EM LAMEGO COM AS OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO (I)
Por Miguel Machado • 29 Abr , 2018 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintOrganização, Formação, Armamento e equipamento. As Operações Especiais do Exército Português estão a passar por um bom momento e isso notou-se na visita que fizemos a Lamego. Destacam-se as novas instalações para praças e o armamento moderno que têm à sua disposição. O Plano de Implementação da Força de Operações Especiais aprovado em 2016 é no entanto bem mais vasto do que estes aspectos que saltam à vista, os novos quadros orgânicos desse mesmo ano adequaram a organização da unidade às exigências actuais e os resultados do trabalho de anos começa a aparecer de modo marcante.
Em Lamego para ficar!
Vamos tentar mostrar em dois artigos e um pequeno vídeo a realidade actual do Centro de Tropas de Operações Especiais, centrados nos aspectos organizacionais, equipamentos e armamento e, no próximo artigo, nas muitas missões que têm cumprido e nas que se avizinham. Sabemos que áreas importantes como a formação, a qual é naturalmente determinante para a qualidade do militar de operações especiais, será apenas ligeiramente abordada mas…o tempo em Lamego não deu para tudo!
A decisão de manter o Centro de Tropas de Operações Especiais em Lamego foi finalmente assumida politicamente há cerca de dois anos e importantes investimentos em infra-estruturas modelo começaram a ser feitos, parte está mesmo concluída e em uso desde este mês de Abril. Permanecer na cidade – e também em Penude nos arredores – é desde logo um aspecto que permite deixar para trás um ingrato tempo de incerteza, planear e investir para o longo prazo, confere estabilidade à unidade e ao seu pessoal, nomeadamente aos oficiais e sargentos dos quadros permanentes. Como é sabido ao longo dos últimos anos houve por várias vezes intenção de “fechar Lamego” e alienar o património do Exército na cidade. Finalmente por decisão militar sustentada pela tutela política e verdadeiro aplauso da autarquia, as Operações Especiais e Lamego vão continuar a sua história comum, a qual já dura desde 1960 – com um interregno entre 1975 e 1981 – numa presença militar na cidade constante desde 1839 quando ali se instalou o Regimento de Infantaria n.º 9.
Organização
O CTOE está hoje organizado com base em quadros orgânicos recentes – 09SET2016 – os quais vieram ao encontro das necessidades de uma unidade de operações especiais – a componente operacional do CTOE é a Força de Operações Especiais – e estão de acordo com a doutrina em vigor na NATO e nos documentos legais nacionais referentes às Forças Armadas.
De salientar que esta tem sido uma luta de sempre das Operações Especiais do Exército, a de adequar a sua organização e actividade operacional àquilo que a doutrina prevê. Ao contrário do que se possa pensar – e isto é verdade nas Operações Especiais mas também noutras forças – nem sempre as unidades operacionais são organizadas e depois empregues de acordo com aquilo que a doutrina – no fundo a teoria – diz, mas muitas vezes por questões de oportunidade ou necessidade, entre outras. Parece assim que quer em aspectos organizacionais quer nos investimentos que estão a ser feitos, e que se vão prolongar com o actual Plano de Implementação da Força de Operações Especiais pelo menos até 2022, as Operações Especiais do Exército estão no bom caminho.
O organograma abaixo ilustra a organização do CTOE – comando de coronel – e da FOE – comando tenente-coronel – e as SOTU (Special Operations Task Unit) – comando capitão, excepto a SOTU “ALFA1” que tem comando major – todas constituídas por oficias e sargentos dos Quadros Permanentes e em Regime de Contrato e cabos em Regime de Contrato. Na FOE não há praças soldados, só cabos. Cada SOTU tem organicamente 16 elementos.
A inserção do CTOE e da FOE nas estruturas de comando superiores (imagem abaixo) pode ser considerada em duas grandes áreas, o Exército e o Estado-Maior General das Forças Armadas. Enquanto no ramo a que pertence o CTOE está integrado na Brigada de Reacção Rápida (desde 2005), a qual depende do Comando das Forças Terrestres que por sua vez depende directamente do Chefe do Estado-Maior do Exército. Quando o seu emprego operacional é feito ao nível das Forças Armadas, doutrinariamente, a FOE passa a constituir-se como um Special Operations Task Group (SOTG) ou a contribuir para um SOTG Conjunto que seja criado, por exemplo com o Destacamento de Acções Especiais do Corpo de Fuzileiros da Marinha. Neste caso a Célula de Planeamento de Operações Especiais (*) – onde há colocados em permanência oficiais e sargentos de Operações Especiais do Exército – do Comando Conjunto das Operações Militares na dependência directa do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas terá um papel importante a desempenhar não só para apoio no planeamento, integração e sincronização da preparação e emprego das forças de operações especiais como por constituir o núcleo inicial do comando de componente de operações especiais numa operação. Esta célula, onde podem trabalhar militares dos três ramos, é chefiada por um capitão-de-mar-e-guerra ou coronel.
Formação
O Batalhão de Formação localizado em Penude a 4 km do centro da cidade de Lamego, ministra uma série de cursos dos mais elementares como o Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército para os candidatos às Operações Especiais, ao Curso de Operações Especiais do Quadro Permanente, passando pelos: Cursos de Operações Especiais de Praças, Regime de Contrato; Curso de Operações Especiais – Curso de Formação de Oficiais/Curso de Formação de Sargentos Regime de Contrato; Curso de Sniper; Curso de Operações Irregulares; Curso de Patrulhas de Longo Raio de Acção; Curso de Prevenção e Combate a Ameaças Terroristas.
A esta panóplia de cursos ministrados no CTOE os militares das operações especiais frequentam depois em outras unidades do Exército os seguintes cursos: Socorrismo de Combate; Condução; Paraquedismo – Salto de Abertura Automática (actualmente todos os militares da FOE são especializados em pára-quedismo militar, no mínimo com esta qualificação SAA que mantêm em igualdade de condições com as Tropas Pára-quedistas Portuguesas); Saltador Operacional com pára-quedas tipo Asa Automática; Queda Livre Operacional; Sapadores das Armas e Serviços; Transmissões das Armas e Serviços; Defesa NBQ; Operações HUMINT.
Na Marinha podem frequentar o Curso de Mergulhador/Nadador de Combate e na Força Aérea o de Controlador Aéreo Avançado (FAC); ainda em Portugal o de Technical Explotation Operations (TEO), também em Portugal, uma área relativamente nova entre nós que tem a ver com perícias forenses no campo de batalha, detecção de resíduos (droga, explosivos, etc); recolha de elementos biométricos, armazenamento e transferências destes dados, etc.
No estrangeiro podem frequentar: Special Operations Task Group Operations Planning Course ; Joint Terminal Attack Controller Course; NATO Special Operations Forces Technical Exploitation Operations Coordinator; Special Forces (EUA); Combate a Ameaças Terroristas (EUA); Guerra na Selva (Brasil); Operações Especiais (Espanha).
Esta vertente “Formação” da qual aqui apenas damos esta imagem quantitativa tem desde logo aplicação no treino que os exercícios a seguir referidos proporcionam, e mais tarde é na prática das operações reais – ver segunda parte desta reportagem em Lamego – que a qualidade dos operadores das operações especiais portugueses é realmente avaliada.
Para dar uma ideia, durante o ano de 2017 os militares da FOE foram empenhados nos seguintes exercícios: Real Thaw (Lamego e Seia); Serra Branca (Serra da Estrela); Apolo 17 (Tancos e Beja); Leopardo 171 e 172 (Lamego); Cachalote (Ilha Terceira/Açores); Viriato (Lamego); Orion (Beja) e Leopardo 173 (Lamego); Long Precision 17 (Espanha); Lusitano (Ilha Terceira/Açores). Neste 2018 o panorama será semelhante prevendo-se ainda uma deslocação a exercícios na Alemanha, Jordânia e Itália.
Armamento e equipamento
O CTOE tem vindo a receber uma série de armamento e equipamento que já substituiu na Força de Operações Especiais parte importante do que a equipava anteriormente. Em Lamego passou o tempo da HK G-3 7,62mm e da SIG SG 543 5,56mm! E mesmo armas que ali também tiveram o seu tempo como a Franchi SPAS 12mm e as sniper Accuracy L96A1 7,62mm e a Barret M82 12,7mm que serviam por volta do ano 2000, já foram substituídas por armas dos mesmos fabricantes mas mais modernas. Um bom par de anos antes do Plano de Implementação das Forças de Operações Especiais (PIFOE) ser aprovado oficialmente, com base em orçamento da Lei de Programação Militar para a “capacidade operações especiais” , as OE’s começaram a receber, em 2013 as modernas HK-416 5,56mm (a mesma arma que França escolheu e está a distribuir às suas Forças Armadas desde 2017 e as Forças Especiais Holandesas – entre outras – adoptaram este ano). Hoje a panóplia das novas armas Heckler & Koch que está distribuída à FOE é muito significativa: HK 416 5,56mm (várias versões); HK 417 7,62mm; HK G-28 7,62mm; Lança Granadas HK269 40mm. Os snipers da FOE hoje estão equipados com as novas Accuracy International multicalibre (7,62; .308; .338) e as também muito recentes Barret M107A1 .50. No calibre 12 está agora em serviço a FABARM STF 12.
Agora o PIFOE abrange além do armamento, mais 16 áreas! Não vamos ser exaustivos mas não podemos deixar de referir o equipamento para o Joint Terminal Attack Controller (um oficial do CTOE tem formação nesta área ministrada pela Força Aérea Portuguesa e já serviu uns tempos na República Centro Africana integrado na FND, mas esta capacidade ainda não está perfeitamente consolidada), como o Rover 5i; os Sistemas de Comunicações e Sistemas de Informação, alguns nacionais da “família 525 / EID” outros de fabrico estrangeiro como os Harris – RT 1796 e os individuais PRC 148 JEM da Thales; o equipamento de Vigilância do Campo de Batalha nomeadamente o chamado “kit de reconhecimento” para missões de Reconhecimento Especial e Vigilância; a Mobilidade Táctica com “uma família” de viaturas – o programa ainda não está completo – das quais já estão ao serviço as Polaris Ultraligeira TP 1 (na realidade 2!), Ultraligeira TP 2 com mais capacidade de carga e, para chegar ainda, viaturas de maior capacidade mas, todas, com características Special Operations Vehicle; o equipamento táctico e de protecção da força que já está distribuído em quantidades apreciáveis e inclui fardamento (**), os capacetes tipo Ops-Core, coletes tácticos e placas balísticas, além de vários tipos de mochilas (entre outras as de Assalto – equipamento para 1 noite; Reconhecimento – para 4 a 7 dias; Sniper). Para completar as tais 17 áreas acima mencionadas, estão ainda considerados: Sistemas de Apoio ao Comando e Estado-Maior; Sistemas de Simulação e Treino; Equipamento Sanitário; Viaturas Tácticas (não confundir com Mobilidade Táctica); Equipamento TEO; Equipamento para Operações Anfíbias; Equipamento para Operações em África/Selva; Equipamento para Operações em Montanha; Equipamento para Operações com Meios Aéreos; Equipamento de Sapadores.
Plano de Implementação, chave do sucesso, exemplo a seguir
O Plano de Implementação das Forças de Operações Especiais, o modo como foi pensado e elaborado ao longo dos anos, a sua aprovação e o apoio político aos factores que dele dependem, e agora a sua criteriosa execução, conduziram as Operações Especiais do Exército ao ponto em que estão. Nem “tudo são rosas em Lamego”, há alguns espinhos como iremos referir nas conclusões a este par de artigos elaborado no CTOE, mas sem a menor dúvida que para bem do Exército, das Forças Armadas e de Portugal, e sem dúvida também para satisfação profissional dos seus quadros e tropas, as Operações Especiais do Exército têm capacidades que as colocam num nível capazes de ser empenhadas em operações reais na sua área de competência ombro a ombro com as suas congéneres dos países aliados.
Clique e veja o filme: Em Lamego com as Operações Especiais do Exército
Leia aqui a segunda parte desta reportagem: EM LAMEGO COM AS OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO (II)
(*) Substituiu o anterior Quartel-General Conjunto de Operações Especiais / Combine Joint Special Operations Task Force Head Quarters que o governo português decidiu oferecer em 2002 à União Europeia para reforçar a sua componente militar …mas sem o ter. Foi um processo “bem português” com inúmeras dificuldades que foi sendo implementado ao longo dos anos, esteve instalado em Oeiras junto do Comando das Forças Terrestres. Como também é bem típico entre nós, as pessoas envolvidas, muitas das Operações Especiais do Exército, empenharam-se nesta nova capacidade nacional, lutaram por ela. Previsto inicialmente para 2004 só em 2005 um “Núcleo Permanente” para edificar este QG arrancou e foi sendo dotado com pessoal dos três ramos e algum equipamento de comando e controlo. O QGOE e/ou os seus quadros participaram em vários exercícios nacionais “Lusíada” e em alguns internacionais como o “Stedfast Jaguar” e também em operações como a missão da União Europeia na RD Congo. Em 2009, finalmente, a Lei Orgânica do EMGFA, Decreto-Lei n.º 234/2009 de 15 de Setembro, insere o QGOE na dependência do Comando Operacional Conjunto (COC/EMGFA). Mas em 2014 a nova Lei Orgânica do EMGFA, Decreto-Lei n.º 184/2014 de 29 de Dezembro, acaba com o QGOE e cria a actual Célula de Planeamento de Operações Especiais no Comando Conjunto das Operações Militares em Oeiras (antigo Comando da NATO).
(**) Aqui as coisas andam devagar e o padrão de camuflado adoptado pelo Exército Português a partir de 1994/96, ainda em uso e previsto no Regulamento de Uniformes (Uniforme n.º 3), convive com vários artigos de um novo apenas distribuído para algumas missões/ocasiões – tipo MultiCam – cujo padrão já é utilizado no equipamento individual, sendo esta uma situação que também se verifica noutras unidades de elite.
Miguel Machado é
Email deste autor | Todos os posts de Miguel Machado