logotipo operacional.pt

FALTA DE INFORMAÇÃO E CONFUSÃO…

Por • 9 Fev , 2015 • Categoria: 11. IMPRENSA Print Print

O “Diário de Notícias” publicou em 7 e 8 de Fevereiro de 2015, pela pena da jornalista Fernanda Câncio, uma extensa reportagem subordinada ao título «Um olá às armas», com chamada de capa, «O que leva alguém a alistar-se na tropa?». Insere excertos de entrevistas com militares e ex-militares e uns comentários seus, diremos cirúrgicos, sobre as declarações de parte dos entrevistados.

DN Quem vai tropa  copy

Os dois textos «Um olá às armas I e II» constam sobretudo de entrevistas e na parte respeitante às questões da jornalista e respostas dos entrevistados, segue aquilo que seria expectável e parece-nos normalíssima, sem novidades para quem é ou foi militar. Admite-se que quem não lide habitualmente com estes assuntos lhe encontre algo de novo. Infelizmente, para quem desconheça a temática e acredite em tudo o que ali foi escrito, ficará mal informado e será mesmo enganado em alguns casos. Os textos têm pecados que só podem ser derivados de falta de informação ou confusão, no respeitante a quem pergunta e um par de mentiras grosseiras e graves, que infelizmente a jornalista não confirmou antes de publicar. Duas secções dos artigos «Quem são os voluntários» e «Da aventura para a segurança», também nos merecem um ou outro comentário. Vamos por partes!

– A “amostra”: a jornalista entrevistou 10 militares, 5 homens e 5 mulheres (segundo a jornalista, as mulheres nas Forças Armadas Portuguesas são 14% do total), e deste total, 7 em Regime de Contrato e 3 do Quadro Permanente (os militares do QP são, segundo os últimos dados divulgados pelo Ministério da Defesa Nacional – em 2010 – cerca de 17.000 e em RC 14.000, hoje certamente menos quer num caso quer no outro);

– Refere que hoje as Forças Armadas são «100% profissionais». Quem escreve sobre Defesa, ainda por cima com tanto espaço num jornal de referência que raras vezes “dá” 4 páginas às Forças Armadas, podia informar-se melhor. Assim, de acordo com a definição oficial os militares podem prestar serviço:

Nos Quadros Permanentes (QP). É o militar que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, se encontra vinculado às Forças Armadas com carácter de permanência

Em Regime de Contrato (RC). É o militar que, voluntariamente, presta serviço por um período de tempo limitado (duração mínima de 2 e máxima de 6 anos), com vista à satisfação das necessidades das Forças Armadas ou ao seu eventual ingresso nos QP”.

Parece evidente que um profissional será o militar dos QP e que aquele que lá se encontra transitoriamente não se poderá assim classificar, mesmo sabendo nós que hoje em dia, em Portugal, com o sistema de estágios e contratos de poucos meses generalizados, a confusão nesta área é muito grande. Ou seja, as Forças Armadas Portuguesas são, mesmo sem grande rigor, na melhor das hipóteses compostas por 80% de profissionais e 20% de contratados… tendo sido ouvidos na entrevista 70% de contratados e 30% de profissionais. Apesar de tudo aqui pode-se dar algum “beneficio da dúvida” à jornalista, esta expressão “profissional” aplicada a militares “não-profissionais” é comum em alguns meios mesmo ligados à Defesa Nacional – não vamos aqui desenvolver os motivos – não sendo assim uma invenção da entrevistadora.

– Insere informação sobre efectivos sem referir a fonte e apresentada de modo confuso. Na capa – «As Forças Armadas, que são 100% profissionais desde 2004, contam com 41 mil efectivos entre homens e mulheres. Mais de metade (53%) são do Exército, 28% da marinha e 19% da Força Aérea». Depois, noutra página, «Actualmente, as Forças Armadas (FA), profissionais desde 2004, contam com 49 mil homens e mulheres, dos quais 41 mil são militares…». Será que quer dizer que as Forças Armadas têm 8 mil civis? Vendo o Anuário Estatístico da Defesa Nacional de 2010, o último publicado pelo Ministério da Defesa Nacional, a Marinha dispunha de 1.009 militarizados e o Exército 5. Civis nas Forças Armadas havia 7.773, mas destes mais de 1.000 estavam no Ministério da Defesa e não nas Forças Armadas. Acontece que declarações recentes do Ministro da Defesa Nacional tem referido que os efectivos militares em Portugal são pouco mais que 35.000 e caminham este ano para menos de 32.000. Há aqui qualquer coisa que carecia de alguma clareza mas parece evidente que houve vontade – da jornalista ou da fonte? – de apresentar um número bem superior ao que realmente serve nas Forças Armadas.

– Dá voz a mentiras grosseiras e facilmente verificáveis (um telefonema para um porta-voz militar), sobre regalias dos oficiais. Uma das entrevistadas, que diz ter sido oficial RC, refere «…Além disso tinha regalias como poder usar a messe de oficiais no Algarve e outros sítios na Europa, ou seja, fazer férias de graça…». Incrível como a jornalista não tentou confirmar isto. Também há, é certo, dados que podem ser verdade, ou não, mas que a confirmarem-se constituem claro desperdício de dinheiro público como «…gasta-se 400 euros numa garrafa para oferecer a um general…» refere um militar em fim de contrato, desiludido. O mesmo que diz por outro lado algo muito mas mesmo muito duvidoso sobre o seu comandante «Pensava que o comandante era o último a comer. Completamente ao contrário: ele come primeiro, e se sobrar comem os soldados». Estamos como se vê ao nível das “caixas de comentários” dos sites dos jornais, mas aqui foi mesmo publicado na versão papel!

Estranho também que a jornalista nestes casos transcreva sem levantar a menor dúvida, mas ponha em causa dois dos militares por terem dito que «estavam na disposição de dar a vida pelo País». A estranheza da jornalista prende-se com o facto de um destes militares estar colocada nas relações públicas da Marinha e outro ser mecânico de electricidade da Força Aérea. Opina a jornalista que estão muito longe do campo de batalha e que não é suposto darem a vida pelo país…ou seja, para certas especialidades o patriotismo não se pode aplicar! Podia aqui citar o caso recente de militares da Força Aérea Francesa mortos em Albacete – muitos pessoal de apoio – ou o sargento francês das relações públicas (Sargento Vermeille) morto no Afeganistão em 2011 quando acompanhava as tropas e que agora até o seu nome foi dado a um prémio militar. Exemplos não faltam, todos os militares prestam Juramento de Bandeira, em Portugal como em qualquer parte do mundo, e isso pressupõe exactamente o que os entrevistados referiram à jornalista.

A jornalista põe também em causa – o que nos parece de muito mau tom, se não queria aceitar as regras do jogo não aceitava – as declarações dos militares que estão no activo (curiosamente dos outros que estão fora não lhe ocorreu qualquer limitação), por terem sido «…entrevistas efectuadas com militares “destacados” para o efeito pelos três ramos e “enquadrados”, ou seja, assistidas, por imposição das instituições, por oficiais de Relações Públicas…»

Concluindo

O “Diário de Notícias” deu grande espaço a um assunto que é sem dúvida interessante e vários dos entrevistados, quer os que já foram militares e estão na disponibilidade como os que estão no activo nos três ramos das Forças Armadas, fizeram declarações que podem esclarecer o leitor sobre o tema em apreço – O que leva alguém a alistar-se na tropa? – mas a falta de preparação da jornalista para abordar a temática em causa – apenas queremos acreditar que foi isso e nada mais – deixou passar mentiras e enganos. A falta de números oficiais sobre efectivos e a sua caracterização, assunto que já aqui temos referido – os últimos são de 2010! – cria mais uma vez a dúvida sobre os que aparecem publicados de modo avulso e sem referências.

 

"Tagged" como: , ,

Comentários não disponíveis.