DE S. JACINTO PARA O KOSOVO EM NOME DE PORTUGAL
Por Miguel Machado • 17 Mar , 2013 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintMais uma força do Exército recebeu no passado dia 15 de Março de 2013 o Estandarte Nacional em cerimónia pública no Regimento de Infantaria n.º 10 em S. Jacinto – Aveiro, e vai participar na missão da NATO no Kosovo nos próximos 6 meses. Ali, a três horas de voo de Lisboa e a menos de uma de outros países da União Europeia, a força militar e policial multinacional continua a ser imprescindível à manutenção da paz.
Pela Paz na Europa, “para que servem os militares”?
Festa em S. Jacinto, o Regimento assinala o seu dia festivo, este ano com alguma antecedência para coincidir com a cerimónia de entrega do Estandarte Nacional ao 2.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista, que vai seguir para o Kosovo. Esta é sempre uma cerimónia marcante cujo significado já anteriormente referimos aqui no “Operacional”. Na actual modalidade, como abaixo explicaremos em detalhe, a força tem um efectivo reduzido – menos de 200 militares – e integra militares de várias outras unidades do Exército.
Em semanas recentes personalidades estrangeiras e nacionais que ocuparam ou ainda ocupam cargos políticos de relevo na Europa, vieram alertar para a possibilidade da actual crise descambar em convulsões graves, mesmo em guerra na Europa. A situação política e social que se vem vivendo e vai continuar a viver em alguns dos Estados membros da Zona Euro, dos quais infelizmente Portugal tem sido e continuará a ser um dos mais severamente afectados, levou a estes alertas públicos. Estas afirmações por gente que habitualmente não as faz, parecem ter despertado algumas consciências para factos que há muito quem estuda os problemas de segurança sabe, mas nem sempre consegue provar antes da “casa estar a arder”: a força militar é o melhor (e infelizmente muitas vezes o único) garante para que a guerra volte o mais tarde possível ao nosso convívio!
Preocupados com a falta de dinheiro, o desemprego, a emigração dos filhos e carências de toda a ordem que cada vez mais afectam mais gente em Portugal, alguns, muitos, tendem a pensar que a segurança, porque a temos, é um dado adquirido, nascemos com ela, faz parte das nossas vidas. Basta ter visto, ou ter pelo menos lido o que se passou na Bósnia e no Kosovo, “aqui ao lado”, para perceber como as coisas realmente são. Só uma acção politica e diplomática determinada – mesmo que tenha pecado por tardia – e a consequente presença militar e policial internacional em números muito significativos, estabilizou a situação. A sua permanência no terreno, articulada com outras medidas de carácter político e económico, tem vindo a ser diminuída, mas a capacidade de “voltar em força” mantém-se e vai servido de dissuasor.
Portugal juntou-se a este esforço da comunidade internacional, gastou e gasta dinheiro nestas missões, mas atente-se bem do que estamos a falar. Este ano por exemplo, todas as missões de paz custarão a Portugal cerca de 50 milhões de euros. Para se ter uma noção do que isto representa lembra-se que: ao denunciar o contrato “das Pandur”, o governo já recebeu em garantias bancárias no final do ano passado 55 milhões de euros; o Ministério da Defesa anunciou que os “cortes” previstos no seu orçamento no âmbito de mais um pacote de austeridade serão cerca de 200 milhões; a venda de 12 F-16 portugueses no mercado internacional (Roménia? Bulgária?), deverá render cerca de 450 milhões de euros (números avançados na imprensa internacional).
É isto que custa a participação portuguesa nos esforços da comunidade internacional para manter a paz em algumas das regiões mais conturbadas do globo, Europa incluída. E quem o faz em nome de Portugal? São, entre outros funcionários do Estado por vezes esquecidos como os diplomatas e os elementos dos serviços de informações e mesmo, o que aconteceu no Iraque e em Timor-Leste, elementos do INEM, os polícias e, em muito maior número, os militares.
2BIPara/FND/KFOR
Este conjunto de acrónimos acima, muito utilizado no meio militar, significa o 2.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista (2BIPara) com a organização que vai usar como Força Nacional Destacada (FND) integrada na força da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) designada Kosovo Force (KFOR). A FND é uma força constituída exclusivamente para cumprir uma missão no exterior do território nacional e que, usualmente, assim se organiza cerca de 6 meses antes da missão, prepara-se durante esse período e depois cumpre 6 meses de missão no exterior, extinguindo-se à chegada. Quando essa FND tem por base uma unidade que já existe, o caso do 2BIPara, no regresso assume a anterior organização, aquela prevista no quadro orgânico da brigada em que está integrada, a Brigada de Reacção Rápida.
Ao contrário, por exemplo o Agrupamento Índia que agora está no Kosovo, foi uma FND constituída de novo para a missão. Na Brigada Mecanizada, sobretudo com elementos do Grupo de Carros de Combate, Esquadrão de Reconhecimento, Grupo de Artilharia de Campanha e Bataria de Artilharia Anti-aérea, que foram “aprontados” no Quartel da Cavalaria desta grande unidade. Neste caso, à chegada, a unidade extingue-se, e os seus símbolos (Estandarte Nacional e Guiões e Flâmulas heráldicas) são entregues à unidade onde foram preparados passando a integrar o seu património histórico.
O 2BIPara/FND/KFOR, iniciou a sua preparação para esta missão em 1 de Outubro de 2012, sob o comando do tenente-coronel pára-quedista Paulo António dos Santos Cordeiro, tendo sido designado o Regimento de Infantaria n.º 10 da Brigada de Reacção Rápida, a “unidade aprontadora” da força. É neste regimento que o 2.ºBIPara está aquartelado desde a sua criação em 1994 no âmbito da transferência das Tropas Pára-quedistas da Força Aérea para o Exército, embora a designação da unidade fosse então e até 2006, de Área Militar de S. Jacinto. O 2.º BIPara – entre 1994 e 1999, 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado – foi o primeiro batalhão português a participar na missão da Bósnia em 1996 (então com um efectivo de 678 militares), e serviu depois novamente na Bósnia em 1999 e em 2005, em Timor-Leste em 2000 e em 2002, no Afeganistão em 2007 e no Kosovo, onde agora vai voltar, em 2010.
Segundo o TCor Santos Cordeiro «...As Forças Armadas Portuguesas contribuem para esta missão da OTAN constituindo o Batalhão de Reserva Tática do Comandante da KFOR (COMKFOR TACTICAL RESERVE MANOEUVRE BATTALION – KTM). O KTM deixou de ser exclusivamente português passando o seu efetivo a contar com a participação de outras Troop Contributing Nations, nomeadamente com a participação da Hungria, sendo assim uma Unidade de Escalão Batalhão (UEB) Multinacional. A participação portuguesa no KTM/KFOR, cujo comando é atribuído a Portugal, é efetivada pelas estruturas multinacionais do Estado-Maior (EM), da Secção de Ligação (SecLig) e da Companhia de Comando e Serviços (A-COY) e pelas estruturas nacionais do Módulo de Apoio (ModAp) e de uma Companhia de Manobra (B-COY), num total de 164 militares. A FND/KFOR é estruturada com base no 2BIPara reforçado por um Módulo de Apoio (ModAp) do Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE) e uma Secção de Reconhecimento (SecRec) do Regimento de Guarnição nº1 (RG1) da Zona Militar dos Açores (ZMA)…».
Prioridades
O 2BIPara/FND/KFOR é assim mais uma unidade portuguesa, a vigésima desde Agosto de 1999, que participa na KFOR, e que contribui na medida daquilo que o poder político em Portugal acha adequado para que a paz na Europa se mantenha. Claro que as missões não têm apenas esta dimensão, elas necessitam de equipamentos para serem cumpridas e de pessoas motivadas que as realizem com sucesso. Sendo certo que as missões exteriores deviam ter prioridade na atribuição de recursos – afinal de contas ali é a sério, não se trata de um exercício embora por lá façam muitos para manter a proficiência – as coisas em termos de equipamentos estão longe de estar no seu melhor, havendo, ano após ano, missão após missão, lacunas que se mantêm. Claro que nenhum militar no activo as pode confessar e dizem-nos sempre que “não são as faltas que nos têm impedido de cumprir a missão”. Mas basta ver com olhos de ver e pensar um pouco para, mesmo sem entrar em detalhes e apenas para dar uma imagem, notar que continuamos a operar com “Chaimites” dos anos 70 modernizadas nos anos 80, espingardas G-3 dos anos 60 ou Galil dos anos 80 sem qualquer modernização, não temos um único UAV operacional (nem um mini-UAV!) e coletes tácticos e uniformes iguais aos dos anos 90. Tudo isto pode servir para treino e em tempos de acalmia, mas podem trazer grandes dissabores em tempos de guerra.
Cada país faz “a guerra” com o que tem e ninguém espera que Portugal em época de tremendas dificuldades financeiras, adquira o “estado da arte” para as Forças Armadas no seu conjunto. Mas talvez não fosse mal ver o que se poderia comprar com pouco dispêndio de dinheiro, tão reduzidos são os efectivos empenhados, para melhorar a capacidade das forças expedicionárias e a própria segurança do pessoal empenhado (no Kosovo sem dúvida mas mais ainda no Afeganistão é bom não esquecer!).
Quanto ao pessoal, pelo menos aqui as coisas não correm mal, correm bem. Voluntários não faltam e as FND que rumam ao estrangeiro têm sempre quadros e tropas com percentagens razoáveis de pessoal experiente que enquadra da melhor forma o pessoal novato. Mesmo que haja sempre um ou outro percalço como em tudo na vida, as missões têm sido bem cumpridas.
Para todos eles, os que regressam e os que partem na expectativa de fazer o mesmo da melhor forma possível, com empenho e orgulho na sua condição de militares portugueses, apesar de todas as vicissitudes que afectam a instituição militar e o país, aqui deixamos o nosso fraterno abraço e a certeza de que como nós, muitos portugueses continuam a confiar nos seus militares e no contributo das Forças Armadas Portuguesas para a paz e a segurança em Portugal e no mundo.
Histórico das unidades do Exército Português no Kosovo
Agosto de 1999 a Fevereiro de 2000 Agrupamento BRAVO: Brigada Aerotransportada Independente; Fevereiro de 2000 a Agosto de 2000 Agrupamento CHARLIE: Brigada Ligeira de Intervenção; Agosto de 2000 a Abril de 2001 Agrupamento DELTA: Brigada Mecanizada Independente; Janeiro de 2005 a Setembro de 2005 2º Batalhão de Infantaria: Brigada Ligeira de Intervenção; Setembro de 2005 a Março de 2006 3º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida; Março de 2006 a Setembro de 2006 1º Batalhão de Infantaria Mecanizado: Brigada Mecanizada; Setembro de 2006 a Março de 2007 1º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida; Março de 2007 a Setembro de 2007 2 º Batalhão de Infantaria Mecanizado: Brigada Mecanizada; Setembro de 2007 a Março de 2008 2º Batalhão de Infantaria: Brigada de Intervenção; Março de 2008 a Setembro de 2008 1º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida; Setembro de 2008 a Março de 2009 Agrupamento MIKE: Brigada de Intervenção; Março de 2009 a Setembro de 2009 1º Batalhão de Infantaria: Brigada de Intervenção; Setembro de 2009 a Março de 2010 1º Batalhão de Infantaria Mecanizada: Brigada Mecanizada; Março de 2010 a Setembro de 2010 2º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida; Setembro de 2010 a Março de 2011 1º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida; Março de 2011 a Setembro de 2011 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado: Brigada Mecanizada; Setembro de 2011 a Março de 2012 Grupo de AutoMetralhadoras: Brigada de Intervenção; Março de 2012 a Setembro de 2012 1º Batalhão de Infantaria: Brigada de Intervenção; Setembro de 2012 a Março de 2013 Agrupamento INDIA: Brigada Mecanizada; Março de 2013 a Setembro de 2013 2º Batalhão de Infantaria Pára-quedista: Brigada de Reacção Rápida.
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