O COMBATE DEVERÁ SER TRAVADO NO MEDITERRÂNEO?
Por Miguel Machado • 20 Abr , 2015 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintNo Mediterrâneo vive-se há anos uma verdadeira tragédia humanitária, todos o dizem, especialmente quando mais um naufrágio é noticiado, e este último(?) com um número de vítimas “digno” de tempo de guerra, aumentou o tom dos alertas. A opinião pública indigna-se, mas estarão os eleitores europeus dispostos a pagar para combater o flagelo?
A situação é dramática, ninguém sabe quantos milhares de seres humanos chegam a esta nova “porta de entrada” na Europa, alguns pontos escolhidos no Norte de África – sobretudo na Líbia. Olham para o continente a norte à procura daquilo que para nós será de quase escravidão: qualquer tipo de trabalho, legal ou ilegal. Para estes milhares e milhares de seres humanos é um objectivo pelo qual vale mesmo perder a vida.
No entanto, salvaguardado algumas diferenças, estamos “no mesmo pé” que no combate ao terrorismo (ainda se lembram, houve ataques na Europa e promessas, também por cá de medidas urgentes e eficazes). Quem está disposto a aumentar o investimento nas Forças Armadas para poder combater as raízes deste mal, no Norte de África, no Saará e mesmo para lá do Sahel? Não se trata apenas de busca e salvamento no mar, embora essa seja a prioridade mais urgente, mas alguém tem que ir ao terreno, combater as raízes do mal. Como no combate ao terrorismo, há que passar das palavras à acção. As pessoas que embarcam rumo a Lampedusa dão dinheiro a ganhar a redes organizadas, teme-se até cada vez mais que estas tenham motivações para além do negócio, ligações a actores político-relogiosos, são um ameaça real à Europa, também por isso.
A estabilidade política e social na fronteira sul do Mediterrâneo não poderá ser alcançada apenas com medidas militares – como se viu na sequência do ataque à Líbia em 2011, os europeus que tanto criticaram os EUA por não pensarem no pós-Sadam, ainda fizeram menos no pós-Kadaffi – mas tem que recomeçar por aí.
Estarão os cidadãos da Europa dispostos a enviar os seus militares para combater este flagelo nas suas origens? Para já nada permite responder afirmativamente a esta questão. Na Europa estamos perante realidades muito diferente em termos de capacidades militares e económicas, interesses e vontades. A presença militar europeia em apoio dos governos e forças armadas africanas, não estão a resolver os problemas. Mesmo que ajudem e minimizem o sofrimento de muita gente, a extensão geográfica em causa pede mais, muito mais.
Dois exemplos extremos podem ser dados, França e Portugal. Pode-se dizer que os dois têm militares empenhados em missões autónomas ou sob bandeira da EU e da ONU ajudando sem dúvida a estabilizar a situação política e militar em países do Sahel e outros.
França é o país europeu que tem o maior empenhamento no terreno mas se outros não o seguirem – o que será o mais provável, perante as realidade que acima apontamos – a situação actual não sofrerá grande alterações. Para se ter uma noção disto, note-se a figura acima (unidades francesas “pré-posicionadas” – ou seja estão ali aquarteladas – e em “operações”), que mostra onde estão, em África, cerca de 6.000 militares, dezenas de aviões de vários tipos, drones, helicópteros e veículos blindados e outros.
As operações mais significativas em curso são a “Barkhane” com Mauritânia, Mali, Níger, Chade e Burkina-Faso, onde envolve 3.000 militares, 22 helicópteros, 200 veículos blindados e igual número de viaturas logísticas, 6 aviões de caça, 7 de transporte e 4 drones; na República Centro Africana no âmbito da operação “Sangaris” empenha 2.000 militares, 179 veículos de combate, 14 helicópteros e 8 drones ; na Somália envolve 200 militares, 1 fragata e 1 avião, na luta contra a pirataria; outras operações mais pequenas como a “Corymbe”, na qual participa o navio “Siroco” que Portugal parece querer comprar, asseguram a presença naval francesa na costa ocidental de África.
Portugal mantém na MINUSMA, 1 C-130 e 47 militares, na EUTM Mali, 9 militares, na EUTM Somália, 3 militares e na EUNAVFOR Atalanta, 1 militar. Também participamos em exercícios conjuntos com países amigos na costa Ocidental de África, onde empenhamos recentemente, por umas semanas, 1 fragata e 172 militares e aeronaves P-3C CUP+ da Esquadra 601 .
Além destes extremos, outros países envolvem tropas em missões sob os auspícios das Nações Unidas e da União Europeia, em níveis muito diferenciados. Apenas para dar um exemplo, EUTM Mali estão presentes 23 países europeus, sob o comando de um oficial general espanhol, sendo cada vez mais dificil identificar o contributo de cada país porque as alterações são muito frequentes e a tendência – seguida por Portugal também – é fornecer determinados meios e efectivos por períodos de tempo cada vez menores, meses, e não a totalidade da duração das missões.
Aumentar a capacidade para salvar vidas no mar Mediterrâneo e depois alojar temporariamente os náufragos poderá muito bem ser o melhor que se consiga no imediato. É muito mais barato e menos arriscado do que intervir militarmente em África, e sossega as consciências de quem vê pela televisão as dramáticas imagens dos sobreviventes, e depois, as condições de vida que se seguem até serem repatriados ou, poucos, conseguirem um visto de entrada num país europeu.
Nenhum partido político por cá defende o aumento do investimento nas Forças Armadas para as dotar de meios humanos, materiais e financeiros capazes de travar esta guerra para ganhar. O combate a este flagelo tudo indica vai continuar apenas no Mediterrâneo e não onde também devia, em África, apoiando os seus governos e forças armadas.
Também publicado no Diário de Noticias de 21ABR2015 (versão sintética): O COMBATE DEVERÁ SER TRAVADO NO MEDITERRÂNEO?
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