempre a PJM esteve sob tutela hierárquica do MDN. Isto é, sempre a investigação criminal militar foi tutelada pelas Forças Armadas ou pelo órgão que tutela estas. Assim, não encontramos justificação para essas intenções de transferir a tutela da Polícia Judiciária Militar, atendendo também ao contexto referido de desconcentração dos órgãos de investigação criminal. Consideramos que uma verdadeira reforma de concentração ou fusão de OPC, como encontramos plasmada no programa do governo, não poderá passar pela extinção da PJM enquanto OPC subordinado à hierarquia administrativa do MDN, porque seria, no nosso entender, uma solução sem sentido face à natureza dos crimes investigados e aos bens jurídicos tutelados pela lei penal militar.

Mas, a acrescer a este facto, deve ter-se em consideração que, no âmbito da justiça militar em caso de guerra, serão criados tribunais militares ordinários e extraordinários, podendo estes ser constituídos essencialmente ou exclusivamente por juízes militares, conforme o caso. Nesta organização judiciária militar, em que as próprias funções de Ministério Público são desempenhadas por oficial das Forças Armadas, julgamos evidente a necessidade de o OPC encarregue da investigação criminal estar sob a dependência hierárquica do MDN. A excepcionalidade das circunstâncias vividas no ambiente de guerra dá mais força à exigência de um órgão de polícia judiciária constituída por investigadores militares, na dependência do órgão que tutela as Forças Armadas.
Pelo menos é assim que o entendemos.

Vítor Gil Prata, 2 de Março de 2012.

A manutenção da PJM na dependência hierarquica do Ministro da Defesa Nacional é aqui defendida com fundamentos claros.

A manutenção da PJM na dependência hierárquica do Ministro da Defesa Nacional é aqui defendida com fundamentos claros. Pode ser que assim se mantenha, ou não. Que se saiba ainda não há decisão politica sobre a matéria.

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