NO KOSOVO PELA SEGURANÇA DA EUROPA
Por Miguel Machado • 25 Nov , 2014 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintAs Forças Armadas Portuguesas acabam de divulgar que o novo batalhão integrado na força da NATO no Kosovo, foi por esta considerado, “pronto para cumprir a missão”. Depois da preparação em Portugal e da rendição da força anterior, o recém-chegado batalhão foi “sujeito a exame”, num exercício envolvendo meios e tropas de 8 países, e respondeu com sucesso a uma série de requisitos operacionais. O 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista inicia agora 6 meses de missão no Kosovo. Para quê?
Um dado adquirido? Nem por isso!
Na Europa e certamente de modo mais marcado em Portugal, há muito a noção que a paz, a segurança e a estabilidade no continente onde vivemos e trabalhamos, é um dado adquirido. Uma espécie de dádiva dos deuses, que nem as incursões da aviação russa – afinal de contas aquilo é treino e os nossos F-16 até resolveram o problema – ou as dramáticas imagens televisivas da Ucrânia – coisas com os russos, eles que se entendam – conseguem abalar. Maior pela violência e completo anacronismo do chamado ISIL (Islamic State of Iraq and the Levant) ou Estado Islâmico, tem sido o impacto da barbárie que assola partes do Iraque e da Síria, quer mostrada através dos media convencionais quer através das redes sociais, aqui com detalhes absolutamente revoltantes. Em enormes regiões de África a ameaça de grupos que se dizem seguidores das “leis islâmicas” é menos falada mas não será de menor importância e Portugal, através de um Destacamento C-130 também dá um contributo para a sua contenção. Mas há mais, no Mediterrâneo, agora aliás com participação da Marinha Portuguesa, desenrola-se diariamente uma batalha para salvar da morte gente que foge da miséria em busca de uma vida melhor nesta Europa pacífica e próspera. Sim, para muitos milhões de seres humanos, é assim mesmo que se classifica o velho continente, embora visto de cá não pareça a muitos milhões de europeus.
Independentemente das maquinações das grandes potências em cada momento, as dolorosas lições da história nem sempre são levadas em linha de conta e muitas vezes os países e organizações internacionais não agem em conformidade com certos sinais que, vistos anos mais tarde em retrospectiva, nos parecem então evidentes alertas. Será o caso da Ucrânia e de como se chegou a este ponto, como foi ontem o da Jugoslávia. Pergunta-se amiúde “como é possível?” e há inúmeras e detalhadas explicações e opiniões, para todos os gostos, alguns certamente com razão. Pois, mas para quem é afectado directamente por estas crises, quem sofre os seus efeitos na pele, tudo isso já vem tarde.
A segurança na Europa depende de muitos factores sem dúvida e um deles é a força militar. Esta tem sido usada algumas vezes com evidentes vantagens para as populações, outras nem tanto, e a realidade é que a paz no continente – com a contenção dos problemas numa determinada região e o seu regresso à normalidade possível – vai sendo mantida tanto quanto a vontade dos países que integram a Aliança Atlântica têm em empenhar (e pagar) contingentes militares. Claro que só isto não chega, são necessárias mais acções subsequentes, mas sem isto, nada feito.
Kosovo
A situação no Kosovo, sendo de calma aparente, pode muito bem alterar-se rapidamente e por isso a comunidade internacional, NATO incluída, ali mantêm um contingente militar. É sabido que o resultado das últimas eleições no país não foram de molde a clarificar a situação, incidentes e períodos de tensão de quando em quando explodem e surpreendem, não quem está no terreno mas quem lê as notícias. Esta parte da Europa mantém uma probabilidade relativamente alta de descarrilar ao sabor de interesses vários.
De outros incidentes e indicadores haverá conhecimento para quem por dever de ofício analisa o que se passa naquela região, mas limitamo-nos aqui a referir dois acontecimentos do último trimestre que foram por cá sumariamente noticiados: a prisão na Bósnia-Herzegovina em Setembro de mais de uma dezena de suspeitos de terrorismo em prol do ISIL; a interrupção em Outubro de um importante jogo de futebol em Belgrado, entre a Sérvia e a Albânia, pelo facto insólito de ter sido passeada sobre o campo, através de um “drone”, uma bandeira da “Grande Albânia”, a qual inclui o Kosovo.
Portugal mantém um contingente no Kosovo desde 1999 (com interrupções) e desde 2005 em permanência. Hoje são 180 militares(1) o contributo de Portugal para a força multinacional – KFOR (Kosovo Force) – que congrega 31 países e cerca de 4.500 militares.
A grande redução da força portuguesa aconteceu em 2011, quando também a KFOR reduziu o seu efectivo de 8.500 para os actuais. Em 2001 a KFOR chegou a dispor de 42.000 militares no Kosovo, o que ilustra bem a redução do potencial militar da NATO que foi possível fazer, gradualmente ao longo dos anos, sem afectar a estabilidade no território. Foi em 2011, que a força portuguesa adoptou o actual figurino, sendo agora a KTM – Kosovo Tactical Reserve Manouvre Battalion ou Reserva Táctica do comandante da KFOR – uma unidade em que os portugueses lideram mas integra militares húngaros.
Pronto para cumprir a missão
O 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista, constitui a principal componente nacional da KTM com um efetivo de 177 militares, aos quais se juntam 134 militares húngaros, organizado em Comando e Estado-Maior, que inclui militares portugueses e húngaros, Modulo de Apoio (PRT), da Companhia “A”, “B” e “C” (ACoy – PRT e HUN; BCoy – PRT; CCOY – HUN). A ACoy é a companhia de apoio e as B e C Coy as companhias de manobra.
O “1BIPara/FND/KFOR”, sigla que o batalhão usa para as Forças Armadas Portuguesas enquanto estiver em operações nesta missão, 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista/Força Nacional Destacada/ Kosovo Force, assumiu o comando da KTM no dia 04 de Outubro de 2014, passando o Tenente-Coronel de Infantaria Pára-quedista José Manuel Tavares das Neves, a ser o comandante desta força que constitui a reserva do comandante da KFOR para emprego em todo o território do Kosovo.
A KTM está aquartelada no Campo Português de Slim Lines(2), junto a Pristina, a capital do país, onde estão também alojados em permanência mais 44 militares do NCC/NSE Húngaro (National Contingent Command e National Support Element, o comando do seu contingente e as estruturas de apoio logístico).
Durante 10 dias após a sua chegada ao teatro de operações o 1.ºBIPara realizou o processo de rendição do batalhão português que o antecedeu, o 1.º Batalhão de Infantaria Mecanizado da Brigada Mecanizada, no final do qual se realizou então um exercício cujo desiderato final foi atingir, como KTM, a Full Operational Capability (FOC), ou seja, ser considerado pronto para cumprir a missão.
FOX III
Assim se designou o exercício realizado em Camp Vrelo(3) que se destinou a preparar o contingente nacional para o cumprimento da sua missão no Kosovo, processo que se reveste de vital importância porquanto a força é empregue num ambiente multinacional. O Major-General do Exército Italiano Francesco Paolo Figliuolo, comandante(4) da KFOR, fez questão de estar presente no último dia do exercício, para acompanhar pessoalmente esta actividade.
O exercício FOX III permitiu à KTM validar a sua capacidade em áreas como o comando e controlo e a interoperabilidade entre as diferentes componentes, parte das quais são multinacionais (ver organograma). Incluiu inicialmente palestras temáticas sobre technical and tactical procedures(5), um cross-training(6) e um exercício de treino situacional. A KTM necessita de ter grande proficiência técnica e tática em tarefas de controlos de tumultos, pelo que foi adaptado um cenário, que implicou a intervenção da força para controlar um Hot Spot(7) ameaçado.
Além do contingente português e húngaro, que constituem a KTM, outros seis contingentes nacionais participaram no exercício refletindo o caráter de multinacionalidade e de interoperabilidade da força. Com meios aéreos dos contingentes croata, esloveno, suíço e dos EUA, foi possível projetar a KTM para o Hot Spot, materializado por Camp Vrelo. Para garantir a liberdade de movimentos desta força de reserva do comandante da KFOR, coube ao contingente suíço Freedom Of Movement Dettatchment, empenhar as suas máquinas para remoção de obstáculos nas vias de comunicação e garantir que os militares e viaturas da KTM não eram atingidos por artefactos tipo Cocktail Molotov. Outro apoio que foi necessário coordenar refere-se ao emprego do Tactical PSYOPS Team, do contingente Dinamarquês que executou operações psicológicas, basicamente usar viaturas com altifalantes que emitem mensagens de aviso para as multidões desordeiras. A International Military Police, do contingente Austríaco, escoltou as viaturas da KTM durante a sua projeção até ao HotSpot e reforçou a operação na detenção e processamento de detidos.
Este tipo de treinos com todas as valências a operar no teatro de operações, o emprego de meios a nível multinacional e especialmente pelo conceito de emprego da KTM em nível I e II – simplificando, usando parte ou a totalidade desta força consoante a situação em causa – foi uma primeira etapa ultrapassada para os portugueses no Kosovo. A partir de agora o comandante da KFOR tem à sua disposição um novo batalhão de comando português que pode ser empregue em todo o território do Kosovo, sempre que a situação de segurança assim o exiga.
(1)Entre 2005 e 2010 contribuíamos com um contingente de 300 militares, efectivo semelhante ao de 1999 e 2000; Em 2011 reduzimos e desde 2012 que estamos neste número actual;
(2)Trata-se de um aquartelamento originalmente do Exército Britânico (edifício pré-fabricados e contentores) que lhe deu este nome em homenagem a Sir William Joseph Slim (1891-1970), Marechal de Campo, com uma impressionante carreira militar (e de escritor) no decurso da qual combateu na 1.ª e 2.ª guerras mundiais e foi mais tarde governador-geral da Austrália;
(3) Antiga base jugoslava junto ao aeroporto de Pristina usada como campo de exercícios, actualmente sob controlo da polícia do Kosovo;
(4) Portugal nunca comandou a KFOR, mas em 2010/2011 teve o 2.º Comandante, Brigadeiro-General Marco Serronha;
(5) São todas as táticas, técnicas e procedimentos usados na força de acordo com as regras de empenhamento instituídas e os procedimentos operacionais definidos pela KFOR;
(6) Para criar confiança, nivelar procedimentos e testar a interoperabilidade entre as forças de mais do que um país;
(7) Zona no terreno identificada como potencialmente problemática – cruzamento de estradas, aldeia, mosteiro, etc.
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