AS FORÇAS NACIONAIS DESTACADAS PRECISAM DE VISITAS?
Por Miguel Machado • 12 Dez , 2012 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintAqui está uma questão interessante que se coloca agora com o anúncio feito pelo ministro da Defesa Nacional de que este Natal, ao contrário do anterior, onde esteve no Líbano, Afeganistão e Kosovo, não iria visitar as Forças Nacionais Destacadas (FND), justificando com a necessidade de contenção orçamental.
Para que servem as visitas?
A questão de fundo deverá ser, parece-nos, a resposta a esta questão. Anos e anos seguidos diferentes entidades dos vários quadrantes políticos e militares, visitam as FND. Depois de tomarem posse, ou por altura da presente quadra festiva de profundo significado para as famílias portuguesas. Do Presidente da República ao Ministro da Defesa, passando pelo Presidente da Assembleia da República (raramente) ao Primeiro-Ministro e aos Chefes Militares de mais elevada responsabilidade nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança. Do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas – ainda muito recentemente esteve na Islândia, como o Comandante-Geral da GNR esteve em Timor-Leste – aos Chefes dos Ramos e oficiais generais com responsabilidade na preparação/apoio das forças – dos comandantes operacionais aos comandantes das forças que estão empenhadas – todos, planeiam visitas que estão previstas meses antes e orçamentadas. Em tempos estas deslocações de militares faziam-se quase sempre em aviões da Força Aérea que sustentavam as FND, agora com o sistema de entregar essa tarefa a empresas multinacionais, a generalidade das visitas são feitas em voos comerciais, seja para Pristina (Kosovo) seja para Cabul (Afeganistão).
Todas têm desde logo uma primeira finalidade: mostrar a quem está longe da Pátria no cumprimento do dever, que os seus superiores hierárquicos – os que lhes atribuíram a missão – embora estejam em permanente contacto com o que ali se passa através dos relatórios diários e também de voz e imagem pelos seus “staffs”, apesar disso, “cara-a-cara”, ali estão a mostrar solidariedade com o trabalho que está a ser efectuado.
Servem também, não raras vezes, para estabelecer contactos com as direcções políticas locais e as chefias militares das organizações onde estamos integrados, no sentido de facilitar a actividade dos militares ali em serviço. Ao contrário do que muitos possam pensar nem sempre as coisas são tão simples como se julga no relacionamento multinacional e por vezes é mesmo necessário uma visita destas – de altos responsáveis militares – para clarificar/desbloquear situações em curso.
As visitas também mostram ao visitante, civil ou militar, na primeira pessoa, o que se está a passar no terreno. Acontece – mesmo que alguns comandantes de contingentes possam não apreciar muito – ver um governante ou um general de 4 estrelas a falar com um soldado e a perguntar-lhe sobre a missão, as condições de vida e até aspectos relativos à família em Portugal. Também é assim que se sente o pulsar da força, o seu estado de espírito.
Por outro lado, da parte dos militares em missão, esta é uma oportunidade única de fazerem ver algumas das condicionantes que possam estar a ter, e assim fazerem “linha directa” com quem tem o poder e a capacidade de desbloquear certas limitações, certos problemas. Quando se vê as coisas ali à “frente dos olhos” fica-se com uma ideia diferente da que se tem lendo esse mesmo assunto num relatório/informação. É também ali que alguma sensibilidade mais delicada sobre aspectos das missões que não devem ser escritos – por exemplo em relação a países aliados ou anfitriões – são transmitidos de viva voz, podendo em alguns casos ajudar e muito a processos de tomada de decisão em curso.
Mas também há oportunidades perdidas. Das várias que aqui podia trazer, recordo o relato de um oficial que tendo recebido em tempos idos numa FND na Europa a visita de delegação da Comissão de Defesa da Assembleia da República (entidade que em boa verdade devia ir regularmente às FND e olhar com olhos de ver o que por lá se vai passando) manifestava a sua tristeza por se terem limitado a passar revista à Guarda de Honra, assistido a um “briefing” e…nada mais, comprimentos de circunstância e até um dia destes em Portugal.
Claro que também há uma visão mais “terra-a-terra” destas visitas, a visão do “soldado”, independentemente do posto, e que se pode traduzir por esta frase várias vezes ouvida: “…só cá vêem dar trabalho e atrapalhar, respondam mas é aos nossos pedidos, dêem-nos as condições e deixem-nos, não venham para aqui com conversa mole e depois fica tudo na mesma…“
Quanto custa?
Para quem não está familiarizado com estes assuntos, note-se que estas visitas de altas entidades do governo ou da presidência, costumam incluir uma série de pessoas (chefes militares, assessores diplomáticos, de relações públicas e de imprensa/políticos, chefes de gabinete, ajudantes de campo, guarda-costas, jornalistas), havendo regra geral duas modalidades, a saber: a visita só com 1 avião “Falcon”, a qual apenas permite o embarque de “staff” reduzido a uns 10 passageiros, incluindo quase e sempre pelo menos um jornalista convidado; a visita com “Falcon” + C-130, com lugar para todos os militares e mais um grande lote de jornalistas com prioridade para as televisões.
Acredito que para esta última modalidade os tempos não estejam de feição – mesmo que muitas vezes este C-130 fosse aproveitado para outro tipo de transporte de cargas que são sempre necessárias nas FND o que de algum modo “rentabilizava” o vôo. E, recordo, também já houve visitas de governantes e chefes militares apenas em C-130.
No entanto, um aspecto importante face à justificação agora divulgada para não efectuar a visita, seria saber quanto custaria a deslocação ao Kosovo e ao Afeganistão? Estamos a falar de quantos euros em concreto e que percentagem representa isso no conjunto das deslocações anuais do MDN, SEDN, altos funcionários do ministério e altas patentes militares do EMGFA e dos três ramos das Forças Armadas?
Comunicação social
Não deve ser o aspecto mais importante de uma visita e também já se tem caído nesse erro, mas é uma parte importante, diria mesmo que cada vez mais, embora pelas razões erradas. Na realidade se não fossem estas visitas, quando é que os portugueses em geral ouvem falar das Forças Nacionais Destacadas? Só se houver baixas! Na realidade não havendo por parte das empresas de comunicação social investimento para fazer deslocar jornalistas ao estrangeiro a cobrir a actividade das FND, nem havendo por parte da direcção política da Defesa Nacional e da Instituição Militar capacidade para apoiar os jornalistas que desejem ir ver o que as tropas fazem, as missões exteriores estão cada vez mais esquecidas. Assim, não sendo a cobertura ideal, estas visitas ministeriais, são uma maneira de colocar na agenda desse dia, nas televisões, rádios e jornais, os militares portugueses a fazer aquilo que hoje é uma das suas principais missões, uma das suas razões de ser.
E aqui se vê também a importância politica que as Forças Nacionais Destacadas têm no contexto nacional nos dias de hoje. Não basta em conferências, livros e artigos de opinião ver reconhecida a importância deste empenhamento na política externa de Portugal. Há que no momento próprio mostrar uma solidariedade institucional que regra geral é muito sentida por quem a recebe. Que o digam aliás os militares portugueses que no ano passado receberam a visita do actual ministro da Defesa Nacional em Cabul, no próprio dia de Natal. Antes tinha estado no Líbano e depois do Afeganistão rumou ao Kosovo.
Uma nota final que penso reforçará estas opiniões agora expressas. Numa missão em que participei, mesmo que os tempos fossem outros, vi militares – gente jovem mas endurecida por meses de dificuldades – verdadeiramente emocionados, com as palavras que lhes dirigiu um primeiro-ministro de visita. Quem como os jornalistas lida todos os dias com políticos em campanhas eleitorais ou em conferências e imprensa em locais aprazíveis, tende a achar estes sentimentos estranhos senão ridículos. No entanto acreditem que quem lá estava, longe da Pátria, num clima agreste, uma geografia difícil e um cenário não de guerra como hoje no Afeganistão, mas ainda assim de perigos múltiplos e que causaram baixas, sentiu fundo o apoio de Portugal ao seu trabalho.
Concluindo, este ano de 2012 pode até ser diferente dos outros por motivos conhecidos, mas será muito importante, agora como no passado, que nesta quadra festiva os militares em missão, sem margem para dúvidas, sintam a solidariedade dos mais altos representantes do seu país e da Instituição que servem.
Miguel Machado é
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