CONFERÊNCIA «A EXPERIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL NA BÓSNIA E HERZEGOVINA EM 1996»
Por Miguel Machado • 5 Jun , 2016 • Categoria: 11. IMPRENSA, EM DESTAQUE PrintRealizou-se um 02 de Junho na Academia Militar na Amadora esta conferência, que teve como principal conclusão, terem sido esses primeiros tempos de missão na Bósnia em 1996, uma época de aprendizagem mutua para jornalistas e militares envolvidos. Uns e outros percorrendo um caminho com sobressaltos e erros, mas, apesar disso, o contributo da comunicação social para transmitir ao país o que ali se estava a passar, foi muito importante quer para a opinião pública quer para o próprio contingente.
“Houve um Exército antes da missão na Bósnia em 1996 e outro depois, esta missão mudou o Exército Português para melhor”, referiu o Tenente-General Faria Menezes, Comandante das Forças Terrestres na abertura da Conferência, onde esteve em representação do Chefe do Estado-Maior do Exército. Referia-se ao impacto desta missão portuguesa na IFOR/NATO – não deixando de aludir às iniciais missões em Moçambique e Angola no âmbito das Nações Unidas – quer pelo volume e tipologia de forças empenhadas quer pelas características do teatro de operações balcânico. Faria Menezes assim caracterizou, em várias áreas, o que significou para o ramo terrestre o envolvimento naquela que foi a primeira operação terrestre lançada pela Aliança Atlântica. Aproveitou ainda, entrando já no tema da Conferência, para recordar alguns episódios que o então Tenente-Coronel testemunhou directamente, sendo Ajudante de Campo do CEME, General Cerqueira Rocha, como o que se passou na noite de 24 de Janeiro de 1996 quando 2 militares portugueses morreram e 1 ficou gravemente ferido, em Sarajevo, e o modo como e onde, em Portugal, o comando do Exército lidou com esta dramática situação. Mais tarde comandante de um dos batalhões mecanizados que prestaram serviço na Bósnia e Herzegovina, o Comandante das Forças Terrestres fez ainda algumas considerações gerais sobre o teatro de operações e o envolvimento nacional nos Balcãs.
O Major-General Carlos Perestrelo, comandante da Brigada de Reacção Rápida que organizou esta conferência e, com o seu Regimento de Infantaria n.º 10, tem desenvolvido parte substancial das principais acções do Exército para assinalar os 20 anos desta primeira missão na Bósnia, fez uma intervenção sobre os antecedentes da guerra na ex-Jugoslávia e o modo como depois a situação política e militar evoluiu até à entrada da NATO no terreno. Ele próprio observador militar em vários locais da região “nos tempos das Nações Unidas”, com conhecimento directo daquela realidade, percorreu esses tempos e os da missão da União Europeia e as missões da Marinha e Força Aérea no Adriático, até aos acordos de Dayton e depois à entrada em cena da NATO e das forças terrestres portuguesas, então o 2º Batalhão de Infantaria Aerotransportado da Brigada Aerotransportada Independente, o Destacamento de Apoio de Serviços e o Destacamento de Ligação às estruturas multinacionais. Esta apresentação serviu de algum modo de introdução para a projecção audiovisual que o Ministro da Defesa de então, Dr. António Vitorino, concedeu ao jornalista António Mateus, na RTP 2, e que abordou na sua quase totalidade aspectos ligados a esta missão, do processo de decisão à comunicação.
Seguiu-se o Tenente-Coronel (Ref.) Miguel Silva Machado, Capitão em 1996 e primeiro Oficial de Informação Pública do contingente português, que abordou questões relativas à organização da Informação Pública da NATO nesta operação IFOR. Relatou ainda algumas vicissitudes da participação nacional nesta área do relacionamento com os jornalistas num teatro de operações real, sob pressão de um grande número destes profissionais, e fez uma síntese daquilo que na sua opinião foram as diferentes fases deste relacionamento até à normalização de regras e procedimentos, muitos ainda hoje em vigor fruto daquela experiência.
O moderador convidado foi Carlos Santos Pereira, 65 anos de idade, 35 de jornalista com ampla experiência na região balcânica onde esteve várias vezes ao serviço da RTP, Diário de Notícias, Público e TSF. Tem carreira académica ligada ao ensino da comunicação, nomeadamente na área da Defesa e Segurança, é autor de vários livros onde se aborda quer a problemática dos Balcãs quer da comunicação em áreas de conflito. Rússia/URSS e Europa de Leste e balcânica antes e depois da queda do Muro de Berlim, as relações Leste-Oeste e Norte-Sul, a Guerra Civil de Espanha, a Guerra Colonial e a Descolonização, completam a sua actividade de investigação nos últimos anos. Colabora regularmente com a instituição militar como conferencista em algumas destas suas áreas de interesse.
Abriu a parte da conferência destinada a ouvir as experiências de jornalistas empenhados no inicio desta missão IFOR, tecendo algumas considerações gerais sobre a problemática da comunicação em teatros de operações, e em particular o dos Balcãs, antes e depois da intervenção da NATO, o papel que cada vez mais têm as opiniões públicas dos países fornecedores de tropas na sustentação das operações. Deu antes de passar a palavra, uma ideia muito breve do que representou para a nossa
história recente e para as opiniões públicas o conflito da Bósnia.
Pela televisão(*) usou da palavra Aurélio Faria, jornalista da SIC, 50 anos de idade 28 de profissão, que cobriu por várias vezes as operações militares portuguesas quer na Bósnia em 1996 quer em outros locais como o Kosovo e Timor-Leste e fez muito recentemente um programa da série “Perdidos e Achados”, intitulado “Bósnia 96”, exactamente sobre a efeméride que este ano assinalamos. Tem outras reportagens sobre militares portugueses, e está há muito ligado ao “internacional”. Foi enviado da SIC a locais como a Líbia, Sara Ocidental, Sérvia, Curdistão, Paquistão, para cobrir situações de conflito, mas também esteve em “missão de risco” no não menos perigoso, Everest!
Aurélio Faria abordou as directivas que traziam de Lisboa da direcção editorial da SIC, no sentido de fazer o máximo de histórias possíveis que envolvessem os militares portugueses, fugindo a uma cobertura institucional, e dando destaque às histórias pessoais.
Inventariou mesmo grande parte das 24 reportagens efectuadas, e as condições em que foram feitas durante os 40 dias em que ali permaneceram, ele e o seu operador de imagem, Carlos Santos, em Janeiro e Fevereiro de 1996.
Mais tarde, em Setembro voltou à Bósnia para cobrir o período eleitoral e já se verificava uma normalidade no acompanhamento das forças portuguesas – em oposição a alguns períodos da primeira “comissão” no terreno em que o acesso á informação foi dificultado, obrigando a fazer reportagens sobre outros aspectos relativos aos portugueses na Bósnia que não exclusivamente ao contingente. Por outro lado esta normalização da situação já com as regras definidas pelos militares (tipo NATO), acabou por coincidir com uma cobertura da missão na Bósnia assente no que chamou “star system” em que já parecia mais importante quem era o jornalista que lá estava a fazer a reportagem do que o assunto reportado!
Na altura um dos jornalistas da Antena 1 – Rádio Difusão Portuguesa – no terreno foi Ricardo Alexandre, 45 anos de idade, 26 de profissão, que mais tarde também cobriu vários conflitos ao serviço da RTP e RDP em países como a Líbia, Irão, Afeganistão, Ucrânia, Timor-Leste, ou regiões como a Palestina e as zonas tribais do Paquistão. Em diferentes momentos esteve em vários países dos Balcãs, da Bósnia ao Kosovo, passando pela Sérvia, tendo dedicado muita atenção a esta região e assim continua hoje. Tem vários livros publicados, a Bósnia e os países circundantes são uma das suas principais áreas de interesse, sobre a qual versa a sua dissertação de Mestrado «Era Uma Vez a Jugoslávia: Media, Elites Intelectuais e Nacionalismo».
Ricardo Alexandre, referiu-se como o seu colega da televisão ao elevado número de reportagens efectuadas, às particularidades da acção da RDP – Antena 1 na operação, uma vez que tinha a responsabilidade de, em paralelo com a actividade jornalística levar a cabo o “Bom Dia Bósnia”, um programa com a finalidade colocar os militares a falar com as famílias via Antena 1 e que de jornalismo tinha pouco. Focou ainda o facto de haver muito mais jornalistas portugueses do que de outros países a acompanhar as tropas, sinal da novidade que o assunto significava para Portugal, e também, no seu entender uma vantagem acrescida para os jornalistas nacionais, o facto de serem obrigados a cobrir as actividades do batalhão dispersas por quartéis em duas “entidades” diferentes (áreas sob controlo da Federação Croato-Muçulmana e da Republica Srpska), acabou por lhe dar uma visão mais ampla das realidade no terreno, ao contrário da maioria da imprensa internacional muito focada em Sarajevo.
Em relação à eventual interferência da direcção editorial da RDP no seu trabalho, sendo um órgão do Estado, considerou que trabalhou sempre com absoluta liberdade e sem a mínima intervenção de Lisboa.
Carlos Santos Pereira em síntese pegou nas experiências relatadas, as alterações aos métodos de controlo de informação por parte dos militares desde a sua inexistência até ao “profissionalismo tipo NATO”, para ilustrar a aprendizagem que significou para militares e jornalistas esta missão na Bósnia. Para a NATO a operação foi um teste às suas doutrinas nesta área da comunicação e modelo, sempre aperfeiçoado naturalmente, para as operações que se seguiram. Mesmo sem aprofundar deixou referência à sua experiência pessoal na região, as dificuldades de cobertura das operações antes e depois das acções da NATO no terreno no pré-IFOR e na influência que isso inicialmente teve no modo como as populações locais receberam – com frieza – os militares portugueses e o caminho que estes percorreram para alterar esta situação.
Lamentou o facto de haver ainda muita matéria para estudar nesta área da comunicação em operações militares e nomeadamente nesta da Bósnia, mas também naturalmente nas actuais, e manifestou também a opinião que esta missão foi um marco no relacionamento entre jornalistas e militares em Portugal, havendo claramente um antes e um depois e uma aprendizagem não isenta de erros de parte a parte.
Estava terminada a sessão, mais um acto nas comemorações em curso dos 20 anos do inicio da missão portuguesa na IFOR/NATO. Seguiu-se, já com a presença do Chefe do Estado-Maior do Exército, o lançamento do livro “Bósnia 96, XX Aniversário da Missão”.
(*) Tendo em atenção o tempo disponível, a Conferência foi pensada para incluir três jornalistas falando cada um por uma das “componentes” que estiveram presentes na Bósnia em 1996: televisão, radio e jornais. Infelizmente o jornalista convidado para participar “pelos jornais”, Carlos Varela do Jornal de Notícias, viu-se impossibilitado de participar por motivo de doença.
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