PÁRA-QUEDISTAS EM COMBATE 1961-1975
Por Miguel Machado • 20 Nov , 2019 • Categoria: 08. JÁ LEMOS E... PrintUm excelente livro sobre a Guerra do Ultramar e em muitos aspectos será mesmo um dos melhores já publicados sobre este conflito! O autor socorre-se de factos comprovados, não esconde dificuldades, mostra-nos o campo de batalha como poucas vezes se tem lido. Esta obra de Nuno Mira Vaz, coronel pára-quedista que fez a guerra e já publicou vários livros em diferentes estilos, tem como objectivo mostrar ao leitor os principais feitos de armas dos boinas verdes portugueses na guerra em Angola, Guiné, Moçambique e Timor, dos primeiros dias do conflito aos últimos da descolonização.
Um primeiro aspecto que importa destacar, o facto de Mira Vaz não pretender ganhar para os pára-quedistas qualquer campeonato, forçando um lugar cimeiro em rankings mais ou menos discutíveis que se podem sempre ajeitar com o decorrer dos anos, antes, faz questão de partilhar muitas vitórias!
«…Pelo facto de terem nascido na Força Aérea, as Tropas Pára-quedistas dispuseram de condições muito favoráveis para se organizarem e prepararem para combater. Arma jovem, a Força Aérea estabeleceu com os Páras uma relação que, em lugar de privilegiar a dependência hierárquica, estimulava a iniciativa e o sentido de responsabilidade. Desta relação peculiar nasceu o binómio pára-quedista/helicóptero, uma parceria capaz de alcançar elevados padrões de rendimento nos mais diversos tipos de acções de combate. A colaboração era de tal modo intensa que, em certas operações, se revelou impossível determinar, com exactidão, quantos guerrilheiros haviam sido atingidos pelo canhão do helicóptero ou pelas armas dos pára-quedistas…»
Não é um livro sobre a história das tropas pára-quedistas, muita coisa fica de fora, mas centra-se com um rigor inexcedível naquelas operações que lhe pareceram mais significativas. O que não está confirmado é assim referido e uma ou outra suposição – por exemplo, muitas vezes o número de feridos inimigos era de difícil avaliação – fica clara.
No decorrer da obra são várias as transcrições de outros autores e também de relatos da imprensa da época sobre algumas operações/factos. Mira Vaz deixa para terceiros – muitos não-pára-quedistas – os maiores elogios à actuação dos Páras!
Para nós que somos consumidores frequentes deste tipo de literatura, um dos aspectos mais marcantes, é o modo como muitas situações de combate são descritas mas também o facto de ser apenas um livro sobre a guerra. Está muito bem escrito, de leitura fácil, compreensível, sem divagações ou considerações mais ou menos pessoais a que muitos autores compreensivelmente não conseguem fugir.
Baseado nos relatórios de operações da altura e muitas vezes também em declarações actuais dos intervenientes de então, são de um realismo raramente alcançado. Não finge que na guerra não matávamos, a descrição de situações em que o fulano de tal abateu, matou, são muito frequentes, e do mesmo modo os nossos, com nomes, também morrem e ficam feridos e estropiados.
Muitos exemplos podia aqui dar, mas numa apreciação mais pessoal impressiona a quantidade de vezes – e não são todas as operações, repito, são algumas das mais significativas – que os pára-quedistas na Guiné se encontravam frente a frente com o inimigo, não raras vezes bem armado – inclusive com armas pesadas que os Páras não dispunham – treinado e motivado, e combatiam ferozmente. A vitória no campo de batalha acabava por acontecer pela preparação técnico-táctica e física dos nossos militares, pelo superior enquadramento, mas também, in–extremis, pelo apoio aéreo – aviões – e mais frequentemente a entrada em acção do temível ALIII canhão.
Não pretendo aqui fazer uma síntese de todo o livro, apenas assinalar alguns aspectos. Por exemplo em Angola é de realçar não só os tempos heróicos do início da guerra – que incluíram combates corpo-a-corpo e a muito curta distância – quando os pára-quedistas foram os primeiros a chegar idos de Lisboa logo no dia seguinte aos massacres de 15 de Março de 1961, como mais tarde os combates no Leste que dizimaram o MPLA e, por fim, o sucesso das técnicas e tácticas de Contra-Infiltração que foram sendo aperfeiçoadas em conjunto com a Força Aérea e que se traduziam em resultados significativos em termos de baixas causadas ao inimigo e capturas de material. As últimas operações de combate em Angola, já depois do golpe de 25 de abril de 1974 em Lisboa, surpreendem pelos efectivos que o inimigo empenhava – aqui a FNLA – e o seu armamento. De Moçambique as tremendas distâncias muitas vezes sem qualquer hipóteses de apoio nem terrestre nem aéreo, e um inimigo aguerrido e esquivo. A sede e o drama das evacuações está descrito de modo notável, eu diria arrepiante pelo detalhe, numa parte do último capítulo, pela pena do segundo sargento Joaquim Coelho.
O preço de sangue destes 15 anos de guerra para as Tropas Pára-quedistas Portuguesas escreve-se em duas pesadas linhas: causaram 2.780 mortos e 981 feridos confirmados ao inimigo, sofreram 160 mortos e 737 feridos.
Desde muito cedo durante a guerra, em 1968, que os pára-quedistas honraram os seus mortos, construindo em Tancos na Casa-Mãe das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, o Monumento aos Mortos em Combate. O seu culto e o respeito com que é tratado marcou e marca hoje todos os que serviram nas Tropas Pára-quedistas.
Portugal mudou muito, onde antes combatemos hoje há países independentes e amigos, mas o respeito por aqueles que morreram ao serviço da Pátria ultrapassa regimes políticos, gerações, ideologias.
Em Tancos, no Monumento, em várias Paradas com os seus nomes, e no Museu das Tropas Pára-quedistas, sem complexos, nunca se esqueceram os mortos em combate. Ainda hoje assim é e este livro vem reforçar esse culto pelo conhecimento que transporta até todos.
A leitura deste livro é uma lição de história centrada no valor do militar pára-quedista em combate e a coragem que demonstrava frente ao inimigo. A competência técnica e táctica, especialmente nos escalões mais baixos – da companhia à secção, mesmo que ocasionalmente todo um batalhão (ou mesmo dois!) tenha sido empregue – produziram os resultados aqui bem explícitos.
Caro leitor, este pequeno texto que aqui termino, acredite, não faz jus ao livro, terá que o ler. Mesmo que não tenha sido ou seja pára-quedista, mas se tem interesse no que foi a Guerra do Ultramar do ponto de vista do combatente – e Mira Vaz aborda várias vezes acções em que outras unidades quer de Intervenção quer de Quadrícula intervieram – daquele que enfrentava o inimigo “olhos nos olhos” tem aqui uma excelente fonte de informação!
Tem muitas fotos a preto e branco, vários mapas e quadros resumos dos resultados operacionais, quer em termos de baixas quer de material capturado.
É uma publicação da “Fronteira do Caos Editores” de Outubro de 2019: fronteiradocaos@netcabo.pt www.fronteiradocaoseditores.pt
O preço de venda ao público ronda os 16,00€
Miguel Machado é
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