NOVOS LANÇA GRANADAS AUTOMÁTICOS CHEGAM AO EXÉRCITO
Por Miguel Machado • 3 Ago , 2018 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI, 07. TECNOLOGIA, EM DESTAQUE PrintO Exército Português acaba de receber novos Lança Granadas Automáticos e o Operacional acompanhou a formação inicial que o fabricante ministrou a oficiais e sargentos, futuros instrutores. O Grenade Machine Gun 40mm x 53 da Heckler & Koch é uma arma testada em combate, acrescenta poder de fogo significativo às unidades que o vão receber e é bem possível que em breve já estejam ao serviço na 4.ª Força Nacional Destacada na República Centro Africana. Fazemos ainda uma síntese da história deste tipo de arma em Portugal e a sua utilização em combate pela GNR no Iraque.
O Lança Granadas Automático (LGA) é uma arma que até já tem alguma tradição nas Forças Armadas Portuguesas – ver síntese histórica no final deste artigo – mas agora vai conhecer uma distribuição alargada a várias unidades do Exército. O número de armas em causa, várias dezenas, significa um aumento significativo do poder de fogo da Brigada de Reacção Rápida, naturalmente por ser a mais ligeira, mas também da Brigada de Intervenção.
No final do mês de Julho 2018 o fabricante alemão enviou a Portugal uma equipa para fazer a apresentação detalhada da arma, ensinar do ponto de vista técnico todos procedimentos para operar o material adquirido, realizar as acções de manutenção ao nível dos operadores e treinar prática de tiro com uso de tripé e de montagem veicular. Mesmo não sendo essa a finalidade da formação ainda houve tempo para alguma troca de impressões sobre o emprego táctico da arma, não só porque o formador – antigo militar – tinha experiência operacional no Afeganistão, como alguns dos militares portugueses também já tinham alguma experiência com LGA em vários teatros de operações. Está prevista nova acção de formação para o pessoal que irá ficar com a responsabilidade da manutenção em escalões mais elevados, acima do utilizador.
O Grenade Machine Gun 40mm x 53 (GMG) é uma das compras feitas pelo Exército através da NATO Support and Procurement Agency (NSPA), e que agora chegou a bom termo. Sendo uma arma testada em combate por vários países em diferentes cenários de guerra, e reconhecidamente muito fiável, não são de esperar grandes problemas, mas é sempre desejável (até diríamos imprescindível!), acompanhamento por parte do fabricante neste período inicial de utilização operacional que em breve se iniciará, para se garantir tirar o máximo rendimento da arma. Ao fabricante chegam naturalmente as “lições aprendidas” dos utilizadores de todo o mundo – do ponto de vista técnico – e assim se evitam erros já cometidos por outros.
Características gerais do GMG
O GMG adquirido é composto no essencial por três componentes: a arma; o apoio superior; e um tripé.
O apoio superior (berço) liga a arma ao tripé (ou a uma viatura ou embarcação) amortece o recuo da arma ao disparar – que é reduzido, diga-se – e tem pontos de fixação para calha Picantinny onde se coloca a mira-Reflex (a arma inclui também uma mira mecânica rebatível); inclui alguns acessórios, uns mesmo indispensáveis ao uso da arma outros aconselháveis. São eles, o suporte da caixa de munições; o suporte de ombro – que vários utilizadores referiram ser excelente para operar a arma; o gatilho lateral (tipo punho de motociclo).
O tripé, bastante robusto, tem várias posições para permitir o uso da arma desde um nível muito junto ao solo – com o “artilheiro” sentado – até uma posição bem mais elevada com o “artilheiro” em pé, podendo assim, por exemplo, fazer uso da arma 360º com grande rapidez.
A arma propriamente dita é no fundo uma metralhadora para granadas de 40mm, composta por um cano, uma caixa onde funciona o conjunto da culatra, o sistema de alimentação e os elementos de comando (gatilho, alavanca de carregamento, selector de tiro – segurança, tiro a tiro, rajada). O sistema de alimentação por fita (granadas de 40mm ligadas por elos), pode ser usado de ambos os lados da arma não sendo necessário o uso de ferramentas para fazer essa mudança, mesmo que, visivelmente seja necessário boa proficiência no manuseamento do material para o fazer com sucesso e em pouco tempo. A arma também pode disparar as granadas, sem elos, uma a uma, colocadas manualmente.
Em alguns exércitos o GMG também é usado em sistemas RWS (Remote Weapon System) para conferir mais protecção aos operadores, à semelhança do que por exemplo a BrigInt tem na Pandur II 8X8 com a Browning 12,7mm. Este sistema é sem dúvida bom mas tem no entanto a limitação do municiador para substituir a caixa de munições ter que ficar exposto.
É uma arma em que não é difícil fazer tiro com grande precisão e logo nos disparos iniciais como verificamos. Permite tiro (diurno e nocturno) sobre uma grande variedade de alvos – pessoal, viaturas, abrigos – até uma distância muito considerável (1.500m ou mesmo mais), quer em situação defensiva (tipicamente com tripé) ou ofensiva, naturalmente acoplada a viaturas.
Dados Técnicos do fabricante
Calibre: 40mm x 53 NATO
Alimentação por fita (que pode ser usada pela esquerda ou direita, para permitir o uso da arma em vários apoios, posições, torres de veículos, etc); pode fazer fogo tiro a tiro e rajada; cadência de tiro – 350 granadas por minuto; alcance máximo – 2.200m; efectivo com mira Reflex – 1.500m
Comprimento: 1.180mm; largura (com caixa munições) – 920mm; altura (com mira Reflex) – 540mm; altura com a mínima elevação do tripé – 550mm; altura com máxima elevação do tripé – 1.495mm
Peso da arma – 29Kg; peso do Tripé – 15Kg; peso do apoio superior (com mira Reflex) – 12,3Kg; peso de caixa de munições (com 32 granadas) – 20,2Kg; peso do sistema com todos os acessórios e caixa munições carregada: 78,6kg
Formação e Treino
Vamos dar uma panorâmica geral sobre a formação e treino a que assistimos, primeiro passo concreto para permitir o uso desta arma pelas unidades que a irão receber. Tratou-se de um programa simples, virado para a prática, elaborado pelo fabricante e seus representantes em Portugal em coordenação com o Comando das Forças Terrestres (Logística) e Comando da Logística (Unidade de Apoio Geral de Material do Exército). Foi em Benavente na UAGME que decorreu o primeiro dia de formação, teoria – pouca – e contacto com a arma, montar/desmontar, funcionar sem munições. Seguiu-se no dia seguinte novo treino de preparação para tiro e tiro no Campo de Tiro em Alcochete.
Presentes na formação oficiais e sargentos 8 unidades em cujos quadros orgânicos de material se prevê este tipo de arma, ou dela necessitam para efeitos de depósito: 1.º Batalhão de Infantaria Paraquedista; 2.º Batalhão de Infantaria Paraquedista; Centro de Tropas de Operações Especiais, Regimento de Comandos, Regimento de Infantaria n.º 13; Regimento de Infantaria n.º 14; Regimento de Lanceiros n.º 2; Unidade de Apoio Geral de Material do Exército.
Segundo o responsável por esta formação, o Major CMD Pedro Luís do CFT, deverá seguir-se a elaboração dos respectivos manuais e fichas de instrução o que permitirá aos oficiais e sargentos agora formados ministrar de forma consistente a instrução às futuras guarnições das armas. Prevista estará ainda uma acção de formação para o pessoal do Serviço de Material que terá que lidar com aspectos mais complexos relativos à manutenção, sendo certo que as armas têm garantia e o fabricante dá o apoio necessário neste período inicial.
No final dos dois dias os “formandos” ficaram a saber, praticando: montar e desmontar da arma e todos os assessórios adquiridos pelo Exército, desde os contentores de transporte até à posição de tiro; preparar a arma para tiro (montagem, verificações, segurança, alinhamento das miras com as armas, entre outros aspectos); execução de tiro a tiro e de rajada, com uso de tripé – duas posições – e em HMMWV; noções básicas de manutenção da arma. Dada a altura do ano e os perigos de incêndios apenas foram usadas munições de instrução e sem dispositivos fumígenos.
Tendo em atenção o peso da arma esta destina-se sobretudo a ser montada/transportada em viaturas, embora a carga possa ser naturalmente transportada pela sua guarnição. No Exército alemão a guarnição tipo do GMG são 4 militares: observador; artilheiro; dois municiadores.
O formador deu grande enfase aos aspectos ligados aos procedimentos e sistemas de segurança da arma, tem vários, e aos problemas/incidentes que podem ocorrer se a correcta sequência de acções para operar o GMG não for seguido. As munições, desde que sejam as padronizadas na NATO, têm elas próprias também distâncias de segurança para “armar” evitando, por exemplo, o rebentamento muito perto da arma no caso de ser atingido um alvo a menos de 40m.
Ainda se abordou a questão das novas munições – a HK não fabrica nem fornece munições, estas são adquiridas em firmas especializadas, por exemplo as que foram usadas em Alcochete eram austríacas, da Rheinmetall/Arges – que estão em testes mas ainda carecem de certificação para serem colocadas no mercado. Estas permitem determinar o ponto de rebentamento, possibilitando assim, por exemplo, atingir os alvos “pelas costas” fazendo-as rebentar depois de passar por cima uma posição defensiva (ou entrando por uma janela), quando regra geral os militares instalam-se com protecção apenas pela frente (muros, sacos de areia, etc). Claro que serão bem mais caras do que as actuais.
O GMG adquirido pelo Exército pode usar todos os tipos das actuais munições “NATO Standart 40mm x 53”, ou seja, munições de treino (com e sem dispositivo fumígeno), e dois tipos de munições explosivas, para alvos com maior e menor protecção, as High Explosive e as High Explosive Dual Purpose. As caixas de munições padrão transportam fitas de 32 munições.
Emprego operacional
A formação não teve como objectivo abordar o emprego operacional das armas agora adquiridas. Apesar disso, numa altura em que temos unidades em teatros de operações como a República Centro Africana ou o Afeganistão, e vários dos militares em presença ou tinham estado ou iam para algum destes locais, era notória a preocupação com o detalhe, a atenção em aprender o que estava a ser dito para tudo absorver. Há a noção que “amanhã” será a sério e o GMG pode ser um argumento determinante numa situação de combate.
Do que vimos ficou-nos a imagem de uma arma muito bem pensada, até ao detalhe, de construção robusta, sem grande complexidade, com muitas “áreas” a naturalmente lembrar uma metralhadora pesada o que facilita e acelera a aprendizagem, mas ainda assim a claramente exigir dos futuros operadores muito treino, muita repetição de procedimentos, e atenção com a manutenção de primeiro escalão para lhe dar longevidade e segurança.
Nas breves notas que se seguem, sem pretender fazer a “história definitiva” dos LGA em Portugal – alguma coisa certamente nos pode ter escapado – abordamos o que tem sido o seu uso nas nossas Forças Armadas desde 1990 e damos destaque ao emprego operacional real – em combate – pela Guarda Nacional Republicana no Iraque.
Breves notas sobre a história dos
Lança Granadas Automáticos em Portugal
O reconhecido poder de fogo que uma arma deste tipo confere, nomeadamente para unidades de infantaria ligeira, e a sua utilização em vários conflitos por volta dos anos 60 e 70 do século XX, quer pelos exércitos ocidentais quer pelos de inspiração soviética, levou o Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea Portuguesa a adquirir em 1990 o Lança Granadas Automático Mk 19 mod.3 40mm (Saco Defense Corp. USA). Destinaram-se a equipar as viaturas FAV que inicialmente estavam atribuídas aos Pelotões de Reconhecimento dos Batalhões de Paraquedistas da Brigada de Pára-quedistas Ligeira (BRIPARAS). Mais tarde acabaram por ser empregues também em viaturas tácticas como o UMM. Estes Mk. 19 foram intensamente usados em exercícios mas nunca tiveram emprego nos teatros de operações exteriores.
Em 1994 as Tropas Pára-quedistas foram transferidas da Força Aérea para o Exército e, na primeira missão expedicionária que os Páras cumpriram – Bósnia 1996 – o Exército decidiu adquirir um outro LGA, o “Lanzagranadas Automatico LAG 40 SB – M1” de 40mm x 53, da espanhola Empresa Nacional Santa Barbara de Industrias Militares S.A. Nesta primeira missão de uma unidade de combate portuguesa na Europa depois do final da 1.ª Guerra Mundial os SB 40, como ficaram conhecidos entre nós, foram usados nos UMM Alter do Pelotão de Reconhecimento do 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado, mas também nunca tiveram emprego operacional real. Os SB 40 permaneceram na Bósnia mas nunca foram empregues que não fosse como arma de potencial dissuasão. Por volta do ano 2000 o Corpo de Fuzileiros adquiriu o GMG da HK, em tudo semelhante a este do Exército, que agora apresenta alguns detalhes mais recentes, e passou a fazer uso da arma quer com o tripé quer em viaturas Land Cruiser 4×4 do pelotão Anti-Carro da Companhia de Apoio de Fogos.
Pela mesma altura a Guarda Nacional Republicana adquiriu também alguns GMG HK (2?) para serem aplicados em embarcações da sua Brigada Fiscal, mas como adiante veremos, estes acabaram por ser empregues no Iraque pelos Subagrupamentos da GNR que ali actuaram entre 2003 e 2005.
A partir de 2005, os SB 40 do Exército seguiram para o Afeganistão onde as forças portuguesas tiveram que enfrentar algumas emboscadas. Pelo menos numa ocasião – em Junho de 2007 – numa dessas emboscadas o SB 40 foi utilizado (pela 2.ª Companhia de Comandos) para disparar algumas granadas 40mm sobre as posições do inimigo. O emprego real destas armas foi assim muito limitado, quer pelos Comandos quer pelos Pára-quedistas que ali actuaram como Força de Reacção Rápida na ISAF. Em 2006 quando um Contingente da GNR regressa a Timor-Leste (a missão que ali haviam iniciado em 2000 tinha terminado em 2002) a pedido do governo local, numa situação de urgência, a sua componente operações especiais terá também levado dois GMG mas não chegaram a ser usados operacionalmente.
Em 2017 quando as tropas portuguesas iniciaram a missão na República Centro Africana como Força de Reacção Rápida da MINUSCA, os SB 40 lá foram também para mais este teatro de operações. Aparentemente nunca foram usados em acções reais, algumas das armas apresentaram problemas de resolução demorada e complexa.
GMG da GNR em Combate
Com a emergência da participação da Guarda Nacional Republicana na missão do Iraque (2003-2005) percebeu-se que os LGA seriam uma arma potencialmente útil. O Exército dispunha dos SB 40, emprestou alguns à Guarda que os testou mas decidiu não os utilizar. A opção acabou por recair em 2 GMG HK que estavam prontos para serem usados na sua Brigada Fiscal (antecessora da Unidade de Controlo Costeiro), que seguiram com a força da GNR atribuídos à componente Operações Especiais do Subagrupamento (escalão Companhia). No Iraque a força da GNR utilizou munições USA (obtidas localmente) e inicialmente as armas estavam prontas para serem em empregues na defesa do aquartelamento ou outras posições fixas (com tripé).
Com o decorrer da missão, depois de sofrerem algumas emboscadas e de constatarem que as suas armas calibres 7,62mm e 5,56mm instaladas nas viaturas blindadas 4×4 Iveco M.40 WM/P (VM 90/P2), não conferiam o poder de fogo necessário, decidiram localmente adaptar uma destas viaturas com uma metralhadora Browning 12,7mm e outra com um dos GMG HK 40mm x 53. Foi um trabalho artesanal, difícil, com recurso mais uma vez ao apoio informal das forças USA, mas…com sucesso. A título de exemplo, entre Março e Julho de 2004, o 2.º Contingente do Subagrupamento Alfa da GNR consumiu em contacto directo com o inimigo, 150 granadas de 40mm com os GMG HK e pelo menos o 3.º Contingente também usou esta arma em acções de combate. Um dos intervenientes nestes confrontos não teve dúvidas em garantir ao Operacional a grande importância não só do GMG como da sua conjugação com a 12,7mm nas reacções a emboscadas, e o impacto no inimigo que se consegue com as granadas 40mm. Terminou mesmo dizendo-nos que “…o Exército fez a melhor opção que podia ter feito para este tipo de armas, conheço as outras, não tenho dúvidas!”
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