ORDEM MILITAR DE CRISTO PARA AS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS
Por Miguel Machado • 26 Mai , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintTancos, 23 de Maio de 2015, parada Alferes Pára-quedista Mota da Costa(*), o Estandarte Nacional da Escola de Tropas Pára-quedistas, herdeira do património histórico e moral de todas as unidades pára-quedistas portuguesas extintas, recebe as insígnias de Membro Honorário da Ordem Militar de Cristo (**), impostas pelo General Carlos Jerónimo, Chefe do Estado-Maior do Exército, por delegação expressa do Presidente da República, Grão-Mestre de todas as Ordens Honoríficas Portuguesas.
Este foi em termos simbólicos o ponto alto das comemorações do 59.º aniversário da inauguração do então Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, momento, mais um, que ficará gravado na historiografia das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, como reconhecimento das mais altas entidades do Estado Português pelo trabalho desenvolvido por militares e civis desta unidade de elite das Forças Armadas Portuguesas.
Mas o 23 de Maio, em Tancos, é muito mais do que uma típica cerimónia castrense, no perímetro da unidade, com um programa padrão, seguido como é do regulamento em todas as unidades militares. É também isso como não podia deixar de ser e ainda bem, mas ano após ano tem-se vindo a desenvolver um fenómeno espontâneo, de convívio “sem convite”, que não tem paralelo no universo militar em Portugal. São milhares de antigos pára-quedistas militares e suas famílias que vêm de todo o país, alguns mesmo do estrangeiro, para uma jornada de confraternização que já nem se limita ao dia em si, muitos começam a chegar com tendas e auto-caravanas nas 48 horas anteriores.
Cerimónia Militar
Decorreu com o brilho e aprumo habituais estando formados em parada sob o comando do Tenente-Coronel Infantaria Pára-quedista Marçal de Sousa, 2.º comandante da unidade, o Estandarte Nacional e Escolta, Bloco de Guiões Heráldicos das unidades pára-quedistas extintas, as sub-unidades da Escola de Tropas Pára-quedistas, os 1.º e 2.º Batalhões de Infantaria Pára-quedista, provenientes dos Regimentos de Infantaria n.º 15 e n.º 10, respectivamente, a Banda e Fanfarra do Exército. No decurso da cerimónia foram lembrados antigos militares da unidade já falecidos, o comandante da unidade Coronel Infantaria Pára-quedista Vasco Pereira discursou e o Chefe do Estado-Maior do Exército, General Carlos António Corbal Hernandez Jerónimo, também (pode descarregar o discurso no final deste artigo).
Na sua alocução o General Carlos Jerónimo fez questão de referir a importância das tropas pára-quedistas para o cumprimento da missão do Exército e a sua capacidade para actuar em todo o espectro da conflitualidade actual, mostrando-se reconhecido pela recente actuação dos pára-quedistas no Kosovo, no Mali e na Cooperação Técnico-Militar. Disse estar para breve o reequipamento do Batalhão Operacional Aeroterrestre e, na generalidade da Brigada de Reacção Rápida, a aquisição de (152) novas viaturas tácticas ligeiras blindadas, processos decorrentes da recente aprovação da Lei de Programação Militar. Referiu-se ao trabalho desenvolvido na Escola e à enorme honra que é o seu reconhecimento através da imposição da Ordem Militar de Cristo, mais um marco na História das Tropas Pára-quedistas, e terminou saudando no comandante da Escola todos os militares e civis que ali servem o Exército e mantêm viva a mística pára-quedista e uma referência especial às Associações de Pára-quedistas Portuguesas.
O actual CEME é “um homem da casa” que além de ter em Tancos feito parte substancial da sua carreira como subalterno, capitão, major e tenente-coronel, comandou a “Casa-Mãe” como coronel e foi mais tarde, já major-general, comandante da Brigada de Reacção Rápida. Trata-se do primeiro pára-quedista militar que ascendeu ao comando do Exército Português.
Seguiu-se a imposição das insígnias da Ordem Militar de Cristo no Estandarte Nacional da Escola de Tropas Pára-quedistas, a tradicional e emotiva apresentação das Associações de Pára-quedistas vindas de diferentes partes do país, desfilando em impecável ordem, a imposição dos “Grifos” aos militares pára-quedistas com familiares também pára-quedistas e as demonstrações terrestre e aeroterrestre. Se na primeira os elementos da “recruta” mostraram já algumas das suas capacidades, também militares pára-quedistas executaram diversas aulas do curso de pára-quedismo militar.
Espírito de corpo e confraternização
São certamente diferenciadas as motivações que levam a Tancos, nesta data, milhares de antigos pára-quedistas militares, suas famílias e cada vez mais amigos destes, que ali se deslocam para tomar contacto com esta singular realidade. Seria interessante até estudar este facto para se poder opinar com base científica sobre o tema, mas não deixamos de notar que apesar de todas as diferenças entre os indivíduos – postos diferentes durante o serviço activo, origens geográficas, situação social e económica de cada um no momento do serviço militar e na actualidade, género, idade, época e ambiente em que ali estiveram, unidades onde serviram depois da “casa-mãe” e até as amizades e inimizades adquiridas nesta unidade – apesar de tudo isto e certamente mais, há um espírito de corpo que foi incutido e que junta os “boinas verdes” de Portugal neste dia. Ali encontramos antigos militares do Curso de Espanha (1955) mas também dos últimos cursos já neste século XXI, bem depois da polémica transferência das Tropas Pára-quedistas da Força Aérea para o Exército por decisão política em 1JAN1994. Mais de vinte anos passados sobre este traumático acontecimento, ainda vivo na memória de muitos dos presentes e que à data se anunciava como o fim prematuro da “aventura pára-quedista” iniciada nos ano 50, a realidade é que os principais factores diferenciadores do militar pára-quedista em relação aos demais, têm-se mantido. Sem dúvida muito graças ao curso de pára-quedismo militar ministrado por oficiais e sargentos instrutores que têm tido o saber necessário à sua execução com profissionalismo e elevados padrões de segurança; ao discernimento dos oficiais em posição de comando que gerem uma situação com dificuldades externas de vária ordem, com efeitos corrosivos no dia-a-dia das unidades, algumas sem paralelo na história destas tropas, embora também seja verdade que problemas e convulsões, por vezes dramáticos, quase terminais, façam parte do percurso histórico das Tropas Pára-quedistas; e, acima de tudo, à generosidade daqueles que se oferecem para servir nos pára-quedistas e que dão o seu melhor no sentido de conseguirem a boina verde. Apesar de todos os constrangimentos e limitações, o futuro depende dos jovens soldados que perseguem hoje como no passado, em todas as épocas, o desejo de saltar de uma aeronave em voo, cumprir o serviço militar, seja como contratado seja como profissional, numa força com as características dos pára-quedistas. Quem sempre viveu de voluntários, mesmo quando o contrário acontecia com praticamente todos os outros militares portugueses, sabe que não é fácil. O momento actual é aliás particularmente difícil e basta ver o número de recrutas formados na parada, cerca de 100, para disso tomar consciência. O esforço de recrutamento é critico e é na Escola de Tropas Pára-quedistas, onde todos os pára-quedistas militares portugueses são formados, que isso se reflecte primeiro.
Até hoje foram formados 45.906 pára-quedistas em Tancos. Muitos já faleceram, outros caíram no cumprimento do dever no decurso da Guerra no Ultramar, em Angola, Moçambique e Guiné, nas missões exteriores na Bósnia-Herzegovina, Timor-Leste, Kosovo e Afeganistão, e na execução de saltos em pára-quedas ou em actividades de instrução. Todos são sempre lembrados neste dia 23 de Maio e este ano não foi excepção pela voz e oração do Padre César Fernandes, também ele antigo Capelão Pára-quedista.
Tendo em consideração os números, não é difícil perceber que cerca de 20% (ou mesmo mais?) de todos os pára-quedistas formados até hoje, estiveram presentes em Tancos este ano porque assim o decidiram, pagando do seu bolso para isso. Se o querer ser pára-quedista é um acto individual, voluntário, que significa esforço e sacrifício, depois de conseguido o objectivo o retorno é difícil senão impossível de quantificar ou definir em palavras. O que se vive em Tancos todos os anos a 23 de Maio, é uma realidade que ajuda a perceber o fenómeno.
Os nossos agradecimento por esta reportagem fotográfica ao Alfredo Serrano Rosa. Mais um 23 de Maio, do hastear ao arrear da Bandeira Nacional na Casa-Mãe de todos os pára-quedistas militares portugueses.
Discurso do Chefe do Estado-Maior do Exército em Tancos no dia 23 de Maio de 2015: descarregue aqui.
(*) Primeiro oficial pára-quedista português morto em combate, no dia 8 de Maio de 1961, no Bungo/Angola. Manuel Jorge Mota da Costa nasceu a 14 de Março de 1937, na freguesia de Cedofeita, concelho do Porto. Frequentou a Escola do Exército/Academia Militar e foi promovido a Alferes de Infantaria em 15 de Agosto de 1959. Em 6 de Novembro de 1959 recebe o brevet de pára-quedista militar n.º 485 no então Batalhão de Caçadores Pára-quedistas. Embarca para Luanda em 17 de Abril de 1961 e morre em combate no Bungo/Uíge no norte da então Província de Angola, a 8 de Maio de 1961. Foi louvado a título póstumo pelo Secretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza Oliveira de Arriaga, “…por actos de extraordinário valor praticados em presença do inimigo… …teve actuação particularmente brilhante na acção que se desenvolveu junto de uma ponte na estrada Bungo-Negage, onde se houve com invulgares heroísmo, abnegação, valentia e coragem e onde perdeu a vida…“
(**) Ordem Militar de Cristo/Fonte: Presidência da República
É uma tradição antiga que as localidades ou as instituições sejam agraciadas com as Ordens Honoríficas Portuguesas.
Em 1837, a Rainha D. Maria II, reconhecendo o acolhimento que teve na cidade de Angra do Heroísmo durante a Guerra Civil, concedeu à cidade a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada. Em 1920, o Presidente António José de Almeida concedeu à cidade de Lisboa a Grã-Cruz da reformulada Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Outras cidades foram agraciadas com graus de Oficial e Cavaleiro desta mesma Ordem.
Até 1962, era feita a concessão de um determinado grau das Ordens Honoríficas. Contudo, depois dessa data, a concessão passou a ser feita sem indicação de grau, criando-se o título de Membro Honorário.
Assim, os corpos militarizados e as unidades ou estabelecimentos militares podem ser declarados Membros Honorários de qualquer das Ordens Honoríficas Portuguesas, sem indicação de grau.
Da mesma forma, as localidades, assim como colectividades e instituições que sejam pessoas colectivas de direito público ou de utilidade pública há, pelo menos, vinte e cinco anos, podem também ser declaradas membros honorários de qualquer das Ordens Honoríficas Portuguesas, sem indicação de grau
Ordem Militar de Cristo
A Ordem Militar de Cristo foi instituída pelo Rei D. Dinis em 1318 e confirmada pela Bula Ad ea ex quibus dada pelo Papa João XXII em Avignon, em Março de 1319. A Bula foi emitida a pedido do Rei D. Dinis para que a Ordem criada sucedesse à Ordem do Templo, extinta em 1311 pelo Papa Clemente V.
Os bens dos Templários ficaram assim atribuídos à nova Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que teve a sua primeira sede na Igreja de Santa Maria do Castelo, em Castro Marim. Em 1356, a sede transferiu-se para o Castelo de Tomar, antiga sede da Ordem do Templo em Portugal.
Tratava-se então de uma ordem religiosa no seu mais estrito sentido, tendo o Papa como soberano e sendo os Grão-Mestres da Ordem cavaleiros professos com voto de pobreza. O primeiro Grão-Mestre foi D. Gil Martins, então também Mestre de Avis.
O momento fundamental para o futuro da Ordem surge com a nomeação do Infante D. Henrique, Duque de Viseu, como “governador e administrador”. O célebre Infante, senhor de grande parte das terras do Reino, não podia fazer voto de pobreza, tendo por isso sido criado o novo cargo.
Sendo função do Infante a administração dos bens da Ordem, não surpreende a utilização dos seus importantes recursos no grande desígnio nacional que eram então os Descobrimentos. A Cruz de Cristo, símbolo da Ordem, conquistou os mares desconhecidos, erguida nas velas das caravelas portuguesas, tornando-se um dos mais reconhecidos símbolos nacionais.
A Coroa Portuguesa exercia, por isso, um total controlo sobre a Ordem de Cristo, muito embora a Santa Sé a continuasse a tratar como ordem religiosa. Por este motivo, a Ordem passou a exercer não apenas a administração espiritual sobre os territórios descobertos mas também a administração temporal, o que lhe deu um vigor singular.
A administração da Ordem permaneceu ligada à Coroa por razões circunstanciais. O Infante D. Manuel era governador da Ordem no momento da sua aclamação como D. Manuel I. Pela bula Constante fide, D. Manuel I foi o primeiro Rei Grão-Mestre da Ordem de Cristo.
No entanto, só no reinado de D. João III, os mestrados das Ordens Militares foram concedidos pelo Papa Júlio III, in perpetuum, à Coroa portuguesa. A bula Praeclara Clarissimi, de 30 de Novembro de 1551, tornou hereditária a administração das Ordens, marcando uma separação entre a Ordem e a Santa Sé que se havia de confirmar com a sua evolução.
É frequente encontrar retratos dos Reis de Portugal em que usam as insígnias da Ordem de Cristo, o que parece atestar a importância que a Ordem teve ao longo dos séculos. Com a reforma da Rainha D. Maria I, pela Carta de Lei de 19 de Junho de 1789, os monarcas passaram a ostentar a Banda das Três Ordens.
No que se refere à Ordem de Cristo, a lei deixou claro que os membros da Ordem de Cristo continuavam a ter precedência sobre os de Avis e os de Sant’Iago da Espada, havendo preocupação manifesta na referência a que desta ordem não “se possa concluir, nem pretender que os Grans-Cruzes de Sant-Iago são inferiores aos de Christo” (MELO, Olímpio de; Ordens Militares Portuguesas e outras Condecorações, Imprensa Nacional, Lisboa, 1922, p. 33).
Ficaram também defenidos, na Carta de Lei, os fins aos quais estaria associada a concessão da Ordem de Cristo no futuro: “Os maiores Postos, e Cargos Politicos, Militares, e Civis, serão ornados havendo Serviços, com o Habito da Ordem de Cristo” (Ibid., p. 34).
O indiscutível prestígio da Ordem, enquanto sucessora da Ordem do Templo e impulsionadora dos Descobrimentos, encontrou assim continuação no fim que lhe foi associado enquanto ordem honorífica, o de agraciar os mais altos cargos da nação.
Extinta pelo Decreto de 15 de Outubro de 1910, juntamente com as “antigas ordens nobiliárquicas”, foi restabelecida pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1918, ficando então “destinada a premiar os serviços relevantes de nacionais ou estrangeiros prestados ao país ou à humanidade, tanto militares como civis”.
Na legislação de 1962 e na de 1986, a Ordem Militar de Cristo continuou associada ao exercício de funções de soberania e, em especial, à diplomacia, à magistratura e à Administração Pública. Finalmente, na legislação de 2011, voltou-se à referência mais genérica ao “exercício das funções de soberania”.
Neste sentido, ao longo do século XX foram agraciados com a Ordem Militar de Cristo os titulares dos mais altos cargos da nação, como os antigos Presidentes da Assembleia da República, antigos Primeiros-Ministros e membros do Governo e antigos Chefes Militares.
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