KOSOVO: OPERAÇÃO “SOLIDARIEDADE”
Por Miguel Machado • 21 Mar , 2015 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI, EM DESTAQUE PrintAs operações militares são processos complexos cujas particularidades tecnológicas e tácticas vão variando ao longo dos tempos muito por força dos avanços da ciência, mas onde se assiste a algumas constantes. Não é novidade que o apoio das populações é parte importante para se alcançar o sucesso operacional. Mais fácil dizer do que fazer, cada teatro de operações tem realidades diferenciadas. Vamos ver um caso real passado no Kosovo neste ano de 2015.
Doutrina
As actividades designadas de Cooperação Civil-Militar (CIMIC) estão previstas quer na doutrina militar nacional quer na da Aliança Atlântica. Pretendem desencadear efeitos psicológicos favoráveis para a melhoria das relações entre civis e militares, procurando manter um equilíbrio na distribuição dos apoios entre as partes (partidos, etnias, religiões, minorias, etc.) como elemento revelador de imparcialidade. Como finalidade de médio e longo prazo, “a CIMIC deverá contribuir para serem atingidos, de um modo contínuo no tempo e na acção, os objectivos da política externa de Portugal” (doutrina Exército Português). A doutrina NATO define que a interacção entre as forças militares da Aliança e o ambiente civil onde as operações ocorrem, é crucial para o sucesso das mesmas. A Kosovo Force – KFOR, força multinacional de comando NATO – por seu lado determina que as iniciativas CIMIC, concretizadas pelos diferentes contingentes presentes no teatro de operações, devem ser divulgadas como Iniciativas Nacionais, devendo contudo respeitar os princípios de Neutralidade e Imparcialidade, assim como a integração de uma perspectiva de “Gender Balance” (igualdade entre homem e mulher).
As forças em operações devem preocupar-se não só em derrotar a capacidade e a vontade de um inimigo, como também em influenciar o comportamento e a vontade de todos os actores relevantes, de forma a actuar sobre as raízes do problema e ajudar a criar as condições necessárias ao estado final desejado. Isto tornará necessário a adopção de abordagens que considerem as acções militares em coordenação com as acções não militares (diplomáticas, económicas, informacionais, etc.), bem como com diferentes tipos de organizações. Com a finalidade de influenciar o comportamento dos diferentes actores relevantes, é necessário actuar sobre as suas capacidades, a sua compreensão e a sua vontade. Para alcançar este desiderato as operações militares actuam no domínio físico (as operações militares devem procurar provocar efeitos que degradem, a compreensão, a vontade e quebrem a coesão, em vez de simplesmente destruir capacidades através da atrição) e no domínio psicológico (procuram moldar a compreensão, as percepções e a vontade).
1.º BIPara no Kosovo
O 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista da Brigada de Reacção Rápida que no final do mês iniciará o regresso a Portugal depois de 6 meses no Kosovo, será substituído pelo Grupo de Auto-Metralhadoras da Brigada de Intervenção. A força portuguesa está sediada no campo militar português de “Slim Lines”, junto a Pristina a capital do país, mas actua em todo o território como força de reserva táctica do comandante da KFOR. Não tendo um sector específico onde dia-a-dia faz o seu trabalho – o que naturalmente facilitaria as missões apoio às populações necessitadas – o batalhão não deixa de estar empenhado.
Operação “Solidariedade”
Neste contexto o 1BIPara tomou a iniciativa de fazer uma operação de solidariedade dando visibilidade à nossa participação na missão KFOR e contribuindo para a protecção da força e para minimizar as carências das populações locais.
Do decorrer da missão contactou-se com uma comunidade católica Croata, carenciada, perto de Gracanica, chamada de Janjevo cujo pároco local é Dom Mateo (Croata). A falta de alimentos em casa de algumas famílias, assim como, a falta de medicamentos, foram reveladoras das enormes carências que de uma forma geral afectam esta comunidade, em particular, as crianças.
Foram também constatadas carências evidentes em Pristina e através do Capelão do Batalhão, Majot Constâncio Gusmão, verificou-se que na Paróquia de Santo António, perto do Centro da cidade e da Catedral da Beata Teresa de Calcutá, existe uma instituição de caridade dirigida por Irmãs Religiosas Vicentinas. De 2ª a 6ª feira, confeccionam alimentação para assistir mais de 100 pobres, alguns dos quais jovens estudantes. Dos 100 necessitados, cerca de 20 tomam diariamente a refeição no Centro, sendo que os restantes têm um familiar que vai levantar a alimentação.
Obtida a anuência do Comando das Forças Terrestres em Portugal para a distribuição de 500 rações de combate, que o director da empresa Eclipse(**) em Slim Lines se dispôs a pagar e que alguns militares do 1.º BIPara angariaram em Portugal donativos significativos em roupas, brinquedos e dinheiro que foi convertido em alimentos, foi calendarizada e realizada em 20 de Fevereiro de 2015 uma operação de solidariedade em Pristina e Janjevo.
Foram distribuídos cerca de 1.000€ de alimentos em Pristina e cerca de 2.500€ em Janjevo, em alimentos, roupas e brinquedos, sendo de ressalvar o excelente acolhimento e elevado agradecimento e reconhecimento recebido nos dois locais.
Mais uma missão cumprida para o 1.º BIPara, certamente das menos espectaculares, mas também sem dúvida alguma das que mais será lembrada pelos destinatários da ajuda. Modesta é certo, Portugal e as suas Forças Armadas não têm os recursos de outros países, mas ainda assim útil e dirigida a quem realmente dela necessita.
Miguel Machado é
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