LITUÂNIA: A CAMPANHA DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA FORÇA AÉREA
Por Miguel Machado • 12 Fev , 2009 • Categoria: 11. IMPRENSA Print
Pela pena de Paulo Gonçalves (*) o “Operacional” apresenta uma faceta da missão da Força Aérea Portuguesa na Lituânia que escapa certamente à generalidade da opinião pública e mesmo a muitos militares não directamente envolvidos. Quando “as coisas correm bem” em termos de exposição pública de uma determinada actividade – militar ou outra – , ninguém dá pelo trabalho que esteve na base desse facto. Acha-se natural. Mas se “correm mal”, então aí sim, todos perguntam como foi possível? Há exemplos destes a cada esquina, e só para referir um, atente-se no que se passou com a delegação olímpica portuguesa em Pequim.
Mas afinal porque é que as coisas correm bem com a imprensa? Aqui está, na primeira pessoa, parte da resposta.
A Campanha de Relações Públicas
“Curta, mas intensa!”
Desde o início que estava previsto um grande contacto entre os militares da Força Aérea Portuguesa e a população de Siauliai. Alguns desses contactos eram mesmo vitais para o bom desempenho do Destacamento. Por exemplo, todos os dias tinham de ser adquiridos consumíveis e viveres no mercado local.
Sabia-se que as descolagens e aterragens dos F16 podiam a ser incomodativas. Especialmente para a população que habitava a vizinhança da Base Aérea.
Sabia-se ainda que, no caso de acontecer uma intercepção real dos F-16 portugueses a uma aeronave estranha, ou algum outro tipo de acidente/incidente, a comunicação social iria cair em peso à porta do Destacamento Lusitano.
Por outro lado, também se sabia que iriam acontecer algumas cerimónias militares, envolvendo os portugueses, as quais requeriam algum trabalho de relações públicas e protocolo no local.
Durante a visita de avaliação técnica (site survey) feita por militares portugueses à Lituânia, em Agosto de 2007, foram identificadas oportunidades e restrições na área das Relações Públicas. Para surpresa de todos, nem sempre as coisas tinham corrido bem nos anteriores destacamentos da NATO.
Logo à partida, o cenário apresentado tinha uma encruzilhada com dois destinos finais:
– Indiferença ou descrédito do público na Lituânia (conforme as operações decorressem), com as necessárias repercussões em Portugal;
– Sucesso no relacionamento com a comunidade local, com a correspondente visibilidade mediática (na Lituânia e em Portugal).
Numa grande operação da NATO, estas acções seriam subdivididas em diferentes especialidades: Cooperação Civil-Militar (CIMIC), Operações Psicológicas (PSYOPS), Informação Pública (PIO), Operações de Informação (INFOPS), etc.
Atendendo a que a Força Aérea só iria operar na Lituânia por um período de seis semanas, com um número reduzido de pessoal, definiu-se que existira uma única campanha de Relações Públicas, com a seguinte característica: “Curta, mas intensa!”
Esta seria a primeira Força Nacional Destacada com uma campanha de Relações Públicas (RP) Activa, estrategicamente arquitectada em antecipação, prevendo cenários de gestão de crise, com uma táctica no terreno enérgica e apoio da retaguarda.
O OBJECTIVO DA CAMPANHA RP:
Gerar um ambiente favorável à nossa presença na área de operações, de modo a proporcionar ao Comandante da Força a capacidade de decisão, sem constrangimentos referentes à opinião pública!
OS PÚBLICOS-ALVO:
Foram definidos três “Públicos-alvo” diferentes, com mensagens distintas e objectivos parciais concorrentes. Nenhum destes “Públicos-alvo” deveria ser considerado mais importante que os outros. A situação operacional é que definiria a atribuição de prioridades.
Público-alvo A – População dos países bálticos, com especial incidência na Lituânia;
Objectivo parcial A – Apoio à nossa presença/actividade no teatro de operações;
Público-alvo B – População Portuguesa;
Objectivo parcial B1 – Apoio à manutenção da missão, independentemente de eventuais problemas/dificuldades que surgissem no cumprimento da mesma;
Objectivo parcial B2 – Contribuir para a imagem de prestígio das Forças Armadas em geral e, em particular, da Força Aérea Portuguesa;
Objectivo parcial B3 – Contribuir para o esforço de recrutamento do Ramo;
Público-alvo C – Militares destacados e respectivas famílias (RP Interna);
Objectivo parcial C – Atingir níveis elevados de moral e dedicação à missão;
Tal como na selecção de alvos de uma campanha aérea, havia ainda a considerar potenciais “Públicos-alvo de oportunidade” os quais, não estando previstos, seriam rapidamente considerados e incluídos nas acções pré-planeadas. Foi esse, por exemplo, o caso de um considerável grupo de estudantes universitários portugueses, os quais se encontravam a estudar na Universidade de Siauliai, ao abrigo do programa Erasmus. Após serem “descobertos” pelos militares portugueses, passaram a ser incluídos em várias acções e actividades do Destacamento.
AS 4 FASES DA CAMPANHA RP:
A campanha teria quatro Fases (todas executadas conforme o planeado).
1ª Fase – Lançamento da Campanha (inicio a 15OUT07 e fim a 12NOV07)
Acções a desenvolver:
– Lançamento de um Guia Pré-missão, com concelhos práticos aos militares e seus familiares (novidade);
– Produção de produtos variados de divulgação (“merchandising”) para as campanhas de RP interna e externa.
– Forte exploração mediática da visita de S. Exa. o Presidente da República à Base Aérea de Monte Real, para se despedir dos militares que iriam partir.
– Lançamento de uma página oficial na Internet, exclusivamente dedicada à missão, em Português e Inglês, com actualização diária feita a partir do teatro de operações (novidade);
– Lançamento de uma campanha paralela desafiando os alunos de algumas escolas básicas nacionais, através de Órgãos de Comunicação Social (OCS) pré-seleccionados, a corresponderem-se com os militares da Força Aérea destacados na Lituânia (novidade);
– Cerimónias militares de tomada de posse, na Lituânia, com a presença de OCS portugueses e locais (1º ponto alto da nossa presença na Lituânia);
– Acções RP para cativar a atenção dos OCS Lituanos (culinária portuguesa, entrevistas com o Comandante do Destacamento, etc.);
– Produção no Teatro de Operações de conteúdos mediáticos (texto, fotos e entrevistas telefónicas) a disponibilizar aos OCS regionais portugueses;
– Promoção de eventos internos com o pessoal do Destacamento (desporto, aniversários, promoções, excursões, palestras, etc.);
– Caracterização da zona NATO da Base de Siauliai, a título permanente, com elementos temáticos Portugueses (silhuetas de F16 em metal apontando a direcção e distância de Lisboa e Monte Real; um painel em azulejos no edifício do Comando da Base; os emblemas das duas esquadras em azulejos na parede da entrada do edifício operacional, um quadro a óleo no Gabinete do Comandante da Força Aérea Lituana (oferta do CEMFA Português).
2ª Fase – Manutenção do interesse (início a 13NOV07 e fim a 29NOV07);
– Continuação das actividades anteriores;
– Aproveitamento dos voos de sustentação do destacamento para receber mais jornalistas portugueses na Lituânia;
– Jornalistas “embedded” na força durante vários dias, a fazer trabalho de grande reportagem;
– Organização de visitas dos militares do Destacamento a locais de interesse cultural na Lituânia;
– Visita de escolas e outras instituições públicas Lituanas ao Destacamento Português;
– Magusto na Lituânia, em Vídeo Teleconferência com o magusto da Base Aérea de Monte Real;
– Cerimónia do Monte das Cruzes (2º ponto alto da nossa presença na Lituânia);
– Participação de militares portugueses nas celebrações do Dia das Forças Armadas Lituanas.
– Organização da participação de militares portugueses num evento desportivo com as Forças locais (Campeonato Internacional de Bowling de Siauliai);
3ª Fase – Relançamento da Campanha (início a 30NOV07 e fim a 11DEC07);
– Continuação das actividades anteriores;
– Ida a escolas e outras instituições públicas fazer apresentações sobre Portugal e sobre o Destacamento Português;
– Colaboração com Instituições de cariz universitário Luso-Lituanas;
– Visitas de alto nível de entidades NATO e Diplomáticas ao Destacamento;
– Ajuda dos militares portugueses a um orfanato de Siauliai (3º ponto alto da nossa presença na Lituânia);
– Exploração mediática da visita de S. Exa. o Ministro da Defesa Nacional ao Destacamento na Lituânia (4º ponto alto da nossa presença na Lituânia);
4ª Fase – Finalização (início a 14DEZ07 e fim a 18DEZ07);
– Jantar convívio de todo o pessoal do Destacamento com os responsáveis pelos vários sectores da Força Aérea Lituana;
– Cerimónia militar de transferência de responsabilidade para a Força Aérea Norueguesa;
– Cerimónia militar do arriar da Bandeira Nacional Portuguesa na Lituânia;
– Recepção do Destacamento, na Base Aérea de Monte Real, pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea.
A PARTICIPAÇÃO DO PESSOAL NA CAMPANHA RP:
O esforço de RP no teatro de operações foi grande, não havendo tempos mortos nesta área de actividade. O pessoal do Destacamento, muitas vezes prescindindo das suas horas de descanso, colaborou entusiasticamente cumprindo o paradigma:
“- Todos nós somos relações públicas da Força Aérea!”
Houve um fluxo de voluntários para variadíssimas acções e iniciativas: tirar fotos e escrever artigos para a página da Internet; escrever às crianças portuguesas que se queriam corresponder connosco; organizar a festa de Natal de um orfanato local (com direito a saxofonista da Força Aérea); guias para explicar as aeronaves portuguesas aos (muitos) visitantes que o Destacamento teve; entrevistas telefónicas para o rádio-jornal “lá da terrinha”; etc. Todos ajudaram a conduzir as acções de RP que haviam sido anteriormente planeadas e coordenadas.
Dessas acções, foram identificadas 30 “lições RP”, as quais, depois de estudadas, irão robustecer a capacidade da Força Aérea em executar Campanhas de Relações Públicas e Protocolo.
A CAMPANHA RP EM NÚMEROS:
A CAMPANHA RP INTERNA
As acções de Comando e Liderança foram facilitadas pelo moral elevado e a constante dedicação à missão. Na campanha de RP Interna, foram organizadas 5 excursões, 2 palestras culturais, 2 promoções ao posto imediato e comemorados 11 aniversários. Havia vários pontos de recepção de TV portuguesa e acesso facilitado à Internet, nas instalações dos militares portugueses na Base Aérea e na Cidade de Siauliai, assim como da estação Radar de Karmelava.
Foi ainda organizado um campeonato de Bowling entre portugueses e lituanos, actividade essa que superou os limites de RP Internas para assumir lugar de destaque no relacionamento com a comunidade exterior, chegando mesmo às páginas dos jornais portugueses.
PROTOCOLO
Na área do Protocolo, os PIOs coordenaram e conduziram várias visitas de alto nível, onde se destacam a vista de S.Ex.ª o Presidente da República à Base Aérea de Monte Real para se despedir do pessoal, a visita de S.Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional a Siauliai, para visitar o Destacamento Nacional e a visita do Presidente do Comité Militar da NATO, que fez questão de conhecer de perto a missão de Policiamento Aéreo do Báltico.
Coordenaram ainda 6 cerimónias militares na Lituânia, de onde se destaca a imposição de uma Cruz de Cristo no “Monte das Cruzes”, acto que foi um dos pontos altos da presença portuguesa na Lituânia.
A PÁGINA INTERNET (www.emfa.pt/baltics)
A página Internet da missão foi um dos ex-líbris da campanha RP. Escrita em Inglês e Português, recebeu cerca 23.000 visitantes durante o tempo em que decorreu a missão. Se atendermos que a operação só demorou seis semanas, é um número importante!
Para além das mensagens que algumas pessoas enviavam ao destacamento, a página caracterizava-se por ter conteúdos inteiramente produzidos por militares da Força Aérea:
1 Galeria fotográfica;
1 Modelo de papel tridimensional (Kit) do avião F16 português para se fazer “download” e construir em casa (novidade);
22 Histórias ou artigos, com respectiva reportagem fotográfica, acerca da missão;
4 Curtos vídeos sobre a missão;
5 Reportagens vídeo da Força Aérea sobre a operação e seus preparativos;
A FORÇA AÉREA NOS MEDIA
A campanha RP da Operação “Baltics Air Policing 07”, gerou nos Órgãos de Comunicação Social grande um volume de notícias, na sua esmagadora maioria favoráveis (parte desta cobertura mediática podia ser consultada na página Internet).
Desta forma, nos media Portugueses, foram publicados/difundidos:
Para cima de 60 artigos na imprensa escrita e de 12 reportagens TV. Esta cobertura proporcionou mais de 40.000 caracteres de informação escrita e um tempo de antena superior a 30 minutos, em horário nobre. As estações de rádio não se mostraram indiferentes ao assunto, produzindo matéria noticiosa em quantidade, embora não tenha sido possível contabilizar esta componente noticiosa.
No tocante aos media Lituanos, atingiu-se a cifra de 30 artigos escritos, com cerca de 10.000 caracteres, igualmente positivos. O tempo de antena TV ficou em cerca de 17 minutos em horário nobre, com a difusão de mais de 10 peças informativas. Se atenderemos que este foi o 14º Destacamento da NATO desde 2004 (assunto muito batido), foi uma cobertura mediática bem sucedida.
CONTACTO DIRECTO COM A POPULAÇÃO
Os militares das Força Aérea receberam na Lituânia cerca de 250 cartas de crianças portuguesas que, estando a dar os primeiros passos na arte da escrita, quiseram corresponder-se pessoal destacado no estrangeiro. As cartas eram muitas vezes acompanhadas de desenhos, os quais estiveram afixados na entrada principal da Esquadra de Voo na Lituânia, durante a permanência portuguesa no local. Os militares fizeram questão de responder às crianças, explicando-lhes como era a Lituânia e o que é que faziam ali.
Quanto ao público Lituano, entre acções fora e dentro da Base Aérea, os militares da Força Nacional Destacada contactaram directamente com cerca de 500 visitantes/visitados, na sua maioria crianças e adolescentes.
O Destacamento recebeu quase três dezenas de visitas às suas instalações, de entidades distintas, escolas, grupos de interessados, etc. Foi superado em cerca de 20% (no mesmo período de tempo) o número total de visitantes atingido pelo Destacamento anterior (Força Aérea Romena), considerado até então um exemplo a seguir no tocante ao relacionamento com a população local.
AVALIAÇÃO
Desta forma, conclui-se que a campanha de Relações Públicas, da Operação “Baltics Air Policing 07”, foi um sucesso. A operação militar portuguesa no estrangeiro com maior cobertura mediática desde a viragem do século. Um exemplo a seguir por outras Forças Nacionais Destacadas no futuro. A campanha pode não ter sido perfeita, mas:
A perfeição é a especialidade de Deus, nós “só” buscámos a excelência.
(*) É tenente-coronel controlador de tráfego aéreo com mais de 27 anos de serviço e várias missões internacionais no seu curriculum, quer ligadas à sua especialidade quer na área das relações públicas, do protocolo e da cooperação civil-militar. Esteve ao serviço das Nações Unidas em Angola e na ex-Jugoslávia, da NATO nos países Bálticos e da União Europeia na Bósnia-Herzegovina. Foi oficial de informação pública do Comando NATO de Oeiras e actualmente é um dos oficiais de relações públicas da Força Aérea Portuguesa.
Miguel Machado é
Email deste autor | Todos os posts de Miguel Machado