O “SIROCO” A CAMINHO DA MARINHA PORTUGUESA?
Por Miguel Machado • 4 Mai , 2015 • Categoria: 01. NOTÍCIAS PrintAinda não é certo, mas parece que as questiúnculas político-eleitorais deixaram de ter importância no processo, e o Ministro da Defesa Nacional determinou que «…o EMGFA, em articulação com a Marinha, apresenta-me, até 5 de maio um estudo sobre o impacto da integração de um LPD na Marinha, em termos dos agregados de despesa de Pessoal, Operação e Manutenção e Investimento, considerando as orientações definidas politicamente a serem alcançadas progressivamente até 2020…»
Em 9 de Abril de 2015, o Ministro da Defesa Nacional produziu um extenso despacho, que abaixo transcrevemos, onde justifica o interesse português no navio e os antecedentes doutrinários e práticos no processo decisório – nomeadamente a questão da não inclusão na Lei de Programação Militar que causou a acima referida polémica, a qual chegou a incluir tomadas de posição públicas de chefias militares – além de determinar as acções concretas que poderão levar a uma decisão sobre a compra. Há ainda a considerar, segundo o despacho ministerial, além de outros aspectos, as respostas às seguintes perguntas:
O preço final de aquisição e o inerente plano de pagamento?
Os meios, o armamento, os equipamentos e os lotes de sobressalentes que serão fornecidos com o navio?
O estado de condição em que o navio será entregue incluindo as ações de manutenção a efetuar antes da transferência?
As questões relacionadas com a identificação do detalhe e da formação da guarnição?
Outros aspetos técnicos relativos à manutenção e sustentação do navio? Eventuais termos de garantia?
Aqui fica a transcrição do Despacho n.º 4332/2015 do Ministro da Defesa Nacional, de 9 de Abril de 2015, e de seguida alguns elementos de informação relativos a esta classe de navios.
«O Sistema de Forças (SF) 2014, aprovado em Conselho Superior de Defesa Nacional a 30 de julho, define o conjunto de capacidades militares necessárias ao cumprimento das missões das Forças Armadas, identificando os tipos e quantitativos de forças e meios, considerando as orientações específicas e cenários de emprego identificados no Conceito Estratégico Militar (CEM) 2014, devidamente enquadrados pelo nível de ambição estabelecido.
A Diretiva Ministerial de Planeamento de Defesa Militar, aprovada pelo Despacho n.º 11400/2014, de 3 de setembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 175, de 11 de setembro, estabelece a orientação política para o planeamento de defesa enunciando as linhas orientadoras para as capacidades a edificar e prioridades associadas, tendo em conta o SF aprovado.
Com efeito, a Diretiva Ministerial de Planeamento de Defesa Militar tem por finalidade implementar o planeamento de defesa orientado para o desenvolvimento de capacidades com base no nível de ambição e nos cenários prioritários de atuação com vista a definir os requisitos de capacidades abrangendo o médio e longo prazo.
O atual Conceito Estratégico de Defesa Nacional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 5 de abril, enfatiza a necessidade das Forças Armadas disporem, prioritariamente, de capacidades para os cenários de atuação que se encontram detalhados no CEM, nomeadamente, o cenário de projeção de forças para participação em missões no âmbito da segurança cooperativa ou coletiva, ou ainda num quadro autónomo.
Neste sentido, no âmbito da Capacidade de Projeção de Força, encontra-se identificada a necessidade de Portugal estar dotado com um Navio Polivalente Logístico (Landing Platform Dock— LPD), necessidade essa que o Sistema de Forças Nacional de 1997 já contemplava face à especial importância que a capacidade de projeção de forças passou a assumir no quadro de emprego das Forças Armadas.
Contudo, apesar de a necessidade estar identificada há muito, a definição das prioridades estratégico-militares com vista a colmatar as lacunas identificadas no Sistema de Forças, teve de ser ajustada às disponibilidades financeiras, de forma a não considerar com elevada prioridade a aquisição de meios, cuja estimativa de custos associados poderia comprometer no médio e longo prazo a concretização de outros projetos, igualmente prioritários. Com efeito, de acordo com levantamento recentemente efetuado, a aquisição de um LPD apresentou uma relação investimento retorno operacional que, face à avaliação dos recursos disponíveis e dos rácios de despesa definidos, determinou, por mais de uma vez, o protelar das pretensões da sua aquisição, resultando na não inclusão prioritária na Lei de Programação Militar, sem no entanto menorizar a importância, premência e atualidade da necessidade de um meio desta natureza no Sistema de Forças. Porém, decorrente da entrada ao serviço de novos navios e de uma redefinição do plano estratégico das suas Forças Armadas, a França declarou a intenção de alienar o LPD Siroco, da classe Foudre, sendo que, de acordo com a informação veiculada pelas autoridades francesas a alienação inclui ainda uma Lancha de Desembarque Grande e duas Lanchas de Desembarque Médias. Este navio entrou ao serviço na Marinha francesa em dezembro de 1998, pelo que se encontra a meio da sua vida útil, prevendo-se estar disponível para entrega, pronto para navegar e operar, no início do segundo semestre de 2015.
Neste sentido, e de acordo com as orientações para a Diretiva de Planeamento de Forças (DPF), a Marinha procedeu à reapreciação das prioridades de reequipamento, tendo efetuado uma avaliação da qual resultou a apresentação de uma proposta de ajustamento do esforço de investimento na Capacidade Oceânica de Superfície, no sentido encontrar uma possível solução para acomodar uma eventual aquisição do Siroco.
Esta proposta obteve a concordância, do ponto de vista estratégico-operacional, do CEMGFA e foi posteriormente sancionada pelo CCEM.
Importa, no entanto, reconhecer como fator relevante para a tomada de decisão o facto de a edificação e sustentação de capacidades decorrerem do planeamento de defesa militar, o qual se baseia num processo que articula o planeamento de forças, numa lógica de planeamento baseado em capacidades militares, e o planeamento de recursos, que inclui os financeiros, humanos e materiais, tornando -se assim necessário contemplar, não só a alocação de recursos para uma eventual aquisição como também para a respetiva sustentação ao longo do seu ciclo de vida.
Por conseguinte, a possibilidade de aquisição do Siroco, sumariamente sinalizada supra, evidencia uma oportunidade de colmatar uma lacuna crítica da Capacidade de Projeção de Força do SF, mas faz emergir, igualmente, um conjunto de desafios e riscos (organizacionais, temporais e financeiros) que importa ter em conta na tomada de decisão.
Assim,
Considerando o interesse em colmatar a lacuna na Capacidade de Projeção de Força do SF;
Considerando que, de acordo com a DPF, cabe aos Chefes do Estado-Maior dos Ramos elaborar propostas sobre as necessidades específicas e possibilidades de contribuição dos respetivos Ramos para a ação conjunta das Forças Armadas, bem como, ainda, elaborar propostas de alienação de material considerado excedentário ou cuja sustentação seja inviável no sentido dos recursos financeiros serem dirigidos para a manutenção das capacidades prioritárias;
Considerando a oportunidade que representa a alienação extemporânea, por parte da República Francesa, do Siroco, correspondendo a uma necessidade não satisfeita do SF;
Considerando que importa dar início às negociações formais com o Estado francês tendo em vista a definição das condições de aquisição;
Considerando, também, que a informação disponível é, ainda, insuficiente para habilitar uma tomada de decisão, determino o seguinte:
a) A DGRDN, em articulação com o EMGFA e a Marinha, inicia as negociações formais com o Ministério da Defesa francês no sentido de definir as condições de uma eventual aquisição do Siroco, designadamente: o preço final de aquisição e o inerente plano de pagamento; os meios, o armamento, os equipamentos e os lotes de sobressalentes que serão fornecidos com o navio; o estado de condição em que o navio será entregue incluindo as ações de manutenção a efetuar antes da transferência; as questões relacionadas com a identificação do detalhe e da formação da guarnição; outros aspetos técnicos relativos à manutenção e sustentação do navio; e, eventuais termos de garantia;
b) O EMGFA, em articulação com a Marinha, apresenta -me, até 5 de maio, um estudo sobre o impacto da integração de um LPD na Marinha, em termos dos agregados de despesa de Pessoal, Operação e Manutenção e Investimento, considerando as orientações definidas politicamente a serem alcançadas progressivamente até 2020;
c) Nesta sequência a DGRDN, em articulação com o EMGFA e a Marinha, apresenta-me proposta de eventual aquisição com base nas condições negociadas, contemplando identificação de possíveis fontes de financiamento.
9 de abril de 2015. — O Ministro da Defesa Nacional,
José Pedro Correia de Aguiar –Branco.»
Recorda-se que o contrato para construir um Navio Polivalente Logístico em Portugal, nos Estaleiros de Viana do Castelo, foi assinado em 2005, falando-se durante anos de valores a rondar os 200 milhões de euros. A sua concretização, mesmo com o projecto incluído em contrapartidas militares, foi sempre adiado por sucessivos governos, mesmo que todos declarassem a sua indispensabilidade até à reprivatização dos ENVC. O “Adamastor”, assim se designaria, chegou mesmo a ter o desenho do seu perfil publicado num selo dos CTT em 2005.
Para esta compra do “Siroco”, a tutela do MDN tem referido o valor de 80 milhões de euros, contrapondo que um navio novo custará agora cerca de 400 milhões de euros. A imprensa francesa tem referido que o preço do navio, depois de desarmado, será ainda assim superior em 30% ao pago pelo Chile em 2011 pelo “Foudre” (agora “Sargento Aldea”) tendo este último sido incorporado na Marinha Francesa em 1990 e o “Siroco” em 1998.
O “Siroco” é um navio da Classe “Foudre”, designado pelos franceses como «Transport de chalands de débarquement – TCD» ou Transporte de Lanchas de Desembarque, aquilo que em Portugal se tem designado por Navio Polivalente Logístico, ou em língua inglesa, aliás a utilizada no despacho para caracterizar o navio: Landing Platform Dock— LPD.
Características :
Comprimento – 168 metros (a título de comparação as “Vasco da Gama” têm 115m e o “Bérrio” 140,6m)
Largura – 23,50m
Deslocamento com carga máxima: 12.000 toneladas
Velocidade máxima: 20 nós
Autonomia: 11.000 milhas náuticas (a 15nós de velocidade)
Dois pontos de aterragem de helicópteros e uma área de aterragem secundária.
A característica principal deste navio é possuir uma “doca interior” que pode ser inundada e assim permitir a entrada/saída de embarcações. As dimensões da doca são: 122m de comprimento, 14m de largura e 7,70m de altura.
Capacidade de transporte:
8 Lanchas de desembarque médias (ou outras combinações);
150 Veículos;
2 a 4 helicópteros (curiosamente os franceses têm operado com AL III neste navio);
1.880 toneladas de carga geral;
415 passageiros para viagens longas e até 2.000 para deslocações de 48 a 72 horas.
Tem diverso equipamento electrónico e de comunicações compatível com os navios franceses e em termos de armamento, umas das questões “em aberto” que parece terão influencia no preço final, 2 rampas duplas de misseis antiaéreos “Mistral” , 3 reparos de 30mm e 4 metralhadoras pesadas 12,7mm.
Como navio-hospital pode atribuir a esta função, 500m2, com 51 camas, 2 blocos operatórios, um gabinete de estomatologia, sala de radiologia, laboratório biológico e unidade de queimados
A sua guarnição na Marinha Francesa é de 224 militares.
O “Siroco” deveria estar ao serviço até 2022 porque nessa data entrará ao serviço o 4.º e último navio da classe “Mistral”, um «Bâtiment de projection et de commandement», este sim designado pelos franceses de “Landing Platform Dock— LPD” com 199m e 22.000 toneladas de deslocamento.
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