OS PROGRAMAS DE MODERNIZAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Por Miguel Machado • 19 Nov , 2011 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintMais uma colaboração da Revista Segurança & Defesa do Brasil através de Alexandre Fontoura. A Estratégia Nacional de Defesa do Brasil determina que cada uma das Forças Singulares (ramos das Forças Armadas) desenvolvam seus próprios Programas de Articulação e Equipamento, por sua vez desdobrados em outros Programas. Neste artigo (*) Alexandre Fontoura mostra aos leitores do “Operacional” alguns dos Programas do Exército Brasileiro.
OS PROGRAMAS DE MODERNIZAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO
A oportunidade de reorganização e reaparelhamento das Forças Armadas oferecida pela Estratégia Nacional de Defesa (END) motivou o desenvolvimento de novos equipamentos ou a modernização de outros para o Exército Brasileiro (EB), enfatizando o estímulo à indústria nacional de defesa.
Surgiu então a Estratégia Braço Forte, que prevê, entre outros projetos, a incorporação à Força Terrestre de até 2.044 veículos de uma nova família de blindados sobre rodas, o desenvolvimento de uma nova família de fuzis, a aquisição de um moderno sistema de defesa antiaérea, o sistema Astros 2020, e a modernização da Aviação do Exército, entre outros projetos e programas.
O Guarani
A nova família de blindados consiste e um conjunto de viatura blindadas médias sobre rodas com base em uma plataforma única. O desenvolvimento desta viatura encontra-se a cargo da Fiat Iveco, cuja fábrica encontra-se sediada na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais. Cabe ao EB o gerenciamento do programa, para o qual a Fiat Iveco criou a Iveco Veículos de Defesa, representando um investimento de R$75 milhões na construção de novas instalações, que ocupam 18 mil metros quadrados. Em dezembro de 2009, foi assinado o contrato para a produção dos 2.044 veículos, agora já batizados como Guarani, ao longo de 20 anos. O valor do contrato supera R$6 bilhões e a produção envolverá 110 fornecedores diretos e cerca de 600 indiretos no Brasil.
O EB estuda diversas configurações de armamento, indo desde torres com metralhadora operada remotamente, morteiros de 81mm e 120mm (para as versões porta‐morteiro), torre com canhão de 30mm (Elbit UT30BR) e mísseis anticarro (para a versão VBCI, Viatura Blindada de Combate de Infantaria), até canhões de 105mm e 120mm (para a versão de reconhecimento e anticarro).
No início de 2011, a AEL Sistemas S.A., subsidiária brasileira da empresa israelense Elbit Systems, foi contratada por US$260 milhões para fornecer “várias centenas” de torretas não-tripuladas (controladas remotamente) UT30BR para o projeto Guarani. Já no início de setembro último foi anunciada a bem sucedida conclusão dos testes de aceitação da primeira torreta UT30BR integrada ao novo blindado IVECO 6X6 Guarani.
A torreta foi testada no CAEx (Centro de Avaliações do Exército, na Restinga da Marambaia-RJ), em todas as suas funções e contra alvos estáticos e em movimento. Nos ensaios, foram cumpridos todos os requisitos especificados pelo EB. A torreta da Elbit é um sistema completo, incorporando um canhão automático de 30mm, uma metralhadora coaxial de 7,62mm, um sistema de alerta laser (Laser Warning System – LWS), uma alça panorâmica para o comandante e lançadores de granadas fumígenas. Além disso, a torreta é totalmente estabilizada em dois eixos e possui um rastreador automático de alvos.
No período de 17 a 20 de maio deste ano, o CAEx acompanhou, junto com especialistas da Divisão de Veículos de Defesa da Iveco do Brasil, a realização de testes antiminas na viatura Guarani, realizados pela empresa IBD, no Campo de Provas da empresa TDW, localizado na cidade de Schrobenhausen, na República Federal da Alemanha. Durante o teste, a viatura foi submetida à explosão de minas anticarro de seis quilogramas de explosivo do tipo trinitrotolueno (TNT), sendo a primeira sob a roda mais próxima do motorista e a segunda sob a roda mais próxima dos bancos da guarnição.
Com o uso de manequins padronizados, os efeitos das explosões sobre a tripulação e guarnição foram medidos de acordo com requisitos estabelecidos em normas internacionais, que simulam as dimensões, as proporções de peso e articulações do corpo humano. Os manequins (dummies) foram devidamente fardados e equipados com capacete e colete à prova de balas, conforme situação de combate que poderá ser enfrentada pelos ocupantes do Guarani. O teste evidenciou que a viatura possui elevada capacidade de proteção à integridade física da guarnição embarcada contra a ameaça de minas. O exemplar do Guarani utilizado para testes foi fabricado especificamente para este fim, constando apenas com o casco e rodas.
Artilharia
É sabido que uma das maiores deficiências do EB repousa em sua inadequada capacidade de defesa antiaérea. Além de canhões Oerlikon de 35mm de fabricação suíça, orientados por sistemas Super Fledermaus, já obsoletos, o EB conta com canhões Bofors de 40mm, cuja direção de tiro é feita pelo FILA (Fighting Intruders At Low Altitude) e, mais recentemente, lançadores e mísseis AAé Igla, de fabricação russa..
Esse quadro, porém, não deverá tardar muito a ser mudado, pois o EB busca no mercado internacional sistemas de mísseis AAé de alcance médio. Empresas da China, Estados Unidos, Suécia, França, Alemanha, Israel e Rússia responderam ao pedido de informações do EB com suas propostas. A idéia do Exército é modernizar sua artilharia AAé até a Copa do Mundo de Futebol de 2014, evento internacional que mobilizará grandes recursos de segurança, assim como a Olimpíada de 2016, que será realizada no Rio de Janeiro. Comenta-se que o sistema russo Tor-M2E tem sido considerado favorito, dentro de um pacote que prevê a fabricação de mísseis Igla sob licença no Brasil.
Além de adquirir novos sistemas, o Exército pretende ainda modernizar seus canhões antiaéreos existentes com a instalação de motores elétricos e novas unidades optrônicas, objetivando operação autônoma.
Radares nacionais SABER M60 e SABER M200 também estão nos planos. O EB já encomendou uma pré-série de oito radares SABER M60. Mais unidades serão necessárias, para uso em conjunto com mísseis guiados portáteis e canhões de 35mm e 40mm.
Além do uso mais visível durante a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, o Exército tem a intenção de utilizar radares Saber M60 no Programa SISFRON, para a proteção e vigilância dos 16 mil quilômetros de fronteira com outros países, principalmente na Amazônia. O Saber M60 é capaz de acompanhar até 40 alvos simultaneamente, a até 60km de distância e 5 mil metros de altitude.
No campo da artilharia de campanha, o EB pretende adquirir mais exemplares do obuseiro M118 Light Gun (105mm) e mais obuseiros de 155mm, tanto autopropulsados como autorrebocados. Em agosto último, a presidente Dilma Rousseff autorizou um crédito suplementar, extra orçamentário, no valor de R$45 milhões, para dar início ao programa de desenvolvimento e aquisição do sistema Astros 2020, da Avibrás Aeroespacial, de São José dos Campos-SP.
Evoluindo a partir do sistema Astros II, a nova versão passa a poder usar um míssil de cruzeiro com alta precisão e alcance de 300 quilômetros, o AV-TM, e munições com maior poder de fogo, alcance e cabeças de guerra do tipo lança-granadas.
Durante um ensaio realizado no dia 21 de julho, no Campo de Instrução de Formosa (GO), a 80 quilômetros de Brasília, foram empregados os blindados de comando e controle que serão parte do Astros 2020. O investimento total no projeto está estimado em R$1,92 bilhão, distribuídos ao longo de seis anos. Os recursos liberados pela presidente Dilma vão ajudar a resolver a situação financeira da Avibrás, atualmente sob regime de recuperação judicial. Isso será feito com a garantia da aquisição do sistema Astros 2020, pelo Exército.
Aviação
A principal novidade na área da Aviação do Exército é a incorporação de até 16 unidades do helicóptero Eurocopter EC725 Super Cougar (ou Caracal), que serão construídos pela unidade da Helibras, em Itajubá-MG. Um total de 50 exemplares desta aeronave serão fornecidos às Forças Armadas do Brasil, sendo 16 para o EB, 16 para a Marinha e 18 para a FAB (sendo dois em configuração VIP, para o GTE). Os 16 EC725 se somarão a outros oito AS532UE Cougar, utilizados pelos 2º e pelo 4º Batalhões de Aviação do Exército, respectivamente sediados em Campo Grande-MS e Manaus-AM.
Além desses novos helicópteros, o EB preocupou-se com a modernização de aeronaves atualmente empregadas em grande número na Força, como os AS365K Pantera (HM-1), que serão objeto de um programa de atualização que prevê a reconstrução/modernização de 34 exemplares do total de 36 adquiridas nos anos 80. A “reconstrução” refere-se a duas aeronaves acidentadas: uma do 2ºBAvEx, em 2006, e outra do 4ºBAvEx, em 2008.
O custo total do programa será de R$488 milhões, envolvendo a troca de motores, modernização do cockpit e a incorporação de novos sistemas e armamentos. Com a modernização, os planos do EB são no sentido de que os Pantera permaneçam em uso por mais de 25 anos.
Um contrato no valor de US$92 milhões para a reconstrução de quatro aeronaves Helibras HA-1 Esquilo/Fennec e a modernização de outras 32 do mesmo modelo foi assinado em 30 de dezembro de 2010. Os trabalhos já foram iniciados na fábrica da Helibras, e a entrega do último exemplar está prevista para 2018. Como no caso dos HM-1, o contrato de modernização dos HA-1 tem como objetivo sua operação eficiente por mais 25 anos.
Por último, mas não menos importante, fala-se na possível aquisição de helicópteros de ataque “puro” para o EB. Neste caso, os Mi-35M de fabricação russa aparecem como favoritos, pelo fato de já serem empregados pela FAB.
O infante
Claro que, entre todos esses programas, os que se destinam à modernização do combatente não podem ser deixados de lado. Assim, o EB desenvolve o projeto denominado Combatente Brasileiro (COBRA), baseado no programa FELIN (Fantassin à Équipements et Liaisons Intégrés), sigla em francês para “Infante com equipamentos e enlaces integrados”, que está pronto para a produção em massa.
A Sagem, fabricante do FELIN, planeja entregar 22.588 sistemas até 2015, e algumas centenas de exemplares de pré-série já foram entregues ao Exército francês para avaliação, tanto no Afeganistão como na Guiana Francesa, enfrentando o calor desértico e a combinação calor e umidade.
A adoção de um sistema baseado no FELIN pelo Exército Brasileiro trará vantagens táticas indiscutíveis ao futuro soldado, desde que empregado por tropas profissionais, pois não se trata de equipamentos para uso por recrutas.
O armamento individual também é objeto da atenção do EB, por meio do desenvolvimento da nova família de fuzis Imbel IA2, nos calibres 5,56mm e 7,62mm. Os novos fuzis são modernos, menores e mais leves, aptos a receberem optrônicos auxiliares de pontaria e outros equipamentos, por meios de trilhos Picatinny.
As armas são desenvolvidas pela Indústria de Material Bélico (Imbel), e foram submetidas aos rigorosos testes militares. O produto final realizou mais de 70 mil tiros, em testes de resistência, submetido a areia, poeira, altas e baixas temperaturas, bem como imersão em água, seguida de disparo. O desempenho dos fuzis nos testes em ambientes de selva provou sua elevada confiabilidade, mesmo após submersão na água, com tempo de escoamento do líquido de apenas 15 segundos, seguido de disparo de todo o carregador.
Para se ter uma idéia do cuidado empregado no projeto do novo fuzil, citamos por exemplo o guarda-mão, que mesmo após o disparo seguido de seis carregadores de 30 tiros (ou seja, 180 disparos), não registrou aumento na temperatura. Registre-se que o IA2 é o primeiro fuzil de assalto inteiramente projetado e construído pela indústria brasileira de defesa.
Finalmente
Logicamente, há diversos outros programas do EB que mereceriam descrição mais detalhada – como os do desenvolvimento e obtenção de VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados), o da modernização dos blindados M113 e o de viaturas leves 4×4 -, mas que por razões de espaço deixaremos para cobrir em outra ocasião.
É importante ainda lembrar que os principais investimentos nos programas das Forças Armadas para 2012 deverão ser preservados, a despeito de possíveis contingenciamentos que, se ocorrerem, atingirão apenas as despesas de custeio. Assim, a Proposta Orçamentária para 2012 destina R$900 milhões para a aquisição dos helicópteros EC725, R$105,5 milhões para o SISFRON, e R$202,5 milhões para o desenvolvimento e aquisição dos blindados Guarani, entre outros programas.
Esperemos, portanto, que os investimentos nas Forças Armadas permaneçam fora do alcance da tesoura orçamentária, e que os efeitos positivos de seu desenvolvimento se reflitam no preparo do Exército e na geração de empregos e maior capacidade na indústria.
(*) Como tem sido habitual o “Operacional” publica os artigos da Segurança & Defesa em português do Brasil.
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