logotipo operacional.pt

FALTA DE COORDENAÇÃO NA SEGURANÇA INTERNA?

Por • 18 Mar , 2011 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

O Coronel de Infantaria da Guarda Nacional Republicana Carlos Gervásio Branco, já bem conhecido dos nossos leitores, aborda neste artigo de modo muito claro e perceptível, como é aliás seu hábito, uma questão que está sempre na “ordem do dia” entre nós, a “coordenação na segurança interna” e mostra que nem sempre as coisas são o que parecem.

aviao-final-21

FALTA COORDENAÇÃO NA SEGURANÇA INTERNA?

Recorrentemente ouve-se a queixa de que a falta de coordenação entre as várias forças e serviços de segurança, constitui o verdadeiro problema da segurança interna em Portugal. Para o colmatar, na revisão da Lei de Segurança Interna de 2008, até se reforçaram as competências do secretário-geral do sistema, sem que no entanto se tenha ido ao âmago da questão.
No entanto e porque o real problema reside a montante, aquando da definição política do modelo de segurança do país e subsequentemente das leis enquadradoras do mesmo, a propalada falta de coordenação nada significa, quando comparada com as indefinições dos decisores políticos e as contradições da legislação produzida.
Atente-se no mais recente exemplo de um eventual conflito entre a GNR e a PSP, ambas tuteladas pelo mesmo ministério, a propósito da segurança do novo aeroporto de Beja.
Segundo notícias publicadas em diversos órgãos de comunicação social, ambas as forças pretenderiam a atribuição da responsabilidade pela segurança do novo aeroporto.
O caso é suficientemente elucidativo para se verificar que não se trata de uma questão de falta de coordenação, mas antes de deficiente legislação, falta de clareza do modelo de segurança português e por último, de um eventual incumprimento da lei que embora deficiente, não deixa de ser lei.
Vejamos o quadro legal.
As leis nº 57/2007 e nº 63/2007, respectivamente leis orgânicas da PSP e da GNR, ambas atribuem a cada uma daquelas forças, entre outras, “a vigilância e protecção de infra-estruturas aeroportuárias“, ou seja, é a própria lei que atribui a mesma competência às duas forças, o que já de si pode constituir factor de conflitualidade.
Contudo e uma vez que o país está dividido entre a GNR e a PSP para efeitos de segurança interna genérica, segundo critérios de competência territorial, a interpretação a dar àqueles normativos, seria a de que cada uma das forças seria responsável pela “vigilância e protecção de infra-estruturas aeroportuárias” que se situassem na respectiva área de responsabilidade, o que no caso em apreço, deixaria para a GNR a responsabilidade pela segurança deste aeroporto, por o mesmo se localizar na sua área de responsabilidade territorial.
Aliás foi com este fundamento, refinado com uma particularidade – a da continuidade territorial, que foram desafectadas da responsabilidade da GNR, as auto- estradas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Mas não se percebendo porquê, não foi atribuída em simultâneo à GNR, a segurança do aeroporto de Faro que se situa na sua área de responsabilidade, criando-se naquele local uma “ilha” em termos de segurança, consubstanciada numa clara descontinuidade territorial, o que nos remete para a questão inicial, de que o problema não reside na falta de coordenação, mas antes numa falta de coerência na decisão.
Voltando à questão legal da segurança dos aeroportos, o legislador foi mais longe e dispôs na própria lei 63/2007, o seguinte: “as atribuições cometidas à Guarda pela presente lei em matéria de vigilância, protecção e segurança de infra-estruturas aeroportuárias não prejudicam a competência atribuída à PSP nos aeroportos internacionais actualmente existentes”.
Com este preceito, veio aditar um novo critério de repartição de competências entre a GNR e a PSP, “o critério temporal da criação de aeroportos“.
Assim e com base neste último, é atribuída à GNR, a competência da segurança sobre os futuros aeroportos internacionais, criados após a publicação daquela lei, o que sem margem para dúvidas se subsume no caso em apreço, pelo que não se compreendem as dúvidas levantadas.
Só numa interpretação contrária ao próprio elemento literal da lei, seria possível uma solução diferente, o que para além de uma ilegalidade, representaria uma verdadeira perturbação à segurança jurídica no futuro.
Se sob o ponto de vista legal, parece não haver razões para diferendo, já sob o ponto de vista teórico as coisas complicam-se, uma vez que não se consegue perceber qual terá sido o racional que presidiu a uma tão bizarra distribuição de competências entre as duas forças, que despreza os doutrinários critérios territoriais e materiais e se baseia num pseudo “critério temporal da criação de aeroportos“.
Nos modelos policiais pluralistas, é doutrinário efectuar a distribuição de competências entre as forças, através da divisão do território como regra, temperado com critérios materiais, para casos específicos e residuais, resultantes de alguma especialização, consequência da natureza das forças.
Como exemplo do critério de distribuição territorial, os maiores aglomerados urbanos são responsabilidade da Polícia civil, cabendo à força de natureza militar o restante território, nele se inserindo as principais vias de comunicação.
Existem no entanto situações em que o critério material se sobrepõe ao estritamente territorial. Embora determinada área esteja adstrita a uma força, em sobreposição a outra, exercerá determinadas competências. São disso exemplos, a segurança de instalações críticas ou a dos edifícios sede dos órgãos de soberania que por regra cabem na responsabilidade da força de natureza militar ou a segurança pessoal, por natureza distribuída à policia civil, consistindo esta, uma das virtualidades do modelo pluralista, a complementaridade entre as forças.
O que importa é que não haja dúvidas, nem indefinições acerca das atribuições e competências de cada força e se rentabilizem as características que as diferenciam.
Recorrendo ao exemplo francês que constitui o “pai” dos modelos pluralista, neste caso mais propriamente de dupla componente policial, onde a diferenciação das forças é assumida e respeitada como uma mais-valia do modelo e não se enveredou por discutíveis conceitos de “polícias integrais”, releva como fundamental o princípio da complementaridade, regra suficientemente dissuasora para conflitos de competências.
Em França a segurança dos aeroportos está dividida entre a Policia civil e a Gendarmerie nos seguintes termos.
À Policia compete a segurança das zonas públicas e o controlo de passageiros no embarque e no desembarque. De notar que em França não há uma policia autónoma equivalente ao nosso Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, estando as suas competências na própria policia.
À Gendarmerie compete a segurança das zonas reservadas, designadamente o controlo de bagagens, das pistas e das aeronaves.

Esta repartição de competências alicerçada em critérios materiais, deriva das diferentes natureza das forças que naquele país é levada a sério, com benefício de todos e especialmente da segurança e sem necessidade do recurso a super-coordenações.
Lisboa, 16 de Março de 2011
Carlos Manuel Gervásio Branco, coronel


"Tagged" como: , , , ,

Comentários não disponíveis.