MAFRA: COMBATE EM ÁREAS EDIFICADAS NO CAMINHO DA EXCELÊNCIA
Por Miguel Machado • 2 Dez , 2012 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintO combate em áreas edificadas tem particularidades que exigem o uso de tácticas, técnicas e procedimentos adaptados a este meio, e no qual é muito aconselhável o uso de alguns equipamentos específicos para potenciar a acção do combatente, do soldado que enfrenta este ambiente. Em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, fomos ver o caminho que ano após ano vem sendo trilhado no sentido de levar a bom porto o Centro de Excelência de Combate em Áreas Edificadas.
Centro de Excelência de Combate em Áreas Edificadas
Mais do que um conjunto de edifícios que permitam o treino de uma grande variedade de acções de combate em ambiente urbano, o que a Escola Prática de Infantaria tem vindo a construir é um sistema em que várias componentes – doutrinária, humana, tecnológica, infraestruturas – se conjugam para aperfeiçoar este treino no Exército, mas também nos outros ramos das Forças Armadas que o desejem, bem assim como nas forças de segurança. “O Centro é um desejo porque ainda estamos na fase inicial do seu levantamento nos termos da directiva do Chefe do Estado-Maior do Exército de 2010 (*), mas também é uma realidade utilizada em permanência por várias unidades e não apenas a EPI, o que decorre de toda uma capacidade que foi sendo aqui construída ao longo dos anos e que agora está a ser desenvolvida nos termos de um plano director, com objectivos traçados, e que a Escola vai cumprir desejavelmente até 2024. Acredito que estamos a trabalhar no sentido certo e com consistência“, diz-nos o coronel Oliveira Ribeiro, comandante da EPI, por inerência gestor deste programa em curso.
O início da instrução específica para esta actividade de combate em áreas edificadas, em Mafra, teve início em Junho de 1996, com o 1.º Curso de Combate em Áreas edificadas, como recorda o tenente-coronel Gomes, Director de Formação da EPI. Aproveitando-se então as instalações abandonadas de um antigo canil, na “Tapada Militar” a pouco mais de um quilómetro da Escola, foram feitas adaptações e, ano após ano, a chamada “Aldeia de Camões” foi crescendo, como parte mais visível, em 1998, do Centro de Formação e Treino de Combate em Áreas Edificadas, a tal “capacidade instalada” que a directiva do Chefe de Estado-Maior do Exército refere como justificação para a escolha da EPI para “casa” deste Centro de Excelência. Esta foi realmente uma área de actividade a que a EPI e os seus militares se dedicaram ao longo de mais de uma década, em que acumularam conhecimento, e que agora com mais condições, nomeadamente as decorrentes da canalização de recursos da Lei de Programação Militar, podem e estão a desenvolver a um grau que permite a ambição de ali manter um Centro de Excelência NATO.
O major Luís Bernardino, comandante do Batalhão de Formação da EPI, mostra-nos a utilização do Centro – 3 estruturas físicas: “Aldeia de Camões”; “Carreira de Tiro Virtual”; “Sala de Planeamento”, já ligadas entre si por uma rede autónoma de comunicações com voz e imagem – cerca de 8.000 militares dos três ramos das Forças Armadas e das Forças de Segurança, desde a sua criação, 900 dos quais este ano, e explica em detalhe os objectivos: “Desenvolver doutrina no âmbito do Combate em Áreas Edificadas (CAE); Desenvolver e validar Técnicas/Tácticas e Procedimentos (TTP) para forças de infantaria e armas combinadas em CAE; Desenvolver sistemas e armas e equipamentos a aplicar em CAE; Desenvolver e validar todo o tipo de treino de cariz individual e colectivo (unidades constituídas até escalão companhia) para CAE e manter um processo de lições aprendidas como parte do desenvolvimento das TTP.” E continua, “o nosso «publico alvo» são os militares dos três ramos das forças armadas que tenham necessidade de formação nesta área, as forças de segurança, as unidades que são enviadas para o estrangeiro, nomeadamente as que têm ido para o Kosovo e agora também Afeganistão – recentemente estiveram em Mafra a companhia do 2.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista que vai para o Kosovo em breve; antes os militares do Regimento de Lanceiros 2 que já partiram para o Afeganistão onde compõem a «Force Protection» do Aeroporto de Cabul – mas também forças militares de países amigos, sejam eles na NATO, União Europeia e Países de Língua Oficial Portuguesa“.
De Mafra para o Uganda
O conhecimento aqui desenvolvido já foi “exportado” pela mão dos militares portugueses que têm servido no Uganda, na missão da União Europeia. Na realidade foram militares da Escola Prática de Infantaria e do Centro de Tropas de Operações Especiais, todos aqui formados, que no Uganda treinaram entre Março de 2010 e Dezembro de 2012 – mês em que este vector da missão vai terminar – mais de 3.000 elementos das forças de segurança da Somália. Portugal foi mesmo o país responsável pela formação dos somalis em “combate em áreas edificadas”. Ou seja, todos os militares formados pela “EUTM Somália” (**), recebiam instrução em várias áreas do conhecimento, sendo o Combate em Áreas Edificadas uma responsabilidade das Forças Armadas Portuguesas e da EPI em particular.
Além do contributo directo como agente da nossa política externa e parceiro da comunidade internacional para a normalização da segurança naquela martirizada região de África, com reflexos importantes no Índico como se sabe – terrorismo/pirataria – o Exército Português viu assim reconhecido no seio da “vertente militar” da União Europeia, o combate em áreas edificadas como uma efectiva capacidade nacional. Não foi coisa pouca, conseguida com um efectivo reduzido, mesmo que por cá pouco disto tenha transparecido publicamente. Estando neste momento a reavaliar-se a nível da União Europeia esta missão, ainda é uma incógnita se Portugal vai ou não continuar e com que capacidades.
Os três vértices
Em termos nacionais o sistema já montado e a funcionar na sala de planeamento e “Aldeia de Camões” para apoiar a instrução é inovador e garante uma enorme capacidade de intervenção, primeiro de quem dirige e avalia o treino e depois dos próprios executantes. Em linhas gerais diremos que as acções executadas nos edifícios (para já não em todos) são filmadas e acompanhadas em tempo real pelos formadores no terreno e na sala de planeamento, possibilitando intervenções atempadas sobre o treino. Este não só é assim visualizado (através de câmaras fixas e móveis) como gravado, imagens que servem para o Centro intervir/avaliar o que foi feito mas também para serem fornecidas à unidade que cumpriu o programa de treino e ela própria tirar as suas ilações do desempenho de cada um e do conjunto, como nos diz o capitão Jorge Magalhães, comandante da Companhia de Apoio à Formação e um dos entusiastas deste projecto, “…permite-se assim o «after action review» e validar o treino de cariz individual e colectivo e manter um processo de lições aprendidas, como parte do desenvolvimento das tácticas, técnicas, e procedimentos…” e continua, “A última unidade que esteve no Centro, ainda este Novembro, não só já visionou depois das acções o seu próprio treino na sala de planeamento como já levou os DVD’s consigo, permitindo uma análise mais detalhada da sua passagem por Mafra.” Esta tecnologia que está a funcionar mas em desenvolvimento tem ainda a vantagem de permitir o funcionamento do Centro com um número muito reduzido de instrutores.
O Sistema de Tiro Virtual, recentíssimo, chegou na semana anterior à nossa visita, foi fornecido por uma firma americana, é de uma grande simplicidade e, até ver, está com grande aceitação na execução de tiro de pistola simulado com “laser”. Como nos diz o capitão Camilo no intervalo da sessão de tiro virtual que coordenava com um normal computador portátil e um projector (claro que «a ciência» está nos programas e num pequeno dispositivo acoplado ao projector que “lê” tudo o que acontece nos alvos), “estes militares terminam esta sessão virtual e seguem para a carreira de tiro onde vão fazer exactamente o mesmo tipo de tiro que aqui viu. Com esta passagem reduzem-se muito os custos em munições, poupa-se tempo e melhoram-se as capacidades individuais. Mas, atenção, isto não se destina a substituir por completo o tiro real, esse mantém-se, mas conseguimos assim reduzir a despesa e aumentar a proficiência dos atiradores“. Este sistema virtual tem a capacidade de projectar os cenários que se desejem (dos alvos convencionais a fotografias de vários ambientes, a filmes com situações reais), nomeadamente os da “Aldeia de Camões”, um dos passos seguintes no seu desenvolvimento. Pode-se ainda, pela sua simplicidade como já referimos, pegar nele e transportá-lo para qualquer local onde seja necessário.
Doutrina
Claro que estes três vértices físicos do CECAE, a sala de planeamento e o sistema de ligação visual, o conjunto de infraestruturas conhecido pela “Aldeia de Camões” e o Sistema de Tiro simulado, são as ferramentas que colocam em prática aquilo que a doutrina produzida na Escola determina e, em sentido contrário, o que ali se passa também influencia a produção dessa doutrina.
Até agora o Centro desenvolveu trabalho de análise da Doutrina NATO relativa ao combate em áreas edificadas, já viu aprovado pelo Comando de Instrução e Doutrina do Exército o “Manual de Combate em Áreas Edificadas” seguindo-se a elaboração dos manuais destinados a Secções, Pelotões e Companhias, em acções neste ambiente.
Esta componente doutrinária também recolhe informação nas reuniões do “Urban Operations Working Group” da NATO em que quadros da EPI participam e onde a troca de experiências é sempre uma mais-valia importante, além de ser uma oportunidade de divulgar as capacidades e experiências nacionais. A missão no Uganda por seu lado teve também a virtualidade de permitir aos quadros da EPI ali empenhados não só transmitirem conhecimento, mas também recolherem as suas próprias lições aprendidas com efeito positivo não só nos próprios como no Centro em Mafra.
(*) – “…Criar um Centro de Excelência para o treino de Combate em Áreas Edificadas, potenciando as capacidades instaladas na Escola Prática de Infantaria…”
(**) – Na sequência da Directiva n.º 29/2010 do Chefe do Estado-Maior do Exército, iniciou-se formalmente o caminho para levar à criação de dois Centros de Excelência que poderão ser acreditados pela NATO e assim Portugal irá juntar-se aos 18 outros aliados que já têm em funcionamento este tipo de estruturas. Um é o Centro de Excelência de Combate em Áreas Edificadas, em Mafra na Escola Prática de Infantaria e outro o Centro de Excelência Aeroterrestre, em Tancos, na Escola de Tropas Pára-quedistas. Um e outro estão em marcha, mas sem dúvida que as restrições orçamentais que vivemos, vêm, pelo menos, atrasar o processo. Mesmo que estes Centros até se traduzam, quando em funcionamento pleno, numa fonte de receita – os países pagam para os seus militares neles receberem formação – a realidade é que ainda necessitam de algum investimento para se submeterem à acreditação NATO.
Aqui deixamos, retirado do site da Aliança Atlântica, alguma informação actual sobre os Centros de Excelência, o que são, os que estão em funcionamento e os que já se encontram propostos para aprovação.
O que são os Centros de Excelência da NATO
Centres of Excellence (COEs) are nationally or multi-nationally funded institutions that train and educate leaders and specialists from NATO member and partner countries, assist in doctrine development, identify lessons learned, improve interoperability, and capabilities and test and validate concepts through experimentation. They offer recognized expertise and experience that is of benefit to the Alliance and support the transformation of NATO, while avoiding the duplication of assets, resources and capabilities already present within the NATO command structure.
(…)
The establishment of a COE is a straightforward procedure. Normally, one or more members decide to establish a COE. The idea then moves into the concept development phase. During this phase the “Framework Nation” or “Nations” fleshes out the concept to ACT (Allied Command Transformation, in Norfolk, Virginia) by providing information such as the area of specialization, the location of the potential COE and how it will support NATO transformation.
Once ACT approves the concept, the COE and any NATO country that wishes to participate in the COE’s activities then negotiate two Memorandums of Understanding (MOU): a Functional MOU, which governs the relationship between Centres of Excellence and the Alliance and an Operational MOU, which governs the relationship between participating countries and the COE. Once participating countries agree to and sign the MOU, the COE seeks accreditation from ACT.
The Alliance does not fund COEs. Instead, they receive national or multinational support, with “Framework Nations”, “Sponsoring Nations” and “Contributing Nations” financing the operating costs of the institutions. Twenty-one COEs have either received NATO accreditation or are in the development stages.
Quais são os Centros de Excelência da NATO já acreditados?
Alemanha
Joint Air Power Competence Centre (Kalkar)
Military Engineering (Inglostadt)
Operations in Confined and Shallow Waters (Kiel)
Bélgica
Naval Mine Warfare (Oostende)
Eslováquia
Explosive Ordnance Disposal (Trenčín )
Espanha
Counter Improvised Explosive Devices (Madrid)
Estónia
Cooperative Cyber Defence (Tallinn)
EUA
Combined Joint Operations from the Sea (Norfolk)
França
Centre for Analysis and Simulation for the Preparation of Air Operations (Lyon)
Holanda
Civil Military Cooperation (Enschede)
Command and Control (Ede)
Hungria
Military Medical (Budapest)
Itália
Modelling and Simulation (Roma)
Lituânia
Energy Security (Vilnius)
Noruega
Cold Weather Operations (Bodø)
República Checa
Joint Chemical, Biological, Radiological and Nuclear Defence (Vyškov )
Roménia
Human Intelligence (Oradea)
Turquia
Defence Against Terrorism (Ankara)
E os que estão em desenvolvimento?
Bulgária
Crisis Management for Disaster Response (Sofia)
Eslovénia
Mountain Warfare (Bohinjska Bela)
Polónia
Military Police (Wroclaw)
(***) European Union Training Mission
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