MAFRA: «AO VALOR DO INFANTE», MAIS DO QUE PEDRA E BRONZE!
Por Miguel Machado • 15 Out , 2013 • Categoria: 02. OPINIÃO, 03. REPORTAGEM, 11. IMPRENSA, 14.TURISMO MILITAR PrintA decisão de empurrar o monumento “Ao Valor do Infante”, em Mafra, para o Jardim da Alameda, afastando-o do lugar destacado e nobre que ocupava, parece ser cada vez menos uma necessidade imposta pela requalificação da Zona Envolvente do Convento de Mafra e mais uma decisão politiqueira.
Alguém já pensou, por exemplo em Lisboa, empurrar a estátua do Marquês de Pombal para um canto do Parque Eduardo VII, porque dava mais jeito fazer passar o trânsito pelo meio da “rotunda”?
O monumento, implantado em 1978 no alinhamento do Torreão Sul do Convento de Mafra, espaço nobre e simbólico, impossível de “não ver” para quem entra ou sai da Vila pela sua principal artéria em direcção a Lisboa, é sem dúvida uma das obras mais significativas da estatutária militar erigida em Portugal. Teve ainda a particularidade de não ter ficado no interior de um quartel, ao contrário de outras que nesses tempos foram erigidas, mas de estar no espaço público, disponível para ser visitada e admirada por quem ali de passagem ou propositadamente se deslocava.
Recentemente, no âmbito do processo de Requalificação da Zona Envolvente ao Convento de Mafra o monumento foi remetido para espaço, também público é verdade, mas quase que escondido, no mínimo, muito discreto.
A obra do mestre Soares Branco foi desde sempre considerada, até em publicações oficiais e declarações mais do que frequentes das entidades autárquicas locais, um símbolo da ligação de Mafra à Escola Prática de Infantaria – desde 07OUT13 Escola das Armas do Exército – e estranha-se por isso, agora, o tratamento que a mesma mereceu. Julgou-se que a implantação iria colidir com a dita Requalificação de modo impossível de conciliar, mas afinal não como quem se dirija ao local pode comprovar.
Acontece que o monumento é muito mais que pedra e bronze! Ali está a memória de inúmeras ocasiões em que a infantaria portuguesa foi parte decisiva na defesa da independência nacional, na existência de Portugal como Nação soberana. Mesmo que hoje essa soberania não seja total, e até por isso, não será motivo para esquecer, antes pelo contrário, mais importante se torna lembrar a têmpera dos portugueses em situações extremas. Haja gente capaz e determinada, seja na guerra seja na paz e as dificuldades serão vencidas.
Ali está Aljubarrota e Buçaco mas também o século XX, e a Escola Prática de Infantaria foi uma das unidades que muito contribuiu para que hoje, no rescaldo do golpe militar de 25 de Abril de 1974, Portugal não tivesse caído numa ditadura e que a normalidade democrática se instalasse no nosso país. Muitos que disso beneficiaram parecem hoje esquecidos!
Mafra, durante anos e anos foi conhecida pelo seu majestoso convento e pela “tropa” que ali se instalou no Reinado de D. Luís I em 1887. Conheceu uma importância acrescida em tempos das campanhas expedicionárias da segunda metade do século XX. Por ali passaram largos milhares de portugueses que rumaram ao Estado Português da Índia, e às províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Guiné. Na gíria de então, por quem por lá passava, até se passou a designar por “MÁfrica” – em boa verdade esta expressão nem sempre tinha cunho abonatório, dadas as duras circunstâncias que a instrução para a guerra obrigava. A infantaria de Mafra teve ainda importância de relevo no regresso do país à democracia, estando a EPI, apesar de inúmeras convulsões internas, do lado dos que se opuseram às correntes totalitárias que se instalaram em muitos quartéis portugueses em 1974 e 1975.
Hoje tem sido de facto mais conhecida pela auto-estrada para a Ericeira e pela explosão urbanística que atrai gentes dos subúrbios de Lisboa, mas tem que haver alguma distância, noção do tempo e não fazer tábua-rasa sobre a história da Vila. Pareceu assim, em 1978, que o tipo de monumento e o local onde foi implantado – as coisas não podem ser dissociadas! – eram mais do que justificados.
Agora quem chega a Mafra pura e simplesmente não vê o monumento. No seu lugar está um relvado. Se tivesse ficado no mesmo lugar, estragava a vista do convento ou retirava-lhe protagonismo? Não me parece. Então qual o motivo de tal decisão?
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