O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (II- Conclusão)
Por Miguel Machado • 19 Mar , 2012 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintO “Bérrio” tem uma guarnição de 71 militares, é classificado como um reabastecedor de esquadra ligeiro com capacidade para fornecer, simultaneamente, combustíveis, água, géneros e munições a um máximo de três unidades navais em trânsito. Quando há a necessidade de enviar navios de guerra para um teatro de operações, a presença de um reabastecedor é pouco menos que imprescindível. Sem ele, a esquadra fica com a sua acção limitada.
Continuamos aqui a primeira parte da reportagem feita no “Bérrio” quando atracado na Base Naval de Lisboa. Refere-nos o comandante Dias Correia, “…temos capacidade para transportar 2 milhões e 800 mil litros de combustível nos três tanques centrais no navio. Também temos tanques laterais mas não utilizamos uma vez que, sendo o “Bérrio” um navio de casco simples, e havendo regiões onde há a obrigatoriedade destes navios disporem de duplo-casco, assim podemos continuar a navegar…“.
Podemos dizer, sem grande rigor técnico mas para ilustrar o funcionamento do navio, que se dividem – navio e guarnição – em dois! Ou seja, parte do navio e da guarnição estão empenhados nas tarefas de navegar e outra parte no Reabastecimento no Mar (RAS – Replenshipment At Sea).
Em linhas gerais, da Ponte de Comando para a proa do navio é o “reino” do RAS (Replenshipment At Sea), com o parque de tanques, o sistema de reabastecimento e o paiol das mangueiras; para a popa tudo o resto, como o convés de voo, porão de carga seca, paióis de munições, casa das máquinas, todo o sector de alojamentos e mais um sem número de espaços que vão de câmaras frigoríficas a oficinas, passando por secretarias, enfermaria e outros.
O “Bérrio” possui 3 centros de comando e controlo: o Centro de Operações (contiguo à Ponte de Comando), onde são tomadas as decisões ao nível táctico e operacional (emprego de armas, condução de operações RAS; busca e salvamento no mar); a Ponte onde se controla a manobra do navio e garante a segurança da navegação; o Centro de Controlo do Sistema Propulsor e de Produção e Distribuição de Energia, mais conhecido pela sigla MCR (Machinery Control Room).
No que respeita à Limitação de Avarias, preocupação de altíssima prioridade em qualquer navio de guerra, é aqui, talvez, ainda maior. Afinal de contas costumam transportar qualquer coisa como 2 milhões de litros de combustível… Existe um conjunto de sensores, associados a um sistema de alarme de incêndios e detecção de incêndios (o “Minerva”) que se encontra na Ponte e um quadro repetidor no MCR. São 19 zonas de detecção no navio, cada uma abrangendo vários compartimentos e alguns destes com vários tipos de sensores. Curiosamente durante a nossa visita tivemos oportunidade de ver o sistema “Minerva” em acção e não foi exercício. Foi detectado gás (?) proveniente de um teste que se estava a fazer a um gerador, o sensor no local accionou o alarme e…em, talvez num minuto ou pouco mais, o assunto ficou resolvido. Mas foi mesmo, desta vez não foi “a brincar”, embora se tratasse de um incidente mínimo. Nunca fiando, as coisas nesta área são levadas mesmo muito a sério.
Importância de um reabastecedor
Um navio deste tipo, sendo único na nossa Marinha e em Portugal, tem uma importância talvez maior do que à primeira vista possa parecer. E não se pense que se trata de uma necessidade doutrinária (porque os manuais dizem que deve existir!), não, trata-se de uma real necessidade para os dias que correm e, certamente, ainda mais no futuro. Já veremos porquê, mas antes, só para dar um pequeno exemplo dessa necessidade em operações reais recentes no Índico, note-se o que nos diz o Capitão-Tenente Nolasco Crespo, envolvido que esteve na operação “Atalanta”: “…a certa altura a esquadra multinacional que combatia a pirataria perdeu o seu único reabastecedor, um navio espanhol, por avaria… …passamos a ter que nos deslocar da zona de operações para o Djibuti a fim de reabastecer, logo perdeu-se tempo, dinheiro e disponibilidade de meios no mar, e enquanto acostados necessitamos de empenhar pessoal e recursos em tarefas de segurança – e os riscos são naturalmente maiores, embora ali não houvesse, em principio, problemas – pagamos uma diária ao porto e o próprio combustível que ali metemos nos navios é muito mais caro do que o fornecido pelos meios multinacionais”. Ou seja, menos tempo em operações, mais riscos com a segurança física do navio e do pessoal e mais dinheiro gasto, tudo por falta do reabastecedor.
Olhando para a realidade actual neste mundo em que vivemos e para o futuro próximo, como nos diz o comandante Dias Correia, tudo indica continuará a haver “…uma maior disputa pelos recursos naturais – veja-se o caso da Líbia e cada vez mais o que se vai passando no Golfo da Guiné/Nigéria, e mesmo, de novo, junto às Falkland – e nós podemos ser chamados a participar… …também as questões ligadas à globalização mostram que continuam as tensões e crises em vários pontos do globo, muitos junto aos litorais para onde, tendencialmente, as populações vem caminhando… …forças navais nestes locais necessitam sempre deste tipo de navios…“.
Mas não se julgue que a Marinha está a pensar apenas em missões expedicionárias, mesmo que nós, cada vez mais estejamos menos presentes. Isto até pode ser compreendido pelos aliados num determinado momento, mas não será com agrado que nos vêm sistematicamente “assobiar para o lado” como no caso da operação na Líbia.
Portugal tem uma enorme Zona Económica Exclusiva, 1.7 milhões de quilómetros quadrados, onde naturalmente devemos cuidar de proteger os nossos recursos naturais, acrescentando-se agora (nos últimos anos) o projecto de alargamento na Plataforma Continental. “Actualmente esta coincide com a ZEE e nós pretendemos – o que foi proposto às Nações Unidas – o alargamento da nossa responsabilidade, da nossa posse, pelo “fundo do oceano”, para mais do dobro desta área, para 3,8 milhões de quilómetros quadrados. Para se ter uma ideia, isto representa 85% da área total da União Europeia a 27, diz-nos Dias Correia.
Vem a “talhe de foice” referir que a Marinha esteve envolvida neste projecto com pessoal e dois navios, o “Gago Coutinho” e o “D. Carlos I”, entre 2004 e 2009 e agora o governo anunciou que vamos, o Estado Português, receber um novo navio: o “Noruega”, patrocinado, não sabemos em que percentagem, por este país nórdico. Achamos estranho ter entendido à data da “oferta” que não irá ser operado pela Marinha mas pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Quisemos ouvir a opinião do Comandante Dias Correia sobre isto, que nos parece uma bizarria havendo meios navais e pessoal na Marinha – que cada vez navegam menos -, mas…. nada lhe conseguimos arrancar!
Voltando à importância do “Bérrio”, ou de um outro reabastecedor, é por demais evidente, sendo Portugal um país com esta enorme ZEE e dois Arquipélagos – 13 ilhas habitadas – muito dependentes do transporte marítimo, em caso de catástrofes naturais severas, pode mesmo ser este o único meio de lá se chegar com grandes quantidades de carga e combustíveis. Se não o tivermos e se a sua guarnição não estiver treinada, não será depois da desgraça que, em horas, se poderá acudir a quem necessite.
Foi uma visita esclarecedora e interessante a um velho navio de guerra, pouco conhecido, que continua operacional, imprescindível para muitas missões. Já me esquecia, uma última singularidade, foi também aqui que pela primeira vez na Marinha Portuguesa, embarcaram militares do sexo feminino. Correu bem, hoje estão em muitos outros navios e missões e no “Bérrio” também.
Leia aqui a primeira parte desta reportagem: O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (I)
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