PERÍODO DE NOJO
Por Miguel Machado • 6 Mar , 2013 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintO que terá assim de tão diferente o manancial de conhecimento que um “agente das secretas” tem, e o das pessoas que lêem e usam os seus relatórios?
A hipocrisia é uma característica bem conhecida dos portugueses e de muitos outros povos – não nos menosprezemos – e nestes tempos em que vivemos, revela-se por vezes com a melhor das intenções e sem darmos por isso!
Há uns tempos que a generalidade dos agentes políticos e mediáticos se encarniça na questão do “período de nojo” que deverá impossibilitar um elemento saído dos serviços de informações de se “passar para o privado”. A esta omissão na lei se atribuem todos os males nesta área tão sensível do Estado democrático.
Será mesmo isso que está em falta? Não se percebe então a omissão de igual regra para quem saiba o mesmo, ou mais, do que esses servidores do Estado.
Concretizando e apenas em três áreas da governação, mas isto é verdade para muitas mais e em outros patamares da administração que ciclicamente são ocupados por políticos de nomeação partidária e, perdidas as eleições, dali saem “para o privado”.
Os ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, pela natureza das suas funções, por muito pouco tempo que estejam no cargo, têm acesso a todo o tipo de informação classificada do “Reservado” ao “Muito Secreto” (e ainda a documentação idêntica da NATO e EU, até a relativa a armas nucleares). Ou seja, são conhecedores daquilo que os agentes portugueses conseguem recolher no terreno, do tratamento que os analistas lhe dão no Forte da Ameixoeira e no Forte do Alto do Duque, e daquilo que os dirigentes máximos dos serviços de informações – os tais “super-espiões” na linguagem mediático-popular – subescrevem e lhes fornecem. Convém não esquecer, como parece acontecer frequentemente, que os relatórios feitos pelos serviços de informações destinam-se …à tutela, ao poder político. Acresce que os governantes têm ainda a vantagem de acederem a conhecimento obtido em reuniões internacionais de alto-nível, assuntos que escapam aos nossos operacionais. Assim é porque ao contrário do que se passa quando um “agente” vai a uma reunião, tem que fazer um relatório, o governante, ouve e guarda para o seu processo de decisão, não faz relatórios “para baixo”. Quanto muito desabafa com o seu chefe de gabinete por altura do café da manhã, ou com o assessor de imprensa/politico – pessoa sempre da confiança pessoal, não raramente mais do que o próprio chefe de gabinete – para se aconselhar se há ou não necessidade/vantagem de “deixar cair” esta ou aquela informação para um jornalista amigo.
Mas muito mais gente lê o trabalho dos operacionais, desde logo por exemplo, os deputados do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa e ainda funcionários e dirigentes dos outros órgãos do Sistema de Segurança Interna, e claro, o Presidente da República e o seu “staff” politico e militar e o Primeiro-Ministro e os elementos do seu gabinete ligados às questões de Segurança Nacional, os quais caído o governo, certamente não ficarão por lá e outros, de outra tonalidade politica, ali assentarão arraiais por uns tempos.
Quantos antigos ministros dos referidos (Defesa, Administração Interna e Negócios Estrangeiros), estão, no dia seguinte a saírem do governo em escritórios de advogados que trabalham com as mais diversas entidades nacionais e estrangeiras, em universidades, em empresas, em bancos, etc.? Utilizam sem qualquer restrição o conhecimento adquirido em exercício de funções, e através do qual sem dúvida que obtêm vantagens das mais diversas em relação aos “seus pares” que pelo poder não passaram. E o mesmo se passa com uma grande gama de agentes políticos que por força da sua ligação partidária, ora estão no governo ora “no privado”.
Quem garante e como se garante que toda esta gente não usa a informação que obteve quando no desempenho de funções? É que, note-se bem, são as mesmas informações – ou mais – que os funcionários dos serviços de informações têm! Não há aqui então uma tremenda dose de hipocrisia?
E a solução? Ninguém a quer dizer, mas quem entra nos serviços de informações, deve – a bem – ficar para sempre a eles ligado, mesmo que deles saia. Complicado?
Este artigo foi originalmente publicado no “Diário de Notícias” em 05MAR13: Período de nojo
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