O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (I)
Por Miguel Machado • 16 Mar , 2012 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintO NRP “Bérrio” é na realidade um navio singular, desde logo por ser o único reabastecedor de esquadra ao serviço, mas também pelas suas dimensões e tonelagem, as maiores de um navio da Marinha Portuguesa na actualidade.
Não menos significativo ainda o facto de não haver em Portugal equivalente civil para as suas funções, que sendo em primeiro lugar de apoio aos outros navios combatentes da Marinha, é a única “ferramenta” com as suas características a que o Estado Português – sem pedir apoio a estrangeiros – pode recorrer para emprego em situações de catástrofe. Nos dias que correm, mesmo a GALP utilizadora de navios para transporte de combustível, adoptou a modalidade de alugar quando precisa. Resta-nos assim, disponível em caso de necessidade para fazer face a situações de emergência civil (por exemplo nos Arquipélagos), em mãos puramente nacionais, o “Bérrio”, com capacidade de transporte e fornecimento de combustíveis em grandes quantidades, água potável, alguma capacidade de carga geral e pessoas.
Visitamos o “Bérrio” poucos dias antes de mais um exercício da Marinha Portuguesa, sinal dos tempos, o único anual de grande dimensão e que envolve parte muito importante da sua força naval disponível – uma fragata, a Corte-Real, está em trânsito para o Índico onde vai participar em mais uma missão de combate à pirataria integrada numa força multinacional. O ambiente é descontraído mas de trabalho e estão a bordo militares de outros navios que participarão no exercício e aqui vêm acertar detalhes (e mesmo testar procedimentos) sobre as acções de reabastecimento em alto mar, e ainda técnicos da EID que instalam na ponte a versão táctica do MMHS2 (Military Message Handling System), para permitir a troca entre navios, via rádio, de mensagens com anexos acoplados e não apenas com texto como até aqui.
Numa primeira observação o “Bérrio” distingue-se pelas suas dimensões, dali olha-se para a “Vasco da Gama”, acostada logo ali na Base Naval de Lisboa, de cima para baixo…o que não é habitual. Mas também, diga-se em abono da verdade, pela sua idade. O “Bérrio” embora tenha entrado ao serviço da Marinha Portuguesa há “apenas” 19 anos, está a navegar há 42. Serviu na britânica Royal Fleet Auxiliary e com ela participou na Guerra das Falklands (em 1982) apoiando os navios da Royal Navy e em muitos outros pontos do globo, nomeadamente em várias das chamadas “guerras do bacalhau” nas águas da Islândia, que evolveu navios de guerra britânicos em apoio da sua frota de pesca e a guarda costeira islandesa. Até participou numa acção que a nossa velha aliada desencadeou contra nós, em África, o bloqueio naval ao Porto da Beira (Moçambique) em 1971, o qual, acabou por não ter consequências de maior, mantendo Portugal o apoio à então também nossa aliada Rodésia (hoje Zimbabué). Um veterano dos “7 mares” que chegou a Portugal em 1993 para substituir o “São Gabriel” (A5206).
Em Portugal o “Bérrio”, aumentado ao efectivo em 31 de Março de 1993, já prestou bons serviços e assim vai ter que continuar por mais uns anos, espera-se que…não muitos. Perante a inevitável pergunta, o Capitão-de-Fragata Armando Dias Correia, 45 anos de idade e 26 de Marinha, comandante do navio desde 4 de Novembro de 2010, afirma que “a única informação que há neste momento disponível diz-nos que não será nada provável antes de 2018“.
A Marinha Portuguesa participou com o “Bérrio”, logo em 1995, na operação multinacional (UEO/NATO) “Sharp Guard” no Mar Adriático, em apoio directo às unidades navais ali efectuavam missões de vigilância marítima nas costas da Ex-Jugoslávia, e em 1998, numa missão exclusivamente nacional – aqui tivemos que nos desenvencilhar sozinhos, o que por vezes acontece é bom não esquecer – a Operação “Falcão”, conhecida também como “Crise na Guiné-Bissau”, onde vários navios nacionais foram apoiados pelo “Bérrio”. Recorda o actual comandante nas páginas da Revista da Armada (Abril 2011) que o navio “…levou a bordo um grupo médico-cirúrgico (1 cirurgião, 1 anestesista, 3 enfermeiros e 2 auxiliares socorristas), um grupo de Mergulhadores Sapadores, um grupo de morteiros e um grupo de apoio de serviços do Corpo de Fuzileiros (…) assegurou a sustentação logística da força envolvida (fragata “Vasco da Gama”, corvetas “Honório Barreto” e “João Coutinho”) na evacuação de civis e militares nacionais e ainda reabasteceu a fragata “Drogu” da Marinha de Guerra Francesa, que se encontrava naquele espaço geomarítimo…“. De realçar também nesta operação, o que certamente foi uma lição aprendida, entre muitas outras, a circunstância do “…convés de voo (do “Bérrio”), aprovado para operações com helicópteros o que veio a revelar-se de enorme importância quando o navio-chefe (uma fragata) tinha de operar com dois helicópteros em simultâneo e precisava de convés livre para imprevistos ou emergências…” (in “Bissau em Chamas” de Alexandre Reis Rodrigues, 2007).
O envolvimento do navio em acções de treino foi sempre intenso e são muitos e muitos os importantes exercícios nacionais e multinacionais em que participou. Acresce que dadas as suas características é um meio naval muito utilizado, não só para o seu trabalho principal – reabastecer permitindo maior autonomia aos meios navais apoiados – como para simular nestas actividades navios civis (“hostis”, “transportando materiais ilícitos”, “ocupados por terroristas e reféns”,etc), podendo parecer pouco significativo, mas a realidade é que não há alternativa disponível, mesmo para isto, a não ser que se alugassem navios mercantes para o efeito. Por exemplo, para este próximo exercício da série “Instrex”, o “Bérrio” vai embarcar uma equipa “Autonomous Vessel Protection Detachment” (AVPD) do Corpo de Fuzileiros que ali vai treinar missões de protecção a navios mercantes, as quais hoje em dia tanto são levadas a cabo por forças militares como por empresas especializadas.
Como nos refere o Imediato do “Bérrio”, Capitão-Tenente Nolasco Crespo, 40 anos de idade, 22 anos de Marinha, 13 dos quais embarcado, “Nada substitui o treino de mar, mesmo que em terra, como fazemos, se repitam semanalmente inúmeras rotinas em diversas áreas do navio, não é a mesma coisa, não nos conseguimos treinar nem avaliar de modo idêntico ao que fazemos quando navegamos“.
E, mais uma vez a malfadada crise que a todos afecta e nas Forças Armadas já é um “processo em curso” há mais tempo do que muitos possam julgar, ficamos a saber pelo comandante Dias Correia que se navegam cada vez menos horas por ano e questionado para nos dar um número: “Nos últimos 10 anos este navio passou de uma média anual superior a 2.000 horas de navegação/ano para menos de 500, actualmente“.
Leia também a segunda e última parte desta reportagem, aqui: O “BÉRRIO”, UM NAVIO SINGULAR (II). Neste segundo artigo explicamos com mais algum detalhe o funcionamento do navio e suas características e falamos ainda sobre a importância deste meio naval nos tempos que correm e no futuro.
Miguel Machado é
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