ATÉ SEMPRE “AVIOCAR”!
Por Miguel Machado • 14 Jan , 2011 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintO C-212-100 “AVIOCAR” está prestes a abandonar o serviço activo na Força Aérea Portuguesa. Foram mais de 3 décadas a voar com a “Cruz de Cristo” na fuselagem, muitas e diversificadas missões levadas a cabo e…milhares de pára-quedistas lançados.
Pela porta do “AVIOCAR” saltaram com efeito milhares de pára-quedistas utilizando diversos tipos de pára-quedas de abertura automática e de abertura manual. Pelas suas características e proximidade – não esqueçamos que estas aeronaves começaram a chegar à Base Aérea n.º 3, em Tancos, em 1974 e ali se mantiveram até à cedência desta unidade ao Exército em 1993 – e ainda pelos anos de serviço que prestou na FAP, o C-212-100 é certamente o avião mais utilizado pelos pára-quedistas na sua história. Acresce ainda que durante muitos anos, e depois de alguma interrupção a essa boa prática se voltou, um C-212 estacionado em Maceda ou ali destinado, cumpria missões de salto em S. Jacinto.
Note-se que o míticos JU-52, C-47 e Nord foram utilizados pelos “Páras”menos de 20 anos numa época em que o efectivo das Tropas Pára-quedistas era bem mais reduzido do que do que nos 30 anos de utilização do “AVIOCAR”.
Em termos de tempo de serviço e de número de missões afectas ao lançamento de pára-quedistas o grande concorrente do pequeno avião espanhol e pode ser que o ultrapasse, é o “Hércules” C-130. Chegados a Portugal pouco depois do C-212-100, ainda estão ao serviço e previsivelmente assim continuarão por mais…uma década?
A história dos C-212-100 “AVIOCAR” nas missões em proveito das tropas pára-quedistas não pode naturalmente ser contada neste despretensioso artigo, é trabalho para um livro, e grande! Pelas muitas missões efectivamente cumpridas, dos saltos do curso de pára-quedismo nos quais muitos jovens portugueses conquistaram a “boina verde” ao lançamento a grande altitude de SOGAs – quer de noite quer de dia – no decurso de dezenas e dezenas de exercícios, ou lançamentos de Precursores nas zonas de lançamento mais incríveis dos quatro cantos de Portugal, passando pelos saltos desportivos em campeonatos de pára-quedismo ou em demonstrações, não esquecendo a maioria dos cursos da área aeroterrestre – e não são poucos – e o lançamento de cargas, tudo o “AVIOCAR” cumpriu com eficiência e segurança.
Mas não só pela lista de missões o “AVIOCAR “já entrou na história das tropas pára-quedistas: também sem dúvida pela relação – arrisco a dizer, afectiva – que se estabelece entre o militar pára-quedista, o saltador, o largador, e a aeronave. Pela intensidade da utilização e pela segurança que confere aos utilizadores, o “AVIOCAR” está hoje na memória de milhares de portugueses que um dia a partir “dele” se lançaram no espaço e não só realizaram o seu sonho como cumpriram a sua missão.
Ainda assim e falando com os pára-quedistas que primeiro os utilizaram após a sua chegada a Portugal, fica a noção que inicialmente estranharam o avião. Habituados ao Noratlas, nomeadamente nas duras condições de operação em África, o “AVIOCAR” pareceu-lhes pequeno e frágil. Mas em breve a sua versatilidade – apreciada logo pela facilidade com que subia para lançar o pessoal da “queda-livre” – e disponibilidade os cativaram. Em breve o “AVIOCAR” era uma verdadeiro “cavalo de batalha” respondendo às necessidades dos “Páras” que a ele se habituaram e muitos, podendo escolher, preferiam-no para efectuar saltos a qualquer outra aeronave. Mesmo tendo-se hoje cada vez mais a noção que mais velocidade não lhe faria mal nenhum.
O “AVIOCAR”
O C-212-100 “AVIOCAR” é um avião bimotor turbohélice com uma tripulação de 2 pilotos e 1 mecânico, de origem espanhola (Construcciones Aeronáuticas S.A.), com envergadura de 19,00m, comprimento de 15,20m e altura de 6,30. Tem uma velocidade máxima de 360Km/h, tecto de serviço de 7.600m, raio de acção de 1.920Km e autonomia de 5H40. Não dispõe de armamento e pode transportar 16 pára-quedistas equipados, ou 18 passageiros, ou 12 macas, ou 2.000Kg de carga.
O primeiro protótipo do que viria a ser o C-212 voou em 1971 e no final de 1973 Portugal encomendou 20 unidades (destinadas a substituir os Dakota e os Noratlas). Em 1974 o CASA C-212-100 entrou ao serviço da Força Aérea Espanhola e logo em Outubro desse mesmo ano aterraram na Base Aérea n.º 3 os 4 primeiros aparelhos destinados à Força Aérea Portuguesa. Até 1976 mais 16 foram entregues – estes já com algumas pequenas modificações propostas pela FAP – e em 1994 foram recebidos mais dois, na versão C-212-300, destinados a missões de vigilância marítima.
O C-212 tornou-se num sucesso de vendas, em várias versões, servindo em mais de 20 países, um pouco por todo o mundo.
Largadores
Não sendo um exclusivo do C-212 como bem sabemos, uma palavra final de reconhecimento aos pára-quedistas, quase e todos sargentos, que desempenham as funções de largadores. Sendo certo que em todas as aeronaves de pára-quedistas eles estão presentes e têm uma importante missão, é no “AVIOCAR” que durante muitos e muitos anos, ela se revelava mais delicada, com maiores consequências em caso de erro.
E os erros graves no pára-quedismo pagam-se não poucas vezes com a vida e muitas com lesões para a vida.
Se o “AVIOCAR” é o avião mais utilizado pelos pára-quedistas, os sargentos pára-quedistas que desempenham estas funções são de entre nós os que mais horas utilizaram o “AVIOCAR.” E não como simples passageiros. Não é preciso ser muito velho nos pára-quedistas para ter presente que neste avião cabia ao largador, a ligação visual com a tripulação, com a zona de lançamento e a orientação do avião até ao momento, decidido por ele, de mandar saltar. Não estando a aeronave bem colocada a ele cabia mandar repetir o circuito. Hoje nos saltos de treino grande parte desta responsabilidade foi transferida para os Precursores embora os largadores mantenham essas competências. Com a colaboração do ajudante-largador garante o correcto desenvolvimento dos procedimentos dos saltadores dentro da aeronave. Hora após hora, por vezes dias inteiros, com sucessivas descolagens, lançamentos, aterragens, a eles cabe parte muito importante do sucesso das missões. No aspecto técnico têm de ser, sempre, irrepreensíveis para com as tripulações e para com os saltadores. Para estes últimos, eles são, sobretudo para os mais jovens, o rosto do profissionalismo e da competência, transmitindo-lhes pelo seu desempenho e à vontade a bordo, parte da força para tomar a decisão de saltar.
Missões na Força Aérea Portuguesa, hoje
A frota “AVIOCAR”está hoje concentrada na Esquadra 401 “Cientistas”, sob o comando do Tenente-Coronel PILAV Moura, na Base Aérea N.º 6 (Montijo) e é constituída por 8 aeronaves. Destas duas são da série C-212-300 (VIMAR – Vigilância Marítima) e as restantes da série C-212-100 (cinco de transporte e uma VIMAR). Neste momento os “AVIOCAR” ainda fazem alguma, poucas, missões ligadas à Vigilância Marítima e à Fotografia. O seu sucessor, o C-295M já está a desempenhar as missões e alertas a partir do Montijo, Porto Santo e Açores, assumindo assim a quase totalidade das missões que cabiam ao “AVIOCAR”.
Entretanto este novíssimo C-295M dos quais a Força Aérea Portuguesa já recebeu 10 unidades (7 na versão transporte táctico e 3 para VIMAR), estão concentrados na Esquadra 502 “Elefantes”, sob o comando da Tenente-Coronel PILAV Diná Azevedo, com destacamentos nos arquipélagos dos Açores e Madeira. As missões de fotografia e VIMAR ainda “aos ombros” do “AVIOCAR” serão muito em breve também desempenhadas pelos C-295M.
O programa de abate progressivo da frota C-212 está em marcha e os “AVIOCAR” estão a ser usados para qualificação de novos pilotos, usando assim o potencial remanescente das aeronaves. Tudo indica que 2011 será o ano da “inibição” total da frota.
Além dos aparelhos já entregues para fins museológicos, está prevista a instalação de um em Tancos na antiga Esquadra 502 para exposição permanente, lembrando aos novos “páras” que ali embarcam o antepassado do C-295M, e, tanto quanto foi possível averiguar, não há interessados em comprar os restantes.
Até sempre “AVIOCAR”
No momento em que o C-212-100 já é retirado do serviço aqui no “Operacional” prestamos esta pequena mas sentida homenagem. Não esquecendo que os resultados alcançados não se devem só à máquina em si como a todos os que na Força Aérea Portuguesa a voaram e os que a “metem no ar”: tripulantes e manutenção. Nunca será demais realçar o seu profissionalismo e as extraordinárias relações que regra geral se estabeleceram – sobretudo naturalmente com pilotos, mecânicos de voo e navegadores (enquanto os houve na 502) – permitindo, muitas vezes, fazer o possível e o impossível para alcançar senão ultrapassar os objectivos traçados para “mais um dia de saltos”.
O C-212-100 já faz parte da História das Tropas Pára-quedistas Portuguesas e é com orgulho que muitos de nós recordam a conquista da “boina verde” associada ao C-212.
Até sempre “AVIOCAR”!
Miguel Machado é
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