logotipo operacional.pt

GRANDE GUERRA 1914-1918: ANGOLA, MARCHA PARA NAULILA, 1914

Por • 9 Jun , 2011 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX Print Print

Manuel Ribeiro Rodrigues apresenta-nos hoje, pela pena do Tenente Ernesto Moreira dos Santos, (e com algumas fotos bem curiosas) mais um episódio esquecido com as tropas portuguesas em África no decurso da 1.ª Guerra Mundial. Aqui está bem patente, descrito por quem lá esteve, as terríveis condições em que se fez a participação nacional naquela campanha.

ANGOLA, DEZEMBRO DE 1914

(…)Depois do incidente de Naulila foi dada ordem de marcha imediata, Dezembro de 1914, ao Batalhão de Infantaria n.º 14 (que estacionava no Lubango) , para o sul, em marchas forçadas num percurso de 400 quilómetros, sem postos de etapas preparados, sem água, sem carros para transportes de víveres (…)

(Foto colecção particular)

(Foto colecção particular)

(…) Os poços que se encontravam abertos pelos gentio, estavam secos. Num relatório oficial de subsistências, lê-se: “em todos os pontos do itinerário da marcha, nada havia e a ausência de recursos fazia supor que até se ignorava ou, pelo menos, fingia ignorar-se a marcha do destacamento (…)


O percurso foi doloroso (Colecção particular)

O percurso foi doloroso (Colecção particular)

(…) Do Lubango marchámos para a fronteira sul da província, pelo seguinte itinerário: Lubango, Chibia,Chaungo, Quiita, Rio de Areia, Cambos, Tchiapepe, Chicua, Ediva, Tchicusse, Tchipelongo, Bela-Bela, Catequero, Humbe, Forte Roçadas, Dangoêna e Naulila (…)

(…) O percurso foi doloroso. Não foi a marcha diária de 25 a 30 quilómetros, numa extensão de mais de 400, sobre caminhos arenosos, a pé, equipados com toda a indumentaria da infantaria, reforçada com 100 cartuchos, foi a sede, a horrível sede que nos fazia inchar a língua, provocando uma péssima respiração,e ainda por cima disto, uma poeira de brasa, que escaldava a garganta, prejudicava os pulmões e cansava o coração (…)

Bebeu-se, bebeu-se... (Colecção particular)

Bebeu-se, bebeu-se... (Colecção particular)

(…) Para atenuar, em parte, estes males, faziam-se as marchas de manhã cedo e de tarde. Uma noite, bivacámos junto de uma lagoa, de água represada pelas chuvas. Ao vermos a tonalidade da água à noite e a sua limpidez, despertou-nos o desejo ardente de saltar lá para dentro e beber, beber, até fartar. Foi o que se fez…Bebeu-se, bebeu-se e encheram-se os cantis e os sacos de lona. No dia seguinte a marcha continuou, e a subir, serpenteando a encosta e olhando lá para trás, lá estava a lagoa e, dentro dela, viam-se da sua transparência, cadáveres de dois pretos, de bois e outros animais. Um estremecimento correu-nos a espinal-medula, mas ninguém deitou a água fora…ninguém falou mais nisso…e a marcha continuou, continuou sempre. Era o medo pavoroso da sede (…)

(…) Ao chegarmos a Tchipelongo (antiga missão) existia ainda um forno velho, onde o pessoal da missão cozia, em tempos, o seu pão (…) O comandante do batalhão, resolveu dar-nos pão fresco (pois comíamos, durante a marcha, bolacha que tinha sobejado da expedição do Cuamato em 1907). A secção de quartéis preparou a massa, aqueceu-se o forno e enfornou-se o pão (…) Estava a massa meia crua, meio cozida, abate o forno em cima e…continuamos a comer bolacha, sempre bolacha que para ser mastigada era preciso demolhá-la primeiro, depois de bater uns bocados contra os outros, para caírem uns bichinhos pretos que nasciam no seu interior (…)

Socorridos na ambulância...(Colecção particular)

Socorridos na ambulância...(Colecção particular)

(…) Outra vez em plena marcha, começámos a ouvir um pronunciado zumbido parecido com o ruído de um avião ao longe. Ainda não tínhamos compreendido a causa, já estávamos a fugir da formatura, fazendo das mãos abano. O que era? Nada mais, nada menos do que um ataque de vespas, saídas do chão, dum enorme buraco que lhes servia de guarida (…) Quem faz uma pequena ideia, do que é um ataque de vespas enormes, enfurecidas, irrequietas e más, a vingarem-se de quem as queria espezinhar? (…) Só quem sofreu as suas picadas e teve de curar-se seriamente, pode avaliar o mal que causam. Camaradas houve que só passados dias deixaram de ter inchaços, e outros de ser socorridos na ambulância. Foi a irritação do ferrão das vespas que nos consumiu a paciência e a alma (…)

(Colecção particular)

(Colecção particular)

(…) Houve muitos retardatários, devido à sede e ao mau caminho, arenoso, esburacado; mas a marcha dos Gambos para o sul, foi pior, foi penosíssima. Mas como era necessário chegar à fronteira primeiro que os alemães, chegou-se! E eles foram transportados em carros e a cavalo, quase com conforto! (…)

(…) O sol era quase vertical, a natureza estava numa quietude esmagadora e até as feras se escondiam à sombra…pendem, murchos, os ramos das árvores, e a coluna marcha, marcha sempre, marcha até encontrar água (…)

(…) Já tínhamos marchado mais de 300 quilómetros; o organismo sentia bem a falta de comodidade e a fraca alimentação, mas, principalmente, a falta de água, naquela atmosfera de brasas (…)

(…) Mas tudo tem um fim, e esta marcha terminou ao fim da tarde, num terreno de arbustos. Armaram-se as tendas, estendeu-se no chão a tenda o quarto pano e depois de uma sacudidela da areia embrenhada na farda, tudo se aprestou a descansar (…)

(…) às quatro horas da manhã do dia seguinte o corneteiro encarregou-se de acordar aquela gente toda (…) tudo se preparou e depois de tomado o café, mais uma etapa, mais quilómetros, mais poeira de areia escaldante, mais sede (…)

Mais quilómetros, mais poeira de areia escaldante...(Colecção particular)

Mais quilómetros, mais poeira de areia escaldante...(Colecção particular)

(…) Mas, há sempre um mas, começamos a notar no corpo, mais no pescoço e na cabeça, umas picadelas estranhas…Que seria…que não seria? Verificamos que tínhamos o corpo cheio de carraças, mas umas carraças de gado bravo, que nos chupavam o sangue produziam um mal-estar enorme, criando uma sensação de perigo e nojo…e o resto da marcha passou-se numa ansiedade de chegar depressa, para nos revistarmos uns aos outros. Alguns camaradas até no cabelo e na barba tinham daqueles insectos parasitas, que foi necessário, com alfinetes e paus aguçados, tirá-los, um a um, deixando a pele a sangrar (…) Não tínhamos desinfectante para estas feridas, que embora insignificantes, receávamos alguma infecção devido ao suor, à poeira, à falta de higiene. Felizmente não houve nada (…)

No Forte Roçadas (Colecção particular)

No Forte Roçadas (Colecção particular)

No Forte Roçadas (Colecção particular)

No Forte Roçadas (Colecção particular)

(…) Já perto do Humbe, começa o terreno a ser muito pantanoso. Do Humbe ao Cunene o clima é quente e húmido. Neste terreno pantanoso, que é coberto por triliões de mosquitos, região das mais insalubres de Angola, adoeci, fraquejaram-me as pernas, zumbiram-me os ouvidos, a cabeça andava-me à roda, num redopio constante de vertigem. Ardia de febre. Queria andar e não podia. Camaradas meus, levaram-me amparado, para não ficar abandonado no mato. Não era andar; era o arrastar penoso de um inválido. Assim marchei três dias(…)

(…) Ao terceiro dia à noite, no fim da marcha, não aguentei mais, caí, perdi os sentidos. Quando acordei, estava no Forte Roçadas, num barracão que servia de hospital de campanha (…)

Num barracão que servia de hospital...(Colecção particular)

Num barracão que servia de hospital...(Colecção particular)

(…) No dia 14 de Dezembro de 1914, apresentei-me em Naulila. Pediram-me a alta do Hospital; respondi que a tinha perdido durante a marcha (…)

Naulila (Colecção particular)

Naulila (Colecção particular)

(…) No reconhecimento em que participei no dia 16 atravessamos o Cunene a vau por duas vezes, na perseguição de uma patrulha alemã que se suspeitava nas proximidades (…)

Tenente Ernesto Moreira dos Santos
“Memórias”

Coordenação do texto e ilustrações: Manuel Ribeiro Rodrigues / Blog GRANDE GUERRA – 1914 A 1918

"Tagged" como: , , , , ,

Comentários não disponíveis.