AFEGANISTÃO: UNIDADE DE PROTECÇÃO DA FORÇA EM OPERAÇÕES
Por Miguel Machado • 27 Nov , 2009 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI, EM DESTAQUE PrintDesde 2002 que a Esquadra 501 da Força Aérea Portuguesa conhece bem o teatro de operações do Afeganistão de onde acaba de regressar em Outubro de mais uma missão. Agora inseparáveis dos “Bisontes” nestas missões expedicionárias está o “Raven Team“(1) da Policia Aérea, com o qual o “Operacional” falou e aqui apresenta.
Protecção às unidades aéreas expedicionárias
Apesar dos C-130 cumprirem muitas missões quer em apoio às forças portuguesas integradas em forças multinacionais (Bósnia, Kosovo, Timor-Leste, Iraque, Líbano, República Democrática do Congo) quer em operações de contingência exclusivamente nacionais (Zaire, Angola, Guiné-Bissau), ou ainda em operações de carácter humanitário um pouco por todo o mundo, a criação da Unidade de Protecção da Força é recente. As lições do Afeganistão e as exigências NATO a isso levaram. Em 2004 o C-130 português, na ausência de equipas de protecção nacionais, teve que contar com o apoio dos belgas. Nas operações anteriores que os C-130 lusitanos cumpriram em África esta missão foi confiada, em emergência, a destacamentos de pára-quedistas e operações especiais do Exército. As operações da FAP no Afeganistão, e os “Force Goals” (objectivos de força) para a “Force Protection” (protecção da força) que a Aliança “aconselha” aos seus membros, levaram a Força Aérea Portuguesa a dotar-se de pessoal especializado. Adquiriu assim, finalmente, autonomia total para os seus destacamentos aéreos expedicionários. Se a FAP vier a participar em breve numa missão exterior com um Destacamento Aéreo F-16, a protecção da força é um dos aspectos que está assegurado. Aliás para isto ser uma realidade só falta a decisão politica, uma vez que a preparação do pessoal e aviões tem sido constante com exercícios no país e no estrangeiro e aquisição de equipamentos adequados, do qual os “targeting pods” – já testados – foram os últimos.
RESCOM versus UPF
A Força Aérea dispunha desde 1990 de equipas de resgate de combate, (RESCOM) dotadas de elevados padrões de treino. Estas equipas não só se treinavam a si próprias como contribuíam para a qualificação dos pilotos dos SA-330 “Puma” e de todo o pessoal de voo da Força Aérea no treino de fuga e evasão e sobrevivência. Com a retirada de serviço dos “Puma” em 2005 e a chegada do EH-101 “Merlin”colocou-se a questão de avaliar se era possível manter equipas de resgate de combate – sem utilização real previsível, embora pudessem ser cedidas à NATO – e ao mesmo tempo criar novas equipas de protecção de aeronaves, estas sim para utilização com os meios nacionais. Acrescia que alguns quadros da RESCOM já a tinham deixado por terem sido qualificados em Controladores Aéreos Avançados. Foi assim decidido extinguir as equipas RESCOM e dar por finda esta capacidade na Força Aérea e criar a Unidade de Protecção da Força, para empenhamento na área da protecção da força nas unidades aéreas expedicionária. Em 2006 Estava-se “em cima” do envio de um destacamento C-130 para a República Democrática do Congo, no âmbito da missão da União Europeia e a UPF não estava ainda operacional…Esta missão no entanto já serviu para alguma avaliação de necessidades.
Unidade de Protecção da Força
Mas afinal o que é a UPF? Muitas vezes tem passado para a opinião pública a ideia – aliás veiculada pela Força Aérea… – que se trata de um pequeno grupo de militares que protegem um C-130 nas missões exteriores. Mas a realidade é que a UPF pode ser muito mais do que isso. E sendo verdade que a Força Aérea demorou a interiorizar a necessidade desta força, também é que agora a tem dotado de modernos equipamentos e armamentos – e mesmo viaturas – adaptados às missões que cumprem.
Trata-se de uma força com elevado grau de prontidão, especializada em “Operações Tácticas de Protecção” (OTP) na linguagem oficial. Os seja, está vocacionada em primeiro lugar para a protecção de aeronaves, pessoal e materiais, empenhados em missões expedicionárias, e em território português actua na defesa imediata de áreas de jurisdição da Força Aérea, em reforço da segurança normal desses locais.
A UPF dispõe na sua estrutura orgânica de 31 militares e está organizada em: Módulo de Comando e 3 Secções Tácticas (SecTact). Estas secções têm uma composição orgânica de 1 comandante (1º ou 2º sargento) e 8 praças. Na prática como veremos estas secções têm operado com efectivos ligeiramente mais reduzidos.
O comando da UPF está localizado no Campo de Tiro de Alcochete (CTA), e ali se encontram também as SecTact não empenhadas em operações. Está previsto que apenas uma SecTact ali permaneça, e as outras duas se instalem nas Bases Aéreas N.º 5 (Monte Real, onde se encontram as esquadras de F-16) e N.º 6 (Montijo onde se encontram as esquadras de C-130, EH-101 e C-295M).
A UPF está na dependência directa do comandante operacional da Força Aérea para aspectos de natureza operacional e do Gabinete Coordenador de Segurança Militar da Força Aérea para todos os outros aspectos (doutrina, instrução, ensaios de novos materiais e técnicas). Cabe aqui referir uma outra nova e importante estrutura criada na FAP: Núcleo de Aprontamento e Protecção da Força (NAPF). Vários militares da UPF (núcleo de comando e uma SecTAc) trabalham em proveito deste NAPF que tem por responsabilidade assegurar o treino e preparação dos militares da Força Aérea para as missões exteriores (como os TACP e as NATO Response Forces), nas áreas do tiro, armamento, técnica e táctica de combate. O NAPF apoia ainda: o Centro de Treino e Sobrevivência da Força Aérea (que ministra cursos SERES – Sobrevivência, Evasão, Resistência, Extracção) ao pessoal navegante de acordo com as directivas NATO; a Academia da Força Aérea onde são formados, entre outros, os pilotos aviadores do quadro permanente; o Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea; Esquadras de voo.
Instrução
Os elementos da UPF, todos oriundos da Policia Aérea devem cumprir os seguintes cursos antes de a integrarem:
– Operações Tácticas de Protecção;
– Sobrevivência, Evasão, Resistência e Extracção;
– Reconhecimento de Engenhos Explosivos;
– “Emergency Close Air Suport”.
No decurso do tempo na UPF podem fazer:
– Curso de atirador de precisão;
– Curso elementar de morteiros;
– Armas ligeiras anti-carro;
– Sobrevivência na água;
– Socorrismo avançado;
– Artilharia anti-aérea.
A FAP considera “Operações Tácticas de Protecção”:
– Protecção de aeronaves e suas tripulações quer sendo as equipas transportadas no seu interior quer nos locais onde operam, desde que sejam considerados inseguros, e que são exemplo as missões no Afeganistão em 2008 e 2009;
– Protecção dos destacamentos de controlo aéreo táctico, missão ainda não cumprida pela UPF mas que tudo indica vai fazer no Afeganistão já em 2010 quando novo TACP para ali for enviado;
– Protecção de áreas sensíveis, como postos de comando em operações ou outros locais em Portugal em caso de ameaça;
– Protecção a altas entidades, tendo esta missão já sido feita por exemplo durante as visitas de Vladimir Putin (2007) e de Hugo Chavez (2008) a Portugal e na protecção com uma equipa de contra-sniper embarcada em AL III no decurso da Cimeira da União Europeia em Lisboa (2007);
– Apoio a forças de operações especiais de modo a libertar estas forças de missões de segurança aos meios aéreos e respectivas áreas de aterragem no decurso da sua infiltração/exfiltração;
– Apoio Missões Humanitárias, fazendo a segurança aos meios aéreos empenhados.
Se juntarmos a isto as capacidades adquiridas nos restantes cursos, vemos bem o conjunto de missões que a UPF pode cumprir e a autonomia que confere à Força Aérea.
Empenhamento operacional
Pode-se considerar que a primeira missão das UPF teve lugar no Chade/República Centro Africana, em Março de 2008 onde o grupo de comando efectuou uma missão exploratória. O grau de ameaça para o Destacamento Aéreo C-130 que ali permaneceu na primeira fase da missão EUFOR – TCHAD/RCA não foi considerado elevado e as Equipas Tácticas ficaram em Portugal em alerta. Caso a situação de degradasse, então seriam enviadas. As questões orçamentais por vezes obrigam a estas decisões pouco lógicas do ponto de vista operacional.
Ainda assim além de um oficial superior da UPF, responsável pela protecção da força – trabalhando sobretudo na área das informações – um oficial e um sargento participaram em várias missões com o Hércules português em diversas pistas do Chade e da República Centro Africana.
No Afeganistão em 2008 e em 2009, já participaram as Equipas Tácticas tendo a Força Aérea feito passar pelo teatro de operações a quase totalidade dos elementos da UPF. Aqui a unidade teve um empenhamento operacional intenso justificando, em locais bem perigosos, a sua criação e dando grande flexibilidade e autonomia ao Destacamento Aéreo português na ISAF. Locais como Camp Bastion, Chakcharan, Farah, Qala-I-Naw, Jalalabad, Faisabad, Herat, Mazar-I-Sharif, Bagram, Kandahar e Kaia, estão hoje na linguagem do dia-a-dia não só dos pilotos e tripulantes da esquadra 501 da Força Aérea Portuguesa ma também na dos militares da UPF. Para se ver o ritmo das operações note-se que em 2008, durante 3 meses e meio, o Destacamento Aéreo fez 60 missões, mais de 200 horas de voo, transportou 3.127 passageiros e 300 toneladas de carga e…foram lançados mais de 3.000 flares e chaffs!
A equipa táctica acompanhou todas as missões C-130, sendo responsável, em permanente articulação com a tripulação, pela segurança imediata da aeronave.
E como actua a UPF? Mal o C-130 aterra e se imobiliza são os primeiros a sair, montando segurança imediata 360º, atentos a todas as movimentações civis e militares. Feita descarga da aeronave um dos elementos da equipa apoia o load-master na verificação das regras de segurança para o embarque de passageiros, sobretudo quando há pessoal armado. Dado o sinal de tudo carregado e pronto para a descolagem, a secção embarca rapidamente. Durante o voo há ainda um elemento responsável pela segurança do cokpit, para o qual os portugueses adoptaram a terminologia americana, é o “air marshall”. Mas uma missão de protecção começa muito antes e mesmo sem se entrar em detalhes pode-se sintetizar nisto: briefing sobre o local de aterragem, as ameaças conhecidas na região, antecedentes em outras missões no local e outros elementos relevantes sobre a carga e passageiros. E nem sempre as missões correm como se espera. Em caso de avaria da aeronave ou outros imponderáveis pode-se ter que prolongar a missão por mais de um dia. O que aconteceu em 2008 ao avião português (e à UPF naturalmente), em Kandahar, e…logo nessa noite a base sofreu um ataque com morteiros, felizmente sem consequências para a aeronave.
A FAP acaba de adquirir para a UPF um novo lança granadas destinado a substituir o LAW e 2 viaturas ligeiras de intervenção que podem ser transportadas quer no C-130 quer nos novos C-295M que a Força Aérea Portuguesa já começou a receber. Em termos de comunicações a UPF dispõe de dois tipos de rádios, os PRR para ligação entre os elementos das Equipas Tácticas e o PRC 148 para o chefe de equipa comunicar com a aeronave. No Afeganistão a UPF utilizou o seu armamento ligeiro orgânico, ou seja: pistola HK USP 9mm; pistola-metralhadora HK MP5 9mm; espingardas automáticas HK G-36V e G36C 5,56mm; Lança-granadas HK AG36; Espingarda de precisão HK MSG 90 7,62mm; Metralhadora HK MG4 5,56mm; Morteirete (morteiro de 60mm de fabricação portuguesa); LAW e vários tipos de granadas de mão. A UPF dispõe de outro armamento que não foi empregue nestas missões mas tem servido para instrução e pode vir a ser empregue em caso de necessidade. Metralhadoras Browning .50, FN Minimi 5,56mm, MG3 7,62mm; Espingardas automáticas G-3, 7,62mm, Styer 5,56mm M-16 5,56mm e AK-47;
A Força Aérea Portuguesa no Afeganistão
Os “Bisontes” tomaram contacto com o “país da insolência” em 2002 tendo como base Karachi no Paquistão e fazendo missões para KAIA. Em 2004, agora com base em Kabul a Esquadra 501 manteve um C-130 até meados de 2005 voando para todas as pistas do país. Em 2008 nova missão, agora por 4 meses, sempre com base em KAIA e fazendo transporte aéreo de carga e passageiros no interior do Afeganistão, o mesmo que agora em 2009, por mais 4 meses integrados na Elections Support Force. Também outros componentes da Força Aérea Portuguesa conhecem bem o terreno. Logo em 2002 uma equipa sanitária portuguesa, incluindo pessoal médico da Força Aérea que a chefiava cumpriu uma missão na ISAF. Mais tarde, em 2005, KAIA esteve sob comando da Força Aérea portuguesa e muito pessoal de apoio, de bombeiros a controladores aéreos, ali prestou serviço. Equipas de controladores aéreos avançados serviram nos quatro cantos do Afeganistão por 3 anos (2005 a 2008) juntamente com uma companhia de atiradores do Exército na missão de Quick Reaction Force do comando da ISAF.
Em 2010 novo período de serviço no Afeganistão espera os FAC da Força Aérea, com as botas no chão!
(1) Terminologia NATO, adoptada pelos portugueses, para designar informalmente uma Equipa Táctica da Unidade de Protecção da Força.
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