O EXÉRCITO PORTUGUÊS NA LITUÂNIA
Por Miguel Machado • 15 Abr , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintPela primeira vez uma unidade do Exército Português atribuída à “NATO Response Force” é empenhada como Força Nacional Destacada. A Companhia de Reconhecimento que está na Lituânia desde os últimos dias de Março de 2015 constitui a mais poderosa força blindada que Portugal projectou para o exterior numa missão real desde o final da guerra no antigo Ultramar.
Missão pioneira
Sendo certo que a “Recce Coy/FND/AM2015” (*), se trata de uma unidade apenas de escalão companhia, com 140 militares, também é verdade que o conjunto de viaturas blindadas que compõem esta Força Nacional Destacada (FND), na quase totalidade modernas, justificam a afirmação acima. Também pela primeira vez numa missão real, o Exército Português tem a possibilidade de operar com uma força blindada composta por uma “família” de viaturas (várias versões da mesma viatura para diferentes finalidades operacionais, neste caso 7), o que torna a missão realmente pioneira e certamente irá trazer importantes lições aprendidas para ocasiões futuras. Por muitos exercícios que se façam, e são importantes, é o emprego real que leva à evolução quer em termos de procedimentos quer mesmo na introdução de modificações nos materiais para conseguir a sua optimização.
Em missões anteriores, mesmo em 1996 para a Bósnia onde Portugal empenhou cerca de 1.000 militares, as viaturas blindadas eram em número idêntico ao actual e todas Chaimite V-200, com capacidades muito inferiores às novas Pandur II e equipando apenas uma pequena parte da força. No Kosovo também empenhamos viaturas blindadas – além das M-11 “Panhard”, já lá estão as Pandur II (5 combate de infantaria e 1 oficina de recuperação) – mas sempre em número e/ou capacidades inferiores e no Afeganistão mantivemos apenas os HMMWV com blindagem, embora por vezes com números significativos, mas na realidade não são verdadeiros blindados, apresentando muitas limitações e vulnerabilidades, o que, bem entendido, não significa que para certas missões não sejam as viaturas mais apropriadas. Não será naturalmente por acaso que um dos programas de reequipamento prioritário para o Exército seja o das Viaturas Táticas Ligeiras Blindadas.
Força blindada de rodas
A Companhia de Reconhecimento aprontada no Regimento de Cavalaria n.º 6 (Braga) da Brigada de Intervenção, está actualmente na Lituânia no âmbito das “NATO – Assurance Measures” tomadas na sequência da “crise na Ucrânia”. A Aliança desenvolve um enorme conjunto de actividades militares em vários países do leste da Europa testando assim a sua capacidade de projectar e manter a operar nas suas fronteiras um volume de forças de terra, mar e ar, que há muito não se via. Neste âmbito a Força Aérea Portuguesa irá enviar em Maio e Junho duas parelhas de F-16 para operar na Roménia.
Em termos de organização, a “Recce Coy/FND/AM2015”, aparece referida muitas vezes por “Esquadrão” e não companhia, por ser na origem uma sub-unidade da arma de cavalaria (o Esquadrão de Reconhecimento da Brigada de Intervenção).
Segundo informação divulgada pelo EMGFA (pode descarregar no final do artigo o respectivo “Press-Kit”) esta força é composta por 10 oficiais, 34 sargentos e 96 soldados e cabos, está organizada de acordo com o organograma abaixo e foi equipada com as seguintes viaturas blindadas:
Pandur II 8X8, versões: Infantry Fighting Vehicle (6); Infantry Carrier Vehicle (6); Infantry Carrier Vehicle Remote Weapon System (4); Reconnaissance Vehicle (3); Command Post Vehicle (2); Medical Evacuation (1); Recovery Vehicle (1)
Chaimite 4X4, Chaimite V-200 porta-morteiro 81mm (3)
Viaturas tácticas não blindadas: 6 pesadas, 3 médias, 4 ligeiras e 2 especiais (autotanque de combustível e viatura de recuperação)
Meses de treino intenso
Esta companhia não foi inicialmente preparada especificamente para operar na Lituânia, mas sim em qualquer ponto do globo onde a Aliança Atlântica o determinasse, porque fez parte da componente terrestre da “NATO Response Force” (**) que se preparou durante o ano de 2013 para ser eventualmente empenhada em 2014. Segundo informação disponibilizada pelo EMGFA, “entre Janeiro e Junho de 2013 o treino teve como finalidade ser esta unidade avaliada e certificada no âmbito nacional e até ao final de 2013 o treino operacional teve como finalidade a certificação NATO”. Em 2013 foram mais de 7 exercícios de campo para atingir estes objectivos e também empenhou militares da unidades em exercícios internacionais com o mesmo objectivo, poder ser integrada na NRF em 2014. No ano transacto a “Recce Coy” esteve assim no chamado período de “stand-by”, a aguardar um empenhamento real, e durante o ano, como treino operacional de manutenção das suas capacidades, executou mais uma série de exercícios. A avaliação que a NATO fez do agravamento da Crise na Ucrânia, nomeadamente na Cimeira de Gales (Setembro de 2014), determinou a decisão política portuguesa do empenhamento real da “Recce Coy” como Força Nacional Destacada na Lituânia.
Anualmente, além das forças que o Exército prepara para garantir as missões expedicionárias em curso com efectivos semelhantes a este (neste momento apenas o Kosovo, com 180 militares, e o Conselho Superior de Defesa Nacional já deu “luz verde” a um possível emprego no Iraque/Síria, embora se prevejam efectivos menores), outras unidades estão prontas para eventuais missões de interesse nacional – no âmbito da Força de Reação Imediata do EMGFA para emprego em operações de evacuação de não-combatentes, por exemplo – e outras ainda passam por este processo de ”acreditação” para a NRF da NATO. Genericamente um ano de treino, seguido de outro em “stand-by” para eventual emprego. Neste momento estão em curso, por exemplo, processos semelhantes para forças de operações especiais e para uma força de artilharia de campanha.
Lituânia
Em 11 de Março de 2015 a Companhia de Reconhecimento recebeu o seu Estandarte Nacional como Força Nacional Destacada em cerimónia realizada no Regimento de Cavalaria n.º 6, em Braga, e no final do mês iniciou a projeção dos materiais e pessoal para o teatro de operações. Se tudo decorrer de acordo com o planeado a missão terá uma duração de 4 meses, regressando a força a Portugal em Julho.
A projecção foi feita com recurso a um navio mercante fretado (de Leixões para Klaipeda) e via área, também em aeronaves fretadas para Vilnius, capital da Lituânia. A companhia portuguesa está estacionada perto de Rukla, na Gaižiūnai Training Area, “base militar” lituana muito usada por forças estrangeiras, nomeadamente unidades dos EUA que ali têm feito “rodar” algumas das suas unidades estacionadas em países europeus, quer com meios blindados como a nossa força quer com unidades pára-quedistas. A presença militar nesta região, a mais “militarizada” do país, remonta aos anos 30 do século XX, mas foi durante o período da URSS que ganhou uma enorme dimensão que incluíam uma base aérea actualmente inoperacional. Ali esteve instalada até perto da independência a escola de pára-quedismo das tropas aerotransportas soviéticas.
Capacidades da força
O que se espera da unidade portuguesa, é que participe numa série de exercícios com unidades da Lituânia e de outros países da NATO, estando neste momento a desenvolver esta actividade com uma unidade lituana, a brigada de infantaria mecanizada “Iron Wolf”.
A “recce coy”«…é um sistema de manobra usado para executar Operações de Reconhecimento e Operações de Segurança, pode executar operações Ofensivas e Defensivas, combina a flexibilidade, mobilidade, proteção e poder de fogo, atuando de forma rápida e descentralizada. É um sistema essencial na recolha de informação, essencial para o processo de decisão militar…»
As possibilidades e capacidades anunciadas são:
a. Contribuir para o esforço de pesquisa do escalão superior.
b. Localizar e identificar alvos em condições de visibilidade reduzida.
c. Obter informação sobre o dispositivo inimigo, evitando o empenhamento decisivo.
d. Integrar o Sistema ISTAR.
e. Executar tarefas de Segurança de Área da Retaguarda.
f. Participar em Operações de Estabilização e Operações de Resposta a Crise.
g. Participar em Operações de Contrainsurgência.
h. Atuar de forma independente até ao nível secção.
i. Utilizar os fogos diretos contra infantaria inimiga e forças com blindagem ligeira.
j. Destruir forças mecanizadas utilizando arma anticarro.
Conclusão
Estamos perante uma missão pioneira que certamente trará ensinamentos e ajudará ao desenvolvimento das capacidades do Esquadrão de Reconhecimento da Brigada de Intervenção e naturalmente do conjunto da brigada, a principal utilizadora das Pandur II.
Mostra também que as lacunas do Exército Português não são teóricas e vamos falar de uma delas. O emprego de 3 viaturas Chaimite V-200 porta morteiro 81mm, serve de exemplo claro, e nesta força, como em muitas outras, há vários outros exemplos quer em grandes equipamentos quer em detalhes. Em caso de conflito, até a segurança da unidade poderia estar em causa, estas 3 viaturas não conseguem, nem de longe, acompanhar as Pandur II em muitas situações e têm grandes limitações operacionais e técnicas. Mas, cada país “faz a guerra” com o que tem, e não havendo Pandur II porta-morteiro disponíveis (como previsto no contrato inicial desta família de viaturas, que foi como se sabe interrompido), para garantir o apoio de fogos indirectos as “velhas senhoras”, por incrível que pareça, tiveram que avançar. O morteiro 81 em uso tem capacidades inferiores ao desejável. Talvez convenha aqui lembrar que o Exército vai receber menos 52 Pandur II que o previsto e de algumas versões que poderiam ser usadas nesta força, isso significa, nenhuma ou muito poucas.
Mais uma vez o Exército está a agir como vector privilegiado da política externa de Portugal, definida pelo poder político legítimo, materializando no terreno um empenhamento que é real. O tempo dado ao ramo terrestre para preparar esta força foi extremamente reduzido e só o facto da unidade estar em elevado grau de prontidão permitiu cumprir prazos tão apertados. É uma realidade dos tempos actuais em muitos países, as decisões politicas sobre emprego de meios militares são tomadas cada vez mais “em cima da hora”. Há necessidade de manter sempre forças treinadas e equipadas para intervenção em espaços de tempo cada vez mais curtos. São estes factos e não as declarações retóricas por mais inflamadas que sejam que dão credibilidade e garantem o respeito e admiração dos aliados. Portugal está a cumprir a sua parte e aqui do Operacional só podemos desejar boa missão à “Recce Coy”!
(*) Recce Coy/FND/AM2015: Reconnaissance Company/Força Nacional Destacada/Assurance Measures 2015.
(**) «…O Exército Português tem vindo a contribuir para a NRF de forma ininterrupta desde 2004, inicialmente com unidades de Operações Especiais, passando por Agrupamentos Mecanizados, Batalhões Paraquedistas, Baterias de Artilharia de Campanha, Esquadrões de Polícia do Exército e finalmente, para a NRF 2014, um Esquadrão de Reconhecimento… …A NRF…. …surge pela primeira vez na Cimeira de Praga em novembro de 2002, com o objetivo de permitir à NATO dispor de uma Força credível, de resposta rápida a cenários de crise ou de potencial instabilidade, dentro e fora da área de responsabilidade. O conceito militar da NRF foi aprovado pelo North Atlantic Council em abril de 2003, ao qual se seguiu a execução do plano de implementação até novembro de 2006, data em que foi declarada a Final Operational Capability, na Cimeira de Riga.
A NRF é uma força que pode ter um prazo de prontidão para projeção entre cinco a trinta dias, após ativação. Quando ativada, a sua composição é adaptada de acordo com a operação e com capacidade de ser projetada rapidamente, preparada para operar como força inicial até trinta dias, utilizando os recursos logísticos que incorpora, ou por mais tempo se reabastecida. A NRF é formada por uma componente aérea, terrestre, marítima e de operações especiais, bem como algumas capacidades ou funções específicas, nomeadamente uma componente Nuclear, Biológica, Química e Radiológica. As forças e as capacidades requeridas necessitam de um elevado nível de interoperabilidade, flexibilidade e treino intenso como força conjunta e combinada…» (Capitão Cavalaria Pedro Cabral, Revista do RC 6, Julho 2014. Actualmente Major comandante da “Recce Coy/FND/AM2015”)
Nota sobre versões da Chaimite V-200: alguns autores e mesmo publicações oficiais, referem-se por vezes à Chaimite porta morteiro 81mm, como “V-600”. A versão V-600 da Chaimite, prevista pelo fabricante BRAVIA, foi anunciada mas nunca existiu, nem em protótipo. A actual versão V-200 porta morteiro 81mm foi criada pelo Exército e pela Cadillac Gage, no final dos anos 80 (1987), construída nas OGME a partir de cascos V-200 e recebeu a designação oficial que hoje tem de facto: “Auto-blindado Porta Morteiro 81mm Chaimite D 4×4 M67/87 V-200“.
Descarregue aqui em pdf. “Press-Kit / Recce Coy“.
Sobre a história da Chaimite, leia no Operacional:
CHAIMITE, O COMEÇO ESTEVE PARA SER…NA FORÇA AÉREA
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