EM LAMEGO COM AS OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO (II)
Por Miguel Machado • 1 Mai , 2018 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintMissões internacionais e de serviço público; conclusões. Depois de nos termos referido no artigo anterior aos aspectos organizacionais e às decisões que os consolidaram e também aos equipamentos e armamentos em uso, vamos hoje olhar para o enorme leque de missões cumpridas e para aquelas que se avizinham, como uma inédita no Afeganistão muito em breve, apresentar ainda mais algum armamento e equipamento mesmo não esgotando o assunto, e depois deixar ao leitor as nossas conclusões deste dia em Lamego.
Doutrinariamente as Forças de Operações Especiais cumprem uma grande variedade de missões – que qualquer manual refere e explica – e que podemos sintetizar num parágrafo:
Acção Directa, Reconhecimento Especial, Assistência Militar, Acção Indirecta, Operações de Contra Terrorismo, Protecção a Altas Entidades e Ligação com Facções.
É para isto que se formam, treinam e estão equipados. Agora, os militares não escolhem as missões, cumprem as que lhes são atribuídas pelo poder político em cada momento. Assim as capacidades das Operações Especiais portuguesas têm sido utilizadas, umas vezes mais próximo daquilo que a doutrina prevê, outras nem por isso, mas de todas têm dado conta e foram muitas! Isto dava para um livro (*), mas vamos tentar resumir.
Missões internacionais – exercícios e NATO Response Force
Os exercícios internacionais – a par com a formação de quadros das Operações Especiais em países amigos, com destaque para Espanha e EUA, entre outros – foi sempre um aspecto importante não só na actualização doutrinária e na adequação da formação como no equipamento da unidade. Tentando resumir uma história de muitos anos podemos dizer que depois da cooperação com as forças especiais de Espanha, talvez o aspecto mais importante (e motivador!) tenha sido a integração em 1996 de um Destacamento de Operações Especiais (CIOE) na AML (L), a Allied Commando Europe Mobile Force (Land), uma Força de Reacção Imediata da NATO nos tempos da “Guerra-Fria”. Na organização do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) passou mesmo a haver este Destacamento individualizado e muito do equipamento então adquirido – por exemplo o material para operações em clima frio, mas também algum outro – adveio dessa missão, o que levou a formação e mesmo exercícios na Noruega em clima Árctico. Mais tarde, com a extinção da AMF pela NATO em 2002, as Operações Especiais passam a integrar a NATO Response Force. A partir de 2003 e até 2012 com algumas variantes, primeiro um Destacamento de Operações Especiais e depois um Special Operations Task Group (2011 e 2012) as operações especiais portuguesas – como todas as outras, diga-se – aguardaram por um empenhamento operacional real neste âmbito que nunca aconteceu. Ficou o treino!
Em 2017 a FOE teve em “stand-by” uma Equipa Sniper para integrar uma unidade de Controlo de Tumultos (Crowd Riot Control) nacional que pudesse vir a ser empenhada em operações.
Missões internacionais – operações reais
Os militares de Operações Especiais portugueses têm um longo empenhamento nas missões internacionais, iniciada logo na Cooperação Técnico-Militar com os Países de Língua Oficial Portuguesa ainda nos finais dos anos 80, mas também nas missões de apoio à paz e expedicionárias no âmbito das organizações internacionais (NATO, ONU, EU) e nas operações nacionais de evacuação de não-combatentes em África. Pela natureza das missões que desempenham os números envolvidos não são muito expressivos, até porque como veremos parte importante das missões não foram executadas por Equipas ou Destacamentos / SOTU, mas por quadros. A realidade é que um grande número de oficiais e sargentos, mesmo a generalidade deles até porque não são muitos, adquiriram uma enorme experiência internacional muito diversificada pelos vários países/teatros de operações onde mantivemos e mantemos militares.
Os principais empenhamentos em operações reais em termos de duração e efectivos foram as missões no Kosovo no âmbito da NATO – de 1999 a 2001 e de 2005 a 2016) e em Timor-Leste (de 2000 a 20004) no âmbito da ONU. Na KFOR – Kosovo no primeiro período um Destacamento de Operações Especiais actuou integrado numa brigada de comando italiano, e no segundo período um Destacamento de Operações Especiais, com a designação de Módulo de Apoio, integrava a Força Nacional Destacada (FND) que constituía a KFOR Tactical Reserve Manoeuver Battalion (KTM) – Reserva Táctica do Comandante da KFOR.
Na ONU em Timor-Leste sob a designação de Destacamento de Apoio – aqui por razões que se prendiam com a política da ONU em relação a este tipo de unidades – um Destacamento de Operações Especiais actuou entre 2000 e 2004 integrados na FND.
Na missão SFOR da NATO na Bósnia e Herzegovina actuaram durante um curto período entre 1997 e 1998 integrados na FND.
No Afeganistão uma equipa sniper actuou em 2007 e 2008 e depois em 2010, integrada na FND que tinha a missão de Quick Reaction Force do Comandante da International Security Assistance Force – ISAF/NATO. De realçar também que vários oficiais prestaram/prestam serviço em funções de Estado-Maior directamente ligados à Componente de Operações Especiais quer da ISAF quer da actual Resolute Support Mission, o que se traduziu e traduz num contacto directo e intervenção com o “estado da arte” desta actividade em operações reais. Fica o “amargo de boca” de Portugal por opção política nunca ter optado por enviar uma Special Operations Task Unit para essa componente das operações da NATO no Afeganistão.
No âmbito da coligação internacional que actua no Iraque, Operation Inherent Resolve, quadros do CTOE participaram integrados na FND em 2015 e 2016, aqui em funções ligadas à formação das forças armadas e de segurança do Iraque.
Na actualidade ou em anos recentes oficiais e sargentos de Operações Especiais têm actuado no Uganda, Somália, Mali, República Centro Africana nas missões de formação da União Europeia, como no passado participaram em missões da ONU no Sara Ocidental, Angola, Moçambique e na actualidade na Colômbia.
Em 2017 uma Special Operations Land Task Unit do CTOE/FOE esteve 4 meses na Lituânia no âmbito das Assurance Measures da OTAN, numa missão considerada FND por Portugal e que se traduz, na prática, num período muito alargado de exercícios em ambiente multinacional num cenário bem realista que…não se deseja mas pode sempre evoluir para uma operação real.
Este ano de 2018 a FOE está a finalizar o aprontamento de uma SOTU que irá actuar no Afeganistão no âmbito da participação portuguesa na Resolute Support Mission da OTAN como “módulo de segurança” (na gíria militar “guardian angels”) para a Equipa de Mentoria (Army Institutional Advisory Team – AIAT) composta por militares de artilharia do Exército Português que vão ajudar a formar militares afegãos na sua Escola de Artilharia nos arredores de Cabul. Esta é um tipo de missão nova para as Operações Especiais portuguesas no seu já vasto leque de missões cumpridas, vai decorrer nos locais de instrução e nos itinerários onde os “mentores” portugueses tenham que trabalhar/circular. Terá ainda uma outra novidade que é o uso de viaturas blindadas (fornecidas no teatro de operações pelos EUA a título de empréstimo) MAXPRO DASH tipo Mine-Resistant Ambush Protected (MRAP), idênticas às que a nossa nova FND – segurança ao Aeroporto Internacional de Cabul – também vai usar, visto que o Exército Português ainda não dispõe deste tipo de viaturas, pouco menos que imprescindíveis para muitas das operações da actualidade.
Operações nacionais de Evacuação de Não Combatentes
Destacamentos de Operações Especiais do então CIOE participaram em várias operações de evacuação de não combatentes em África, das quais se destacam em 1997 a operação “Leopardo”(*) na República do Congo Brazzaville (actualmente a República Congo) prevendo a eventual recolha de cidadãos nacionais do Zaire em conjunto com o Destacamento de Ações Especiais dos Fuzileiros; em 1998 um forte contingente do CIOE participa na operação “Falcão” a força de resgate de cidadãos nacionais e estrangeiros da República da Guiné-Bissau, uma operação conjunta das Forças Armadas Portuguesas de grande envergadura, a que se seguem outras acções de menor relevo mas em Maio de 1999 é ainda um Destacamento de Operações Especiais que discretamente recolhe de Bissau em guerra civil uma pequena força de Operações Especiais francesa e cidadãos desta nacionalidade que ali estavam retidos.
De realçar ainda que durante anos a instabilidade politica e militar na Guiné-Bissau levou a que as Forças Armadas Portuguesas tivessem em permanência planos de contingência para um empenhamento militar na evacuação de não combatentes da região. Nesse sentido unidades navais, terrestres e aéreas estavam de “prevenção”. No caso das Operações Especiais do Exército não só estiveram sempre envolvidas no planeamento das operações como elementos seus seriam dos primeiros a ser empenhados o que pressupunha em longos períodos de tempo sempre um grau de prontidão imediato.
Na actualidade uma eventual operação no âmbito do EMGFA poderá contar com o empenhamento de um Special Operations Task Group (SOTG) composto por: Estado-Maior /SOTG; Special Operations Land Task Unit/SOLTU ; Equipa Sniper ; Estação Rádio Base ; Proteção da Força; Destacamento de Apoio de Serviços.
Cooperação Técnico-Militar
Em termos de Cooperação Técnico-Militar o histórico da participação de quadros das OE’s iniciou-se nos finais dos anos 80 e cobre todos os PALOP’s com uma grande variedade de tarefas desempenhadas, naquilo que também é no fundo uma missão típica das operações especiais, a Assistência Militar. Das unidades operacionais nos PALOP às suas Escolas de Formação Academias Militares, em todas os nossos militares de operações especiais deram um contributo para tentar melhorar as capacidades locais. Pela sua longevidade podemos talvez destacar a assessoria às Forças Especiais Angolanas, agora com um oficial em permanência e pontualmente com assessorias temporárias para actividades específicas, e parece-nos ainda que será justo referir o papel pioneiro e fulcral que o então CIOE desempenhou no lançamento dos exercícios de série Felino. Portugal foi o primeiro país a acolher este exercício em 2000 e novamente em 2001, exactamente na região de Lamego e este manteve-se até 2004 (em Angola) como um exercício destinado às Forças Especiais dos países da CPLP. Pela parte nacional participavam militares do CIOE, do Destacamento de Acções Especiais do Corpo de Fuzileiros, e em 2004, também participaram elementos dos Comandos (reactivados em 2002). Os exercícios continuam até hoje – regra geral um ano com “tropas no terreno” (FTX) e outro apenas com “postos de comando” (CPX) mas sem a característica especifica de “operações especiais”, mesmo que em vários, nomeadamente em Portugal, as Operações Especiais tenham tido intervenção. O último destes exercícios em Portugal realizou-se Regimento de Infantaria n.º 10 em S. Jacinto no ano de 2015 e o de 2017 decorreu no Brasil. Este ano de 2018 está prevista a sua realização em S. Tomé e Príncipe formato CPX e novamente FTX em Angola no ano seguinte.
Na actualidade e ainda em termos de cooperação pode estar para breve a abertura de uma nova assessoria do CTOE no estrangeiro, em Timor-Leste. É um assunto em aberto, este país tem enviado – como aliás vários outros da CPLP – militares seus para frequentarem cursos de operações especiais (neste preciso momento há militares timorenses em Lamego), e tem em estudo o levantamento dessa capacidade, eventualmente com o apoio de quadros das OE portuguesas em Timor-Leste.
Unidade do Exército
Como unidade do Exército à semelhança de todas as outras o CTOE é ainda empenhado em muitas missões destinadas a colaborar com a proteção civil e tarefas relacionadas com satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações. Não nos vamos alongar mas queremos deixar esta imagem: em 2017 o CTOE empenhou 276 militares em patrulhas nas serras de Montemuro e Leomil e 342 em acções de apoio ao combate a incêndios em Monção, Ponte da Barca, Cinfães, Lamego, Vila Real, Sabrosa, Sernancelhe, Vila Nova de Paiva, Mangualde, Ferreira do Zêzere e Mação.
Para se perceber bem do que estamos a falar em termos de esforço da unidade, este virado para o apoio à população, mais o apoio ao recrutamento que também é feito, formação, exercícios e actividade operacional, estamos a falar de uma unidade com um efectivo total que ronda os 400 militares em quadro orgânico, o qual não está completo como a generalidade das unidades do Exército e mesmo das Forças Armadas.
Conclusão
A unidade não parou nem pára para se reestruturar! As muitas missões nacionais e internacionais que lhe são atribuídas, umas mais adequadas do que outras – a tal questão da doutrina versus necessidade – mas sempre executadas com determinação e grande empenho, continuam todos os dias. O ritmo da unidade é muito intenso e só não usamos a palavra alucinante para não chocar! Em boa verdade sentimos isto em Lamego como noutras unidades do Exército! As missões sucedem-se e o pessoal é escasso, um problema transversal a todo o ramo terrestre e mesmo às Forças Armadas, mesmo que aqui em Lamego, dizem-nos, a falta de praças não é tão grave como em várias outras unidades. A retenção dos efectivos em praças constitui bem entendido uma das preocupações e não será por acaso que foi exactamente pelos alojamentos e estruturas de apoio às praças que as melhorias em infra-estruturas começaram. Mas, as coisas são como são, e há problemas de fundo como este do recrutamento e retenção do pessoal que não se resolvem com uma única medida, mesmo que possa assim ser minorado, nem dependem das unidades nem mesmo do ramo ou das forças armadas. No momento actual da vida nacional, se um Cabo de operações especiais que é um militar muito especializado, com uma formação inicial demorada e depois uma formação continua dispendiosa, que utiliza armamento e equipamento sofisticado (e caro!), e que está permanentemente empenhado em missões fora da sua área de residência, muitas vezes por semanas inteiras, se esse militar não for pago adequadamente, é muito difícil que fique muitos anos ao serviço. Encontramos em Lamego muita esperança no futuro Regime de Contrato de Duração Prolongada e percebe-se. Não havendo para as praças soluções de continuidade, a situação só pode piorar e com ela uma efectiva diminuição da capacidade operacional das diferentes unidades. Esta situação tem maior gravidade nas forças de primeiro emprego do Exército – Operações Especiais, Pára-quedistas e Comandos – que deviam pelo nível de prontidão que lhes é exigido estar com os efectivos muito próximos ou mesmo a 100%, o que não se verifica.
Só uma grande dedicação às unidades a que pertencem, e no fundo ao tipo de vida que escolheram, a vida militar, ainda leva muitos contratados a permanecer vários anos nas fileiras.
Em Lamego vivem-se tempos de optimismo, finalmente as novas instalações para a Força de Operações Especiais vão ser construídas e serão um modelo – como os alojamentos para praças – estão desenhadas para a finalidade a que se destinam. O armamento e equipamento estão a chegar e com a qualidade desejada, diremos mesmo que por enquanto sem paralelo nas restantes forças do ramo terrestre e mesmo das Forças Armadas.
Clique e veja o filme: Em Lamego com as Operações Especiais do Exército
Leia aqui a primeira parte desta reportagem: EM LAMEGO COM AS OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO (I)
(*) Mesmo que já tenha uns anos – é de 2011 – esta obra sobre o CIOE/CTOE, recomenda-se: CIOE/CTOE, OPERAÇÕES ESPECIAIS, 50 ANOS
(**) Esta foi a segunda operação de evacuação de não combatentes depois do final da guerra do Ultramar. A primeira teve lugar em 1992, em Angola, São Tomé e Príncipe e Congo Brazaville e foi conduzida maioritariamente pela Força Aérea (incluindo pára-quedistas) e Marinha, com empenhamento de pessoal médico do Exército e do Grupo de Operações Especiais da PSP. Leia aqui: ANGOLA, NOVEMBRO DE 1992: ONDE NECESSÁRIO QUANDO NECESSÁRIO
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