A GUERRA NA ANTIGA JUGOSLÁVIA VIVIDA NA PRIMEIRA PESSOA
Por Miguel Machado • 12 Jun , 2018 • Categoria: 08. JÁ LEMOS E... Print“A GUERRA NA ANTIGA JUGOSLÁVIA VIVIDA NA PRIMEIRA PESSOA, Testemunhos de Militares Portugueses ao Serviço das Nações Unidas” é um trabalho muito interessante e de leitura fácil sobre a participação de Portugal nos conflitos que acompanharam a desintegração da Jugoslávia nos anos 90 do século XX.
Como o título indica estamos perante relatos de alguns dos militares portugueses que serviram naquela região e agora decidiram passar a escrito as suas experiências. Foram 40, uma dezena em cada ano, os oficiais que entre 1992 e 1996 estiveram na “guerra da Jugoslávia”. A maioria cumpriu um ano de missão, alguns apenas 6 meses e outros mais de um ano.
Como se pode ver pelo índice que publicamos abaixo, o livro tem Prefácio do Embaixador José Cutileiro, profundo conhecedor desta região da Europa na época em apreço e ele próprio um protagonista de muito do que a comunidade internacional ali fez; o Posfácio é de Carlos Santos Pereira, jornalista, conhecedor com os “pés no terreno” como poucos na sua profissão, daquilo que ali se viveu nestes tempos.
A obra tem três coordenadores, Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva, também autores de algumas das 18 Estórias pessoais que compõem a parte substancial do livro.
O Enquadramento inicial descreve-nos como se chegou à guerra da ex-Jugoslávia com bastante detalhe e de modo que nos parece imparcial – afinal de contas uma das obrigações dos Observadores Militares – generalidades sobre o trabalho que os Observadores Militares das Nações Unidas realizavam no terreno, e também uma oportuna descrição daquilo que era o trabalho de uma importantíssima componente da missão: os intérpretes, nessa altura como agora nos conflitos da actualidade… quase e sempre esquecidos.
Bem-entendido, o livro não é a história da participação portuguesa na Força de Protecção das Nações Unidas (United Nations Protection Force, UNPROFOR), embora seja sem dúvida um excelente contributo para esse esquecido “capítulo” da nossa História Militar. Estamos perante 18 textos escritos por 16 oficiais do Exército e da Força Aérea (incluindo Pára-quedistas), que nos colocam no cenário das operações, com situações das mais dramáticas às mais cómicas, das mais naturais destes mundo às mais irritantes, muitas marcantes para a vida. Experiências que vale a pena ler!
A generalidade dos textos é de leitura fácil, direi mesmo agradável – para quem gosta da temática militar – porque não se enredam em descrições doutrinárias ou teóricas sobre a guerra, táctica ou operações, os autores falam sim do que viram e daquilo em que foram protagonistas. E mesmo com tantos autores, não é repetitivo, são mesmo situações muito diferenciadas as que se apresentam.
Segundo os coordenadores o livro destina-se também a fazer alguma justiça sobre aquilo que sentem ter sido a falta de visibilidade mediática desta missão militar portuguesa naqueles tempos – apesar de vários autores referirem contactos com jornalistas portugueses – e, talvez pior, percebe-se bem, o desinteresse oficial pelo seu trabalho, a falta de reconhecimento das Forças Armadas Portuguesas pelo seu esforço e experiência.
Não há dúvida que assim foi.
Na realidade a comunicação social portuguesa – salvo casos pontuais – não prestou atenção ao assunto. Talvez se possa perceber embora se lamente que assim tenha sido. Afinal de contas eram 10 militares portugueses, espalhados por vários territórios em guerra, muitas vezes em condições precárias, sem condições para apoiarem ou garantirem a segurança dos próprios jornalistas. Como nos mostra o Carlos Santos Pereira no Posfácio, aquilo não era trabalho fácil para a imprensa. Recorda-se, Portugal não tinha contingentes militares na UNPROFOR, apenas estes Observadores que quase e sempre actuavam em equipas multinacionais onde eram os únicos portugueses e muitas vezes condicionados na sua liberdade de movimentos.
Mais difícil de entender (mas claro que não é impossível!) é o desinteresse oficial pelo seu trabalho. Desde logo o não reconhecimento com louvores e medalhas da sua actuação no teatro de operações. Sim, nas Forças Armadas o reconhecimento é isto mesmo!
Punir, repreender, quem é incompetente, quem erra; louvar, condecorar que se distingue, quem cumpre de modo exemplar. Não sei se todos mas certamente alguns deveriam ter visto o seu trabalho e mesmo sacrifício ser reconhecido. Na prática as referências elogiosas recebidas na UNPROFOR por estes militares no decurso das suas missões não tiveram qualquer influência na sua carreira, destinaram-se apenas a …satisfação pessoal (*).
De igual modo não houve a preocupação de recolher sistematicamente a sua experiência operacional no sentido de apoiar o treino e formação das unidades potencialmente expedicionárias ou mesmo para efeitos de melhoria dos currículos académicos nas Escolas Militares.
O livro tem um caderno com meia centena de fotografias, todas legendadas, e é bilingue (português e inglês). Insere ainda a listagem de todos os observadores portugueses que serviram na ONU entre 1992 e 1996, com as datas de início e fim de missão.
Mais um interessante e importante contributo para a história militar portuguesa do século XX acaba assim de ser publicado e só podemos recomendar a sua leitura!
O livro das Edições Colibri tem formato 16X22,5cm, 470 páginas (metade em língua portuguesa e a outra em língua inglesa), ISBN 978-989-689-771-0, e o preço no editor é de 22,00€.
(*) Note-se que isto assim continuou nas missões que se seguiram um pouco por todo o mundo em relação aos louvores/recomendações recebidos por militares portugueses ao serviço da NATO, ONU, UE, embora – como hoje em dia aliás – com a grande diferença de, agora, terminadas as missões, vários militares são sempre louvados/condecorados em Portugal pelo seu desempenho nos teatros de operações.
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