GRANDE SISMO DO LESTE DO JAPÃO:O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS
Por Miguel Machado • 24 Abr , 2011 • Categoria: 02. OPINIÃO, EM DESTAQUE PrintDesde 11 de Março de 2011 que o Japão está confrontado com umas das situações mais complexas da sua existência. Mesmo com uma população treinada e serviços de socorro habituados a lidar com catástrofes naturais, desta vez as dimensões únicas do sismo e consequências do subsequente maremoto, levaram as Forças Armadas à “linha da frente” do apoio às populações e à contenção de um gravíssimo acidente nuclear. Aqui fica uma síntese do que se passou e as nossas conclusões.
Pelas 18h00 desse fatídico dia, menos de 4 horas depois de um sismo de “grau 9” com epicentro no Oceano Pacífico ter destruído e submergido muitas áreas habitacionais da costa japonesa da região de Sendai, 200 quilómetros a Noroeste de Tóquio, o Ministro da Defesa ordena às Forças de Auto-Defesa do Japão (FADJ) – designação das Forças Armadas do Japão depois da 2.ª Guerra Mundial – o accionamento de uma operação de socorro em larga escala. Rapidamente se percebe que algo diferente de uma “simples” catástrofe natural pode estar a acontecer e 1H20 depois, em resposta a uma situação detectada na Central Nuclear de Fukushima (Tokyo Electric Power Company – TEPCO – Fukushima Daiichi Nuclear Power Station), o Primeiro-Ministro declara o estado de “emergência nuclear” e activa – de acordo com os planos existentes – um Quartel-General de Resposta a Acidente Nuclear. Às 23h30 o Ministro da Defesa em conferência de imprensa informa que 8.000 elementos das FADJ, 300 aviões e helicópteros e 40 navios estavam a caminho da região ou a prepararem-se para isso e que alguns elementos das três componentes militares – Força Auto-Defesa Terrestre do Japão/Exército; Força de Auto-Defesa Naval do Japão/Marinha e Força de Auto-Defesa Aérea do Japão/Força Aérea – já estavam no local a tentar auxiliar sobreviventes, apesar de instalações militares locais, nomeadamente a Base Aérea de Matsushima, terem sido severamente atingidas. Esta base, junto à costa, está situada apenas a pouco mais de 2 m acima no nível médio das águas no oceano.
No dia seguinte pelas 09h20 o Ministro da defesa emitia uma ordem de operações para as FADJ implementarem uma missão de socorro ao acidente nuclear no complexo de Fukushima (que inclui duas centrais, a I onde se deu o acidente e a II, cerca de 10 km a sul, que não foi afectada), ambas exploradas pela mesma companhia, a TEPCO. Esta ordem decorria de acordo com directivas aprovadas no ano 2000 e o ministro envolveu expressamente na acção parte substancial da estrutura de comando, territorial e operacional das três componentes das FADJ, sob a coordenação do “Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
Para fazer face ao “Grande Sismo do Leste do Japão” (designação oficial desta catástrofe) estava em marcha uma operação militar que em 4 dias já envolvia 70.000 efectivos e passados mais 4, atingia os 106.000, ou seja, quase metade dos 230.000 que constituem o efectivo total das Forças Armadas do Japão. Os meios mais significativos empenhados foram 209 helicópteros, 321 aviões e 57 navios, e esta “taxa de esforço” de 100.000 militares em acção manteve-se por um mês e só foi reduzida quando se verificou não serem necessários. Neste processo foram chamados, logo a 16 de Março, 10.000 reservistas e o governo Japonês contou ainda com apoio dos EUA. Muito escrutinada pelos “media” japoneses sempre atentos ao relacionamento entre os dois países, os EUA lançaram a operação “Tomodachi” (Amigos), na qual envolveram 20.000 dos 50.000 militares da Marinha, Fuzileiros, Força Aérea e Exército, que as forças americanas têm estacionadas no país. Este apoio foi muito significativo e envolveu 140 aviões e helicópteros e 20 navios, com o comando da operação instalado a bordo do porta-aviões USS Ronald Regan que foi deslocado para o país para esta finalidade.
Na primeira semana de operações as FADJ, instalaram quartel-general conjunto na “região militar nordeste do Exército” e o seu general comandante assumiu o comando das forças conjuntas, tendo os três ramos resgatado com vida 19.430 pessoas e distribuído quantidades industriais de bens de primeira necessidade e combustíveis, estes em grande parte de reservas militares que apenas ficaram com o níveis necessários às suas próprias operações. Com condições atmosféricas adversas o combustível para aquecimento nos locais de reunião de sobreviventes foi mesmo um recurso crítico. As FADJ de acordo com planos existentes organizaram também um circuito de distribuição de bens alimentares e outros provenientes de ofertas da sociedade civil (empresas e particulares).
A dimensão da tragédia é dada pelas imagens que todos temos na memória e pelos números que hoje sabemos: 27.479 mortos e desaparecidos; cerca de 300.000 habitações totalmente destruídas ou gravemente danificadas (em 21ABR11). Em 8 de Abril, um dia depois de novo sismo, as FADJ fizeram um balanço e informaram que já tinham fornecido quase 2 milhões de refeições e estavam a apoiar 190.000 pessoas.
Em síntese, as tarefas militares foram: providenciar rapidamente combustível para aquecimento aos locais de reunião de sobreviventes; obter, contentorizar em quartéis por todo o Japão, transportar e distribuir grandes quantidades de bens de primeira necessidade como água potável, refeições e roupa, para milhares de pessoas, algumas isoladas onde só os helicópteros chegavam; cooperar com as Forças Americanas no Japão no apoio às vítimas desde o resgate de sobreviventes no mar e em terra até à remoção de escombros à distribuição de abastecimentos; convocar 10.000 reservistas para se juntarem às operações de socorro; colocar pessoal militar na “sala de crise” da Tokyo Electric Power Company (chefiada por um conselheiro especial do Primeiro-Ministro, que ficou responsável pela missão nesta área) para iniciar os trabalhos nesta vertente nuclear da catástrofe.
Os americanos por seu lado, segundo as autoridades japonesas, tiveram um importante papel nas acções de busca e salvamento, transporte de materiais, colocação a funcionar do aeroporto de Sendai (importante infra-estrutura para apoio às operações na região), limpeza de escolas e na desobstrução de instalações portuárias.
A operação de busca de corpos continua hoje e os militares começaram lentamente a voltar a sua acção para o apoio o regresso à vida normal na região e à reconstrução.
Fukushima Daiichi Nuclear Power Station
Se o trabalho em prol das vítimas do sismo e “tsunami” levou a esta mobilização maciça e militares, o envolvimento dos militares japoneses na Central Nuclear de Fukushima Daiichi, teve lugar desde muito cedo, foi e continua a ser relevante. As FADJ empenharam aqui, além de outros elementos das diversas armas e serviços, cerca de 500 militares da sua Unidade Central de Defesa contra Armas Nucleares Biológicas e Químicas. Também os militares americanos deslocaram para o Japão um destacamento especializado o Chemical, Biological, Incident Response Force.
Não é de estranhar portanto que nas conferências de imprensa dadas pelo Ministro da Defesa, ou pelas chefias militares, as questões relativas ao nuclear fossem muitas, mesmo das mais insistentes, e tenha competido a estas autoridades informar sobre questões relativas a desenrolar das operações, das temperaturas que iam sendo desenvolvidas nos reactores, e ao que a cada momento se ía experimentando. Sim, não raras vezes as autoridades confessavam que se estava perante situações novas e que a solução era ir avançando por tentativas. Por exemplo, como arrefecer os reactores? Os militares trabalharam quer nas “salas de crise” quer no terreno, lado a lado com outras agências civis.
Na central nuclear os militares começaram por empregar helicópteros CH-47 com sensores de infra-vermelhos para medir a temperatura das infra-estruturas afectadas e avaliar a sua evolução. Os mesmos helicópteros lançaram água sobre os reactores logo a 17 de Março e coube também aos militares (da Unidade de Defesa contra Armas NBQ) efectuarem o primeiro vídeo – em condições de enorme risco – das áreas afectadas. Quando os bombeiros de Tóquio começaram a pulverizar com água os reactores estas avaliações continuaram e destacamentos militares, ficaram imediatamente na sua retaguarda (o espaço era pouco, devido a grande quantidade de destroços no local), para os substituir, o que aconteceu em 20 de Março pela primeira vez e continuou em dias seguintes. Nesta mesma data o Exército iniciou o deslocamento para uma base de operações estabelecida nos arredores da central, a J-Village (instalações desportivas que haviam sido evacuadas), de carros de combate “Tipo 74” com “dozer” (lâmina colocada na frente do carro para remover obstáculos). Estes carros de combate, usualmente considerados como semelhantes aos M-60 americanos que bem conhecemos, estando preparados para combater em ambientes NBQ, destinavam-se a tentar remover os destroços que dificultavam as operações de bombagem de água junto aos reactores.
O facto da central e restantes zonas afectadas se encontrarem junto à costa também levou a que muitas operações necessitassem de apoio de navios de vários tipos, desde porta-helicópteros e fragatas a navios logísticos e lanchas de desembarque, passando por barcaças (americanas) com capacidade para transportar toneladas de água potável, destinadas às operações de arrefecimento dos reactores.
O governo do Japão definiu como valor compensatório a atribuir às famílias dos militares que viessem a falecer por ter estado envolvidos na operação na Central Nuclear, 75.600 €. Trata-se de valor idêntico ao previsto para o caso dos falecidos no Iraque. Nas restantes operações exteriores o valor é de 50.400 €. Até à data em que escrevo um militar havia morrido nesta operação.
Conclusões
Parece evidente que apesar da dimensão brutal destes acontecimentos, o accionamento dos meios militares, correu de modo muito rápido e organizado, seguindo-se planos estabelecidos e treinados, articulando autoridades militares e civis, o que permitiu salvar muitos sobreviventes do sismo e “tsunami”. As Forças de Auto-Defesa do Japão empenharam cerca de metade do seu efectivo – corresponderia em Portugal a terem sido colocados no terreno numa operação destas, cerca de 20.000 militares – e muitos meios aéreos, viaturas e navios. O apoio das Forças Americanas no Japão foi muito importante não só pelo número, como pelos equipamentos, alguns dos quais foram mesmo críticos.
Na contenção do acidente nuclear, para o que os militares não tinham experiência, mas dispunham de alguns equipamentos adaptáveis e pessoal treinado, as coisas foram-se fazendo “à vista”. Nem civis nem militares poderiam ter feito muito mais e foram corridos riscos enormes por quem combateu a catástrofe na “linha da frente”, civis – bombeiros sobretudo – e militares.
Uma última constatação deste lado do mundo: exemplar a divulgação de informação quer em tempo útil quer em qualidade e até em língua inglesa, para o mundo inteiro ler. Mesmo sendo um acontecimento triste, dá gosto ler as transcrições em inglês das dezenas de conferências de imprensa (inicialmente eram diárias) dadas pelo ministro da defesa e chefes militares, e perceber que as perguntas dos jornalistas são respondidas directamente sem subterfúgios.
Nem tudo terá corrido bem e a seu tempo mais dados se saberão, mas há aqui sem dúvida muita matéria para reflexão. No Japão e no mundo inteiro, não sendo Portugal excepção.
Miguel Machado é
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