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FORÇAS ARMADAS EM PROTECÇÃO CIVIL: ENQUADRAMENTO LEGAL

Por • 15 Nov , 2012 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

Mais um artigo do major Rui Pais dos Santos, sobre um tema que não é pacífico – estranhamente no nosso entender porque a defesa da floresta é uma causa nobre e não devia ser atropelada por interesses obscuros –  e na qual as Forças Armadas, no cumprimento da lei, “centram uma parte da sua actividade“. Estamos perante mais um contributo, mais um ponto de vista, que nos parece bem fundamentado e aponta para o essencial: todos devemos lutar pela floresta portuguesa e isso inclui claramente as Forças Armadas.

Fica

A moldura legal que enforma as Forças Armadas, a Proteção Civil e a defesa da floresta contra incêndios prevê e determina que as Forças Armadas centrem uma parte da sua atividade na consecução de tarefas no âmbito da proteção da floresta contra incêndios florestais.

Enquadramento Legal da participação das Forças Armadas em Proteção Civil

Introdução
No período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de setembro de 2012, houve um total de 20.501 incêndios florestais, de que resultaram 104.125 hectares de área ardida. Uma vez mais, as Forças Armadas juntaram-se ao esforço nacional para o combate aos incêndios florestais. Neste artigo iremos fazer um enquadramento legal da participação das forças armadas em protecção civil. Iremos apresentar a legislação que suporta o emprego das mesmas nesta tipologia de operação, mas sem fazer uma análise exaustiva da mesma, até porque não somos especialistas em direito. Desde já, salientamos que não iremos abordar a participação das Forças Armadas em ações de defesa da floresta contra incêndios que possam recair, no que em Portugal, é definido como Segurança Interna (1). A participação das Forças Armadas em Segurança Interna tem sido analisada, recorrentemente, por diversos especialistas, pelo que, considerámos que a mesmo não deverá ser por nós aqui abordada.
Ao longo deste artigo demonstraremos como a moldura legal que enforma as Forças Armadas, a Proteção Civil e a defesa da floresta contra incêndios prevê e determina que as Forças Armadas centrem uma parte da sua atividade na consecução de tarefas, no âmbito proteção civil, com vista à proteção da floresta contra incêndios florestais.
Este artigo inicia-se com a legislação enquadrante para as Forças Armadas, seguidamente sobre a que regula a atividade de proteção civil e prosseguindo com alguma da legislação aplicável à proteção da floresta contra incêndios. No final apresentamos uma breve conclusão.

Forças Armadas
A Constituição da República Portuguesa (CRP) define no número 6 do Artigo 275.º que “as Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de proteção civil [e] em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações“. Descerrando desta forma, a Lei fundamental, a possibilidade de emprego de meios das Forças Armadas no combate aos incêndios florestais. Por sua vez, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), entre as missões principais das Forças Armadas, contempla a “realização de missões de interesse público, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar“. Clarificando que, as Forças Armadas deverão possuir a “capacidade de, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar, realizar outras missões de interesse público, nomeadamente (…) apoio à proteção civil e auxílio às populações em situação de catástrofe ou calamidade, e, em colaboração com as autoridades competentes, contribuir para a proteção ambiental, defesa do património natural e prevenção dos incêndios” (CEDN, 2003, p.286).
O Artigo 24.º da Lei da Defesa Nacional (LDN), em consonância com a CRP, refere que “incumbe às Forças Armadas (…) colaborar em missões de proteção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações” (LDN, 2009). Sendo esta missão reiterada no Artigo 4.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA).
Segundo o Decreto-Lei que regula a Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas (LOEMGFA), compete ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior, “definir as condições do emprego de forças e meios afetos à componente operacional do sistema de forças no cumprimento das” missões de proteção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações (LOEMGFA, 2009, Art. 11.º). No Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Comando Operacional Conjunto é o órgão que permite ao General CEMGFA o exercício do “comando de nível operacional das forças e meios da componente operacional do sistema de forças nacional“. Competindo-lhe, em particular, “assegurar a ligação com as forças de segurança e outros organismos do Estado relacionados com a segurança e defesa e a proteção civil“, “planear e coordenar o emprego das forças e meios do sistema de forças nacional em ações de proteção civil” e “assegurar a componente de execução que permita garantir a capacidade de (…) ligação com os organismos do Estado relacionados com a segurança e defesa e a proteção civil” (LOEMGFA, 2009, Art. 14.º).
O Comando Operacional Conjunto incorpora o Estado-Maior do Comando Operacional Conjunto e o Centro de Situação e Operações Conjunto. Ao primeiro incumbe, entre outras tarefas, “definir as condições de emprego de forças e meios afetos à componente operacional do Sistema de Forças Nacional para o cumprimento de missões de proteção civil, de tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações e de outras missões de interesse público“. Por sua vez, o Centro de Situação e Operações Conjunto garante “o acompanhamento do empenhamento das forças e meios das Forças Armadas no cumprimento (…) de missões de proteção civil, de tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações e de outras missões de interesse público” e assegura a ligação ao Centro de Situação da Autoridade Nacional de Proteção Civil (LOEMGFA, 2009, Art. 18.º).
O Artigo 2.º dos Decretos-Lei que regulam a Orgânica da Marinha (LOMar), do Exército (LOE) e da Força Aérea (LOFA) define como uma das missões de cada um destes Ramos “colaborar em missões de proteção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações“. Plasmando, desta forma, a articulação entre a legislação específica de cada um dos Ramos, com a legislação que os enquadra.
Pelo exposto, constatamos que toda a moldura legal que enforma as Forças Armadas prevê e determina que estas centrem uma parte da sua atividade na consecução de tarefas no âmbito da proteção civil e da melhoria da qualidade de vida das populações. Desta forma, é dado corpo a uma tipologia própria de missões, definidas no seio das Forças Armadas, como Outras Missões de Interesse Público (OMIP).

Proteção Civil
Nas linhas seguintes iremos focar-nos na legislação que enforma a Proteção Civil, mantendo, no entanto, a perspetiva de análise centrada na participação das Forças Armadas nas atividades de proteção civil.
A Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC) institui a Comissão Nacional de Proteção Civil, que é presidida pelo Ministro da Administração Interna. Esta Comissão, onde o Estado-Maior-General das Forças Armadas tem representação permanente, “assiste o Primeiro-Ministro e o Governo no exercício das suas competências em matéria de proteção civil” e compete-lhe a coordenação em matéria de proteção civil (LBPC, 2006, Art. 36.º e 37.º). O Artigo 46.º da mesma lei atribui às Forças Armadas o estatuto de Agente de Proteção Civil.
O Capítulo VI da LBPC é na íntegra dedicado ao papel das Forças Armadas na proteção civil. Clarificando o Artigo 54.º que a colaboração das Forças Armadas pode ser através de “ações de prevenção, auxílio no combate e rescaldo em incêndios“, do “reforço do pessoal civil nos campos da salubridade e da saúde, em especial na hospitalização e evacuação de feridos e doentes“, de “ações de busca e salvamento“, da “disponibilização de equipamentos e de apoio logístico para as operações“, da “reabilitação de infraestruturas” e da “execução de reconhecimentos terrestres, aéreos e marítimos e prestação de apoio em comunicações“. No Artigo 58.º são definidas as formas de apoio, sendo estas o apoio programado e o apoio não programado. O primeiro é “prestado de acordo com o previsto nos programas e planos de emergência previamente elaborados, após parecer favorável das Forças Armadas” e o segundo como resposta a solicitações apresentadas pela Proteção Civil. O emprego de meios militares em ações de apoio não programado está sujeito ao sancionamento por parte do Estado-Maior-General das Forças Armadas de acordo com a “disponibilidade e prioridade de emprego dos meios militares” (LBPC).
A organização e missão da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) é definida pelo Decreto-Lei n.º 75/2007 (LOANPC), atribuindo-lhe a responsabilidade de “assegurar a coordenação horizontal de todos os agentes de proteção civil e as demais estruturas e serviços públicos com intervenção ou responsabilidades de proteção e socorro” (Art. 2.º). O Artigo 5.º estabelece o dever especial de colaboração com a ANPC por parte dos agentes de proteção civil, e por conseguinte, das Forças Armadas.
Pelo Decreto-Lei n.º 134/2006, de 25 de Julho, foi criado o Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS), que visa estabelecer um “conjunto de estruturas, normas e procedimentos que asseguram que todos os agentes de proteção civil atuam, no plano operacional, articuladamente sob um comando único, sem prejuízo da respetiva dependência hierárquica e funcional” (Art. 1.º). O comando único assenta na coordenação institucional e no comando operacional.
A coordenação institucional, tal como o nome indica visa compatibilizar a atuação de “todas as instituições necessárias para fazer face a acidentes graves e catástrofes“. Sendo assegurada pelo Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON) e pelo Centro de Coordenação Operacional Distrital (CCOD) existente em cada um dos distritos. Quer o CCON, quer os diversos CCOD podem “integrar um elemento das Forças Armadas desde que estejam empenhados nas operações de proteção e socorro, emergência e assistência meios humanos e materiais a estas solicitados” (Art. 3.º).
Pese embora, o Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 134/2006, referindo-se ao comando operacional, clarifique que os diversos agentes de proteção civil “funcionam sob a direção ou comando previstos nas respetivas leis orgânicas“. O Artigo 7.º atribui ao Comando Nacional das Operações de Socorro (CNOS) e o Artigo 11.º ao Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) a competência para “assegurar o comando e controlo das situações que pela sua natureza, gravidade, extensão e meios envolvidos ou a envolver requeiram a sua intervenção“. O Capítulo IV deste Decreto-Lei explana como é feita a gestão das operações, estatuindo a criação de um Posto de Comando Operacional como sendo “o órgão diretor das operações no local da ocorrência destinado a apoiar o responsável das operações na preparação das decisões e na articulação dos meios no teatro de operações“. Salienta-se que “o chefe da primeira força a chegar ao local assume de imediato o comando da operação e garante a construção de um sistema evolutivo de comando e controlo da operação“. Este sistema evolutivo pode incluir a ativação do CDOS e, numa fase seguinte, do próprio CNOS.
O Artigo 28.º estabelece o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF), que tem por objetivo “aumentar a rapidez e a qualidade da interposição das forças de intervenção de todas as organizações integrantes do SIOPS“. Para o ano 2012, o DECIF foi estabelecido com base na Diretiva Operacional Nacional n.º 2 – DECIF (CNOS, 2012), aprovada em 12 de março de 2012, pela Comissão Nacional de Proteção Civil. O DECIF compreende estruturas de direção, coordenação e comando operacional. Bem como, forças(2) e meios aéreos(3) de empenhamento permanente na execução das missões de combate a incêndios florestais, meios de apoio logístico e suporte direto às operações(4) e outras forças(5) , das quais salientamos os “meios das Forças Armadas, no âmbito e de acordo com o Plano Lira” (p.13).
Consideramos curioso a participação das Forças Armadas somente ser referida como no âmbito do Plano Lira, visto este ser um plano do Exército, e como tal de um dos ramos das Forças Armadas, não tendo por isso aplicabilidade ao nível do EMGFA, da Marinha ou da Força Aérea, que também participam neste desidrato nacional.

Defesa da Floresta Contra Incêndios
Mas, estando a falar de combate a incêndios florestais, não poderíamos deixar de referir alguma da legislação que enforma esta atividade. A primeira referência que consideramos importante efetuar remonta à Lei 10/81, de 10 de julho. No seu artigo 7º, refere que a participação das Forças Armadas pode ser solicitada pelos órgãos regionais de Proteção Civil, mediante “as normas e acordos estabelecidos“.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006 aprova o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (PNDFCI). Este plano constitui uma “mudança de paradigma na defesa da floresta [que] permitirá otimizar a eficiência da prevenção, da vigilância, da deteção e da fiscalização [e] gerir eficiente e eficazmente os meios de combate e garantir uma articulação de esforços entre todos os intervenientes” (p.1). O PNDFCI assenta em cinco eixos estratégicos de atuação, que são: o “aumento da resiliência do território aos incêndios florestais“; a “redução da incidência dos incêndios“; a “melhoria da eficácia do ataque e da gestão dos incêndios“; o “recuperar e reabilitar os ecossistemas“; e, a “adaptação de uma estrutura orgânica e funcional eficaz“.
Com a operacionalização, na Guarda Nacional Republicana (GNR), do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) este recebeu a responsabilidade de coordenar as ações de dissuasão, vigilância e fiscalização, sendo-lhe conferida a missão de coordenar “todas as ações de vigilância e fiscalização“. Compete ao SEPNA/GNR definir os circuitos de vigilância e fiscalização, tendo em conta a localização dos postos de vigia (PNDFCI, 2006, p.7). Pelo que, a vigilância terrestre móvel funciona como um complemento da rede de vigilância fixa, sendo conseguida “através da articulação do terreno de elementos das Forças Armadas, da GNR, das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia (…), dos Bombeiros e das Equipas de Sapadores Florestais e das Brigadas do Instituto de Conservação da Natureza (ICN)” (p.8).
O PNDFCI define que “as Forças Armadas, nos termos da lei, colaboram no sistema de vigilância e sensibilização, desempenhando ações de patrulhamento e vigilância(6) (incluindo a ocupação de postos de vigia). A definição das áreas de patrulhamento e a ocupação dos postos de vigia da RNPV, deverá ser articulada entre o EMGFA, a DGRF e SEPNA/GNR” (PNDFCI, 2006, p.10). Esclarece ainda que, o Ministério que tutela a proteção das florestas(7) e o Ministério da Defesa Nacional (MDN), no 1º trimestre de cada ano, estabelecem um protocolo de colaboração para o efeito (p.10).

Embora, não sendo nuclear neste trabalho, julgamos interessante referir que o PNDFCI, referindo-se ao desenvolvimento do ataque ampliado, e para “qualificar elementos de Comando que integrem Estados-Maiores dos Comandos Distritais e Nacionais com as competências necessárias ao planeamento dos meios aéreos, respetiva coordenação nos Teatros de Operações“, contempla “a celebração de protocolo com as FA [Forças Armadas] para que Oficiais da Força Aérea e do Exército, possam disponibilizar a sua experiência no planeamento e emprego de meios aéreos” (PNDFCI, 2006, p.14). No entanto, realçamos que este documento foi elaborado em 2006, numa altura em que a estrutura da Proteção Civil se encontrava em processo de restruturação.
O PNDFCI, referindo-se a uma das que têm sido as principais missões neste âmbito executadas pelas Forças Armadas, as operações de rescaldo, define “Que não tendo pessoal suficiente, o comandante das operações deve providenciar a requisição imediata de meios dentro da estrutura dos bombeiros, e, se necessário das equipas de sapadores florestais, militares e máquinas” (PNDFCI, 2006, p.14). O mesmo plano clarifica que, o comandante das operações deve “implementar medidas de coordenação com estes meios, e para as quais não será dispensável a nomeação de elementos dos bombeiros que conheçam o TO e funcionem como elementos de ligação e guias para aquela atividade” (p.14). Particularizando que a “participação das Forças Armadas, em situações de grandes incêndios, é de extrema importância dado que permite a consolidação do trabalho de extinção executada pelas corporações de bombeiros” (p.15). Todavia, o PNDFCI salienta que esta atividade “deverá ser acompanhada com ações de formação sobre combate a incêndios, segurança e consequente aquisição de ferramentas de sapador” (p.15). Sobre este assunto, aludimos que o Exército possui uma publicação denominada “Normas Técnicas de Apoio à Participação de Militares do Exército em Operações de Rescaldo a Incêndios Florestais” (EME, 1992), que cobre as áreas identificadas como necessárias pelo PNDFCI. Sobre a formação individual e coletiva dos militares e equipamento das forças que participam nesta tipologia de operações debruçar-nos-emos, num futuro trabalho. O PNDFCI refere ainda que “O SNBPC(8) proporá, a partir de 2006, ao CEMGFA, programas de formação a serem ministrados aos Elementos de Comando as metodologias necessárias à coordenação operacional dos elementos das FA para rentabilização das suas intervenções” (p.15).
Quanto à vigilância pós-rescaldo que “deverá ser, também, garantida pelo responsável da operação através dos elementos dos bombeiros presentes no Teatro de Operações (TO) de modo a poder ser possível intervir rapidamente em situação de eventuais reacendimentos“. Define o PNDFCI que “Havendo no terreno Equipas/Brigadas de Sapadores Florestais, Elementos das Forças Armadas, estes, em articulação com as cadeias de comando próprias, ou outras qualificadas para o efeito, garantirão a vigilância pós rescaldo, até que se certifique não existirem sinais de combustão” (p.15).
Este Plano, referindo-se à capacidade de logística de suporte à defesa da floresta contra incêndios, salienta que “a única reserva estratégica do sistema encontra-se nas Forças Armadas” (p.17). Reiteramos que este documento remonta ao ano de 2006, e que diversas medidas foram implementadas no âmbito da ANPC e do SIOPS desde então. No entanto, consideramos que não sendo a única, as Forças Armadas não deixaram de ser uma reserva estratégica para a Proteção Civil.

O Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, com a redação dada Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro, estabelece as medidas e ações estruturais e operacionais relativas à prevenção e proteção das florestas contra incêndios, a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios. Este sistema suporta-se em três pilares fundamentais, o primeiro refere-se à prevenção estrutural, o segundo assente na vigilância, deteção e fiscalização e o terceiro relativo ao combate, rescaldo e vigilância pós-incêndio. Se no primeiro pilar a participação das Forças Armadas será residual e apenas assente na gestão dos espaços florestais da sua responsabilidade, no segundo e terceiro pilar o papel das Forças Armadas pode ser amplo. No âmbito deste Decreto-Lei é criado o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios (SDFCI). Pelo Capítulo III, reservado ao planeamento de defesa da floresta contra incêndios, são criadas as Comissões de Defesa da Floresta. Estas comissões são estruturas de articulação, planeamento e ação que têm como missão a coordenação de programas de defesa da floresta (Art. 3.º-A). Das suas competências salientamos, a responsabilidade de “elaborar um plano de defesa da floresta contra incêndios, que defina as medidas necessárias para o efeito e que inclua a previsão e planeamento integrado das intervenções das diferentes entidades perante a ocorrência de incêndios, em consonância” com o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios; e, “articular a atuação dos organismos com competências em matéria de defesa da floresta, no âmbito da sua área geográfica” (Art. 3.º-B). As Forças Armadas têm representação ao nível das Comissões Distritais de Proteção da Floresta (Art. 3.º-C). Este diploma legislativo define que “as Forças Armadas, sem prejuízo do cumprimento da sua missão primária, participam nas ações de patrulhamento, vigilância, prevenção, deteção, rescaldo e vigilância pós-incêndio florestal“.
Mas, este diploma vai mais além, referindo que a Forças Armadas têm “para esse efeito as competências de fiscalização previstas no Artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 327/80, de 26 de Agosto com a redação que lhe é dada pela Lei n.º 10/81, de 10 de julho” (Art. 34.º). Este Artigo refere que “poderão formar-se corpos especiais de vigilantes de incêndios aos quais sejam confiadas certas zonas de florestas ou determinadas vias de comunicação com o objetivo de nelas fiscalizarem o cumprimento das disposições” da Lei n.º 10/81, de 10 de julho e dos seus regulamentos (Art. 11.º). Ou seja, poderá ser atribuído às Forças Armadas a responsabilidade para fiscalizarem o preceituado pela Lei n.º 10/81, de 10 de julho. Por entendermos que, este assunto nos iria levar para um caminho desviante daquele que nos propomos a seguir – qual a legalidade das Forças Armadas fiscalizarem? – decidimos não aprofundar o seu estudo.
Retomando ao Decreto-Lei 124/2006, republicado pelo Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro, o Artigo 34.º estatui que “As Forças Armadas colaboram em ações nos domínios da prevenção, vigilância, deteção, rescaldo e vigilância pós-incêndio florestal, na abertura de aceiros, nas ações de gestão de combustível das matas nacionais ou administradas pelo Estado e no patrulhamento das florestas, em termos a definir por despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, da Defesa Nacional e” do Ministério que superintende as florestas(9). O mesmo Artigo reitera a que a participação das Forças Armadas é feita em respeito pela sua cadeia de comando. Pese embora refira que a atuação destas deve ser articulada com a Guarda Nacional Republicana (GNR) e com a ANPC. Este Artigo prevê ainda a participação das Forças Armadas na “abertura de faixas de gestão de combustível e nas ações de gestão de combustível dos espaços florestais“, sendo que neste caso a responsabilidade de coordenação recai sobre a Autoridade Florestal Nacional e, em determinados casos, no Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade.

Conclusão
A legislação que enforma as Forças Armadas prevê a participação destas em ações de proteção civil e da melhoria das condições de vida das populações. Este desiderato ecoa na legislação que regula a atividade de proteção civil ao conferir às Forças Armadas o estatuto de agente de proteção civil. Esta legislação atribui responsabilidades às Forças Armadas, não só de forma genérica enquanto agente de proteção civil, mas de forma explícita definindo um conjunto de tarefas que estas podem e devem executar, bem como, a sua representatividade ao longo das estruturas de coordenação, controlo e comando. Por sua vez, a legislação que enquadra a defesa da floresta contra incêndios incorpora a participação das Forças Armadas nas Comissões de Defesa da Floresta e num conjunto de ações destinadas a minimizar a incidência e os efeitos dos fogos florestais. Pelo que, consideramos demonstrado que a moldura legal que enforma as Forças Armadas, a Proteção Civil e a defesa da floresta contra incêndios prevê e determina que as Forças Armadas centrem uma parte da sua atividade na consecução de tarefas no âmbito da proteção da floresta contra incêndios florestais.

Não abordámos conceitos como eficácia, eficiência e economia ao longo deste trabalho. Mas, parece-nos axiomático que o emprego de capacidades existentes nas Forças Armadas, para apoio ao combate do flagelo dos fogos florestais, não só é legalmente previsto, como, do ponto de vista da eficácia, eficiência e economia, é socialmente exigível. Pois, perante um flagelo nacional, como são os incêndios florestais, um Estado não pode abdicar de utilizar todos os meios ao seu dispor, incluindo, necessariamente, as capacidades residentes nas suas Forças Armadas.

A sumula agora apresentada permitiu enquadrar, no edifício legislativo português, a participação das Forças Armadas, em missões de defesa da floresta contra incêndios, no âmbito da Proteção Civil. Julgamos interessante que este assunto fosse abordado no âmbito da Segurança Interna, no entanto, pelas razões expostas, não iremos seguir por esse rumo.

Bibliografia
Legislação
Lei 10/81, de 10 de julho. Lisboa: Diário da República.
Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro. Lisboa: Diário da República.
CEDN, 2003. Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003). Lisboa: Diário da República.
CRP, 2005. Constituição da República Portuguesa – sétima revisão constitucional (Lei Constitucional n.º 1 / 2005, de 12 de agosto). Lisboa: Diário da República.
LBPC, 2006. Lei de Bases da Proteção Civi (Lei n.º 27/2006). Lisboa: Diário da República.
LDN, 2009. Lei de Defesa Nacional (Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 07 de julho). Lisboa: Diário da República.
LOANPC, 2007. Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil (Decreto-Lei n.º 75/2007, de 29 de março). Lisboa: Diário da República.
LOBOFA, 2009. Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 07 de julho). Lisboa: Diário da República.
LOE, 2009. Lei Orgânica do Exército (Decreto-Lei n.º 231/2009, de 15 de setembro). Lisboa: Diário da República.
LOEMGFA, 2009. Lei Orgânica do Estado-Maior General das Forças Armadas (Decreto-Lei n.º 234/2009, de 15 de Setembro). Lisboa: Diário da República.
LOFA, 2009. Decreto-Lei que regula a Orgânica da Força Aérea (Decreto-Lei n.º 232/2009, de 15 de setembro). Lisboa: Diário da República.
LOMar, 2009. Lei Orgânica do Exército (Decreto-Lei n.º 233/2009, de 15 de setembro). Lisboa: Diário da República.
LSI, 2008. Lei de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto). Lisboa: Diário da República.
PNDFCI, 2006. Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006). Lisboa: Diário da Republica.
SIOPS, 2006. Decreto-Lei n.o 134/2006, de 25 de Julho. Lisboa: Diário da República.

Outra documentação
CNOS, 2012. Diretiva Operacional Nacional n.º 2 – DECIF. Lisboa: ANPC.
EME, 1992. Normas Técnicas de Apoio à Participação de Militares do Exército em Operações de Rescaldo de Incêndios Florestais. Lisboa: Direcção da Arma de Engenharia.

Notas:

(1) A segurança interna é a atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática” (LSI, 2008, Art. 1.º);

(2)Corpos de Bombeiros; Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR; Força Especial de Bombeiros (FEB); Equipas de Intervenção Permanente (EIP); Grupos de Intervenção Permanente (GIPES).

(3)Helicópteros de Ataque Inicial; Aviões de Ataque Inicial; Helicópteros de Ataque Ampliado; Aviões de Ataque Ampliado; Helicópteros de Avaliação e Reconhecimento.

(4)Bases de Apoio Logístico; Centros de Meios Aéreos; Unidade de Reserva Logística da ANPC.

(5)Técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, da ANPC e dos Gabinetes Técnicos Florestais, ou outros elementos qualificados para apoio ao Comandante das Operações de Socorro / Posto de Comando Operacional Conjunto, ao nível do planeamento dos TO e gestão da informação técnica de âmbito florestal, bem como do uso e análise do fogo; Corpo Nacional de Agentes Florestais, atuando em permanência no âmbito da gestão, defesa e salvaguarda do património florestal; Equipas de Sapadores Florestais, contratualizadas com as Câmaras Municipais, as Organizações de Produtores Florestais, Organizações de Baldios, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e a Agrupamento Complementar de Empresas do Grupo Portucel Soporcel e Grupo Altri, qualificadas para a execução de missões de ATI e apoio ao rescaldo, disponibilizadas em conformidade com o nível de empenhamento e o grau de prontidão estabelecidos nesta diretiva; Meios da Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, Direcção-Geral da Autoridade Marítima, Instituto Nacional de Emergência Médica e Empresa de Meios Aéreos; Outras forças e meios, qualificados para a execução de missões de combate a incêndios florestais, de entidades com especial dever de colaboração, em conformidade com o nível de empenhamento e o grau de prontidão previamente estabelecidos e onde se integram os meios coordenados pelos Serviços Municipais de Proteção Civil.

(6)Entenda-se aqui vigilância com o mesmo sentido que a dada pelo PNDFCI: “A vigilância dos espaços rurais, ou mais especificamente dos florestais, com o intuito de detetar incêndios de forma precoce” (PNDFCI, 2006, p.8).

(7)Na altura da elaboração do PNDFCI era o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Atualmente é o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

(8)Serviço Nacional de Bombeiros e Proteção Civil, atualmente Autoridade Nacional de Proteção Civil.

(9)Ver nota 7.

Sobre este tema leia ainda no “Operacional”: OS MILITARES & O COMBATE A INCÊNDIOS FLORESTAIS

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