CINQUENTENÁRIO DO MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE: 03JUL1968 – 03JUL2018
Por Miguel Machado • 1 Jul , 2018 • Categoria: 01. NOTÍCIAS, 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX, EM DESTAQUE PrintNo dia 3 de julho de 2018 comemora-se o cinquentenário da inauguração do MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE, situado no REGIMENTO DE PARAQUEDISTAS, erigido em memória dos paraquedistas mortos em combate e, também, porque não dizê-lo, à glorificação dos combatentes ainda vivos.
Foi, provavelmente, um dos momentos mais significativos e emotivos da história das TROPAS PARAQUEDISTAS PORTUGUESAS, conforme relatam testemunhos escritos, em artigos publicados(1), logo após a cerimónia oficial.
Imponente pela sua beleza e significado, o “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE” tornou-se num símbolo respeitado por todas as gerações de paraquedistas militares portugueses formados ao longo de mais de seis décadas.
Impunha-se, por isso, este modesto registo.
INTRODUÇÃO
A inauguração do “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE” que se tornou, nos nossos dias, um incontornável ex-líbris das TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, ocorreu no dia 3 de julho de 1968, com a presença de S. EXª. o Presidente da República, Almirante AMÉRICO DE DEUS RODRIGUES TOMÁS, acompanhado pelas mais altas individualidades militares e civis, nomeadamente o Ministro da Defesa, o Ministro do Exército, o Secretário de Estado da Aeronáutica, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, o Subsecretário de Estado do Exército, o Chefe do Estado-Maior da Armada, o Chefe do Estado-Maior do Exército, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o Governador Civil de Santarém, muitos oficiais-generais dos três Ramos das Forças Armadas Portuguesas, o Brigadeiro KAÚLZA OLIVEIRA DE ARRIAGA (principal impulsionador das Tropas Paraquedistas Portuguesas), Comandantes das unidades circunvizinhas, deputados eleitos pelo círculo de Santarém, inúmeros órgãos de informação da imprensa escrita e falada, e a honrosa presença do Ministro da Aeronáutica da República Federativa do Brasil, marechal-do-ar MÁRCIO DE SOUZA E MELLO.
Estiveram presentes, também, os principais doadores do meio civil empresarial que com as suas generosas doações, permitiram que o mais carismático de todos os monumentos militares portugueses, se tornasse uma realidade visível.
Apesar de as unidades paraquedistas se encontrarem empenhadas em combates nos três Teatros de Operações (Angola; Moçambique e Guiné-Bissau) que Portugal travava desde o início da década de sessenta, nem por isso, deixaram de estar presentes neste significativo e emotivo acto, delegações representantes dos quatro BATALHÕES DE CAÇADORES PARAQUEDISTAS (BCP 21- Angola; BCP 12 – Bissalanca/Guiné-Bissau; BCP 31 e 32 – Beira e Nacala/Moçambique).
A emoldurar esta cerimónia, presentes ainda, milhares de ex-paraquedistas militares e respetivas famílias, bem como os familiares daqueles que entregaram a sua vida ao serviço de PORTUGAL.
A CERIMÓNIA(2)
À chegada de S.EXª o Presidente da República, dois Batalhões de Paraquedistas, sob o comando do tenente-coronel paraquedista João José Curado Leitão, prestaram a protocolar Guarda-de-Honra e, enquadraram toda a cerimónia.
Momento alto deste elevado acto cívico foi o da “chamada dos mortos”, individualmente clamados pelo Comandante do REGIMENTO DE CAÇADORES PARAQUEDISTAS (RCP), coronel paraquedista Mário de Brito Monteiro Robalo, apelo a que, vibrantemente e em uníssono, os efetivos paraquedistas em parada responderam “PRESENTE”.
Após eloquente discurso proferido pelo coronel paraquedista Mário de Brito Monteiro Robalo, e inaugurado o “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE”, os dois Batalhões de Paraquedistas desfilaram em continência, emprestando uma elegância inigualável aos seus disciplinados movimentos marciais.
O DISCURSO DO COMANDANTE DO RCP
Pela importância histórica e singularidade do ato, transcrevem-se as passagens mais significativas do discurso proferido pelo Comandante do RCP, coronel paraquedista MÁRIO DE BRITO MONTEIRO ROBALO, na inauguração do “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE”, em 3 de julho de 1968.
«Venerando Sr. Presidente da República:
A presença do primeiro magistrado da Nação e chefe supremo das Forças Armadas, neste acto, é, apenas, mais uma das constantes afirmações de fé, de V.EXª., nos destinos externos da Pátria Portuguesa mas, é também, a compensação moral mais elevada que todos, os que fizeram erguer o monumento e aqueles que, no-lo ofereceram, alguma vez, ousariam ambicionar.
Quando os meus soldados, muitos dos quais se honraram já, ao sentir de perto, no Ultramar, toda a simpatia e calor humano que irradia da presença de V.EXª., me pediram, para que se convidasse o «nosso Presidente», longe, estava eu, que tal desejo se pudesse transformar na realidade de hoje.
Por isso, Sr. Presidente, os nossos mais respeitosos agradecimentos, pelo entusiasmo com que, imediatamente, V.EXª. se dignou aceitar o nosso
Convite para, com a vossa veneranda presença tornar mais solene e, imprimir o cunho de acontecimento nacional que tal presença implica, à homenagem que, aqui se vai prestar àqueles que, crendo da razão e do direito da sua Pátria, não hesitaram, um só momento, em sacrificar-lhe o dom mais precioso, que possuíam – a própria vida.
Senhores Ministros e Secretários de Estado!
Exmas Autoridades Civis, Religiosas e Militares!
Minhas Senhoras! Senhores! Camaradas!
Arrostando com a distância e o incómodo, não quiseram Vexas. deixar de comparecer, nesta cerimónia, dando-lhe com a vossa honrosa e, sempre, bem-vinda presença mais solenidade e brilho.
Por essa presença que, para além do mais, significa a justiça da homenagem que se presta, bem hajam VEXAS.
Aos órgãos da informação presentes que, na sua missão, por vezes, bem difícil e, nem sempre isenta de perigos, levarão a todos que, a esta cerimónia não assistem, a certeza de que, continuando a trabalhar pelo futuro, não esquecemos e damos mais sentido ao passado, o nosso muito obrigado.
– A todos, quantos idealizaram e deram forma, expressão e vivência à obra, os nossos agradecimentos.
Minhas Senhoras! Senhores!
Graças a alguns homens generosos e bons, figuras grandes do trabalho português, que sentindo, vivendo e apoiando o esforço das Forças Armadas, inteligentemente, compreendem que não bastam os simples apelos e incentivos, mais ou menos patrióticos, a uma juventude que, generosamente, dá o melhor de si mesma, na defesa do Portugal Euro-Africano e de interesses que não são, apenas, os seus e que, nalguns casos, mesmo, a transcendem, podemos, hoje, aqui, perpetuar na pedra e no metal a memória de «AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE» como dizia o épico.
Memória de todos, sejam eles da Marinha, do Exército ou da Força Aérea, já que, para os caídos no campo da honra, tal como para os que, vivos, continuam a sua gesta, não pode, nem deve haver distinção ou separação. Todos eram portugueses, todos eram militares, todos pertenciam a uma só organização – as FORÇAS ARMADAS.
E, muito embora sabendo que vou ferir a vossa modéstia, permitam-me V. Exas.,
Sr. D. António da Cunha
Sr. Eng.º. Armando Guimarães
Sr. Dr. Jorge de Mello
Sr. D. José Saldanha
Sr. Manuel de Queirós Pereira
Sr. Dr. Manuel Espírito Santo Silva
Sr. Dr. Manuel Ricardo Espírito Santo Silva que embora, em Angola, cumprindo serviço militar, em espírito, aqui, está connosco.
Sr. Rogério Cândido da Silva
que, em nome de todos nós, em nome dos companheiros presentes e ausentes daqueles que, de armas na mão e consciência pura, à Pátria, deram o seu maior bem e, em nome das Famílias e dos Professores que, tão bem, os souberam criar e educar em vida, no culto da honra, e do dever, vos diga, do fundo do nosso coração agradecido. Bem hajam, Senhores, pela vossa grandeza de alma, pela vossa fé, pelo vosso portuguesismo.
Minhas Senhoras! Senhores:
Ao invocarmos daqui a pouco, para seguidamente honrar, os nomes daqueles que, ainda, não há muito, estudantes de vida, dominados pela fé, plenos de sonhos e de esperanças, altivamente, sobrepunham a tudo, a honra e a integridade da Pátria e, cujos corpos frios, repousam agora, sob a terra que haviam jurado defender, cumprimos, aqui, um honroso dever, mas, um dever que nos ultrapassa a todos, largamente, na medida, em que ele impende sobre todos os portugueses, homens ou mulheres, velhos ou novos, brancos ou pretos, crentes ou não crentes.
A sua vida não lhes pertencia porque, à Pátria haviam, um dia, jurado oferecê-la, se necessário fosse.
E chegada a hora, em penhor da palavra dada, sem uma hesitação, nem nada pedirem em troca, sem alardes de qualquer espécie, mas antes, com a humildade dos fortes, a grandeza dos simples e a determinação dos bravos cumpriram a sua promessa.
Ficaram mais pobres as suas famílias, com a sua morte.
Ficou mais rica a terra portuguesa, com o seu sangue.
Mas ficou-nos, sobretudo, a todos o exemplo da grandeza do seu sacrifício.
Sacrifício que não podemos permitir que se venha a tornar inútil, que não poderá ser, jamais, traído!
Muitas vezes se tem dito e escrito, que estamos em guerra. Em vários aspectos, alguns mesmo, bastante trágicos, temos sentido toda a dureza implacável. Guerra que, não desejamos, nem provocamos mas, guerra que, sob pena de renegarmos elevados valores, que não têm preço, não podemos evitar.
A cada um de nós, a todos os portugueses, sem excepção, cada um, dentro da sua esfera e possibilidades máximas, cabe o honroso e inalienável
dever de a aceitar com dignidade, forte querer, abnegação e espírito de sacrifício.
Aceitamo-la como um ato de fé, cada dia, renovada com maior determinação e firmeza e defendido, custe o que custar até se obter a paz. E, nesta aceitação, nunca se poderá dizer, que alguém se terá excedido no cumprimento do dever, já que ele é enorme, e sem limites.
E, porque esta guerra é uma guerra total não basta que a juventude se bata e morra com audácia e bravura nas portuguesas plagas africanas.
Para além disso, há todo um complexo, certamente, já equacionado mas que, com realismo, sensatez, economicidade e inteligência terá de ser, urgentemente, resolvido.
Há que fazer opções sobre a aplicação mais rentável de, pelo menos, uma parte da nossa juventude.
Há que estruturar a defesa da Nação sobre uma economia e técnicas sólidas, eficientes, evolutivas e competitivas.
Há que preparar, psicologicamente, todos quantos integram o grande Portugal Euro-Africano, para, sob todos os prismas, encararem esta guerra, com uma guerra de sobrevivência, guerra de todos nós, que tem de ser ganha, mas, não, apenas, por alguns.
Há que não permitir alheamentos de nenhuma espécie nem, o desconhecimento, para muitos existente, de que é sacrifício e, muito menos, que, internamente, com escandaloso à vontade, se instile veneno e lance a semente da dúvida na consciência daqueles que lutam e se sacrificam.
Há que prosseguir toda uma secção externa de conjunto que vem produzindo frutos preciosos mas que poderá ainda, produzir bem mais e melhores.
Portugal se não é rico, está longe de ser um país pobre!
Possui excelentes posições estratégicas, dispõe de vastos recursos, reais e potenciais, tem ao seu alcance toda uma vasta gama de novas e rentáveis técnicas.
Se, com lucidez, realismo e oportunidade soubermos, todos, querer, e utilizar tudo quanto possuímos e temos possibilidades de obter, então, poderemos, confiadamente, continuar a aceitar o desafio que foi proposto às nossas gerações e orgulhosamente, afirmar que não foi em vão, nem inútil, o sangue, e o sacrifício dos nossos mortos.»
ALGUNS DADOS HISTÓRICOS DO MONUMENTO
O “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE” simboliza uma asa da aeronave de transporte militar Junker Ju-52/3m, e um militar paraquedista em “posição de aterragem” na chegada ao solo.
O conjunto é fixado num pequeno lago, em cujo fundo tem desenhado um “mapa-múndi” colorido, onde se destacam as antigas possessões ultramarinas portuguesas, todas ligadas entre si com a Metrópole (Portugal).
Na base do monumento a inscrição «AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE» que perpétua a memória de todos os mortos em combate.
O principal entusiasta e impulsionador, para a angariação de fundos e construção do monumento em todas as suas vertentes, foi o coronel paraquedista MÁRIO DE BRITO MONTEIRO ROBALO, à data, Comandante do REGIMENTO DE CAÇADORES PARAQUEDISTAS (RCP).
Por motivos estritamente históricos, é justo realçar que os custos desta magnifica obra foram inteiramente suportados por doadores da sociedade civil e empresarial portuguesa, e por contribuições generosas dos oficiais, sargentos e praças paraquedistas. Não houve, por isso, qualquer doação da Fazenda Nacional.
O seu custo total orçou em: 631.343$00 (€ 3.149,13).
Os principais doadores provenientes da sociedade civil e empresarial portuguesa foram: Dr. MANUEL RICARDO ESPÍRITO SANTO SILVA; Dr. MANUEL RIBEIRO ESPÍRITO SANTO SILVA; ROGÉRIO CÂNDIDO DA SILVA; D. ANTÓNIO DA CUNHA; Dr. JORGE DE MELLO; MANUEL DE QUEIRÓS PEREIRA; D. JOSÉ SALDANHA; e ENGº. ARMANDO GUIMARÃES.
Os depósitos eram feitos numa conta, especialmente criada para este efeito, no BANCO ESPÍRITO SANTO E COMERCIAL DE LISBOA (BESCL).
A edificação do monumento foi da responsabilidade do construtor civil Sr. ZEFERINO JOSÉ (Herdeiro).
O autor do conjunto arquitetónico foi o arquiteto ALEIXO TERRA DA MOTTA.
A escultura é da autoria do Mestre DOMINGOS SOARES BRANCO que, nos anos sessenta, tinha o seu estúdio aberto na Rua Marquesa de Alorna, Nº 38 A e E – Lisboa.
A pintura e a decoração ficaram a cargo do professor HERNANI DE OLIVEIRA.
CULTO E HOMENAGEM
Volvidas algumas semanas após a inauguração solene do Monumento, o coronel paraquedista Mário de Brito Monteiro Robalo, Comandante do RCP, redige e manda publicar a DETERMINAÇÃO DE EXECUÇÃO PERMANENTE Nº01/1968.
Este documento interno, pela sua importância histórica, não podia deixar de ser divulgado, pois o mesmo, pelas razões nele expressas, é responsável por incutir nos militares paraquedistas um culto que permanece até aos nossos dias, materializado na seguinte execução:
– “Todo e qualquer militar sempre que passar pelo Monumento, far-lhe-á como sinal de respeito individual, a saudação militar – a continência”.
– “Toda e qualquer força, ao cruzar o Monumento mandará, conforme os casos, olhar à direita ou à esquerda.”
Pela importância histórica desta DEP Nº01/68, e para seu conhecimento geral, aqui fica a sua reprodução na íntegra:
NOTAS
(1) Serviu de base para a construção deste artigo os textos impressos no jornal “BOINA VERDE” / setembro de 1968, págs. 3, 6, 7 e 9.
(2) A sequência da cerimónia foi reconstruída a partir de testemunhos orais de muitos oficiais, sargentos e praças paraquedistas que tiveram a honra e o privilégio de participar neste singular ato cívico.
ANTÓNIO E. SUCENA DO CARMO
Sobre este assunto leia também no Operacional:
MEDALHA COMEMORATIVA DO CINQUENTENÁRIO DO “MONUMENTO AOS MORTOS EM COMBATE” – 1968 – 2018
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