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A GUERRA DO ULTRAMAR NA “NOTÍCIA” DE ANGOLA (I)

Por • 11 Mai , 2016 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX, 11. IMPRENSA Print Print

Iniciamos hoje mais uma série de artigos dedicados a um tema específico: reportagens sobre a Guerra do Ultramar publicadas na revista “Notícia”. Quem andou pela África Portuguesa nos anos 60 e 70 do século XX certamente conhece a revista e mesmo as reportagens, mas muitos dos nossos leitores mais novos talvez não. Mão amiga fez-nos chegar um lote significativo de exemplares da “Notícia”, e decidimos por mãos à obra e disponibilizar na íntegra uma série de reportagens. Homenagem aos Soldados que ali combateram, mas também a quem registou esse esforço para a posteridade.

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Os tempos eram outros e neste artigo damos pistas para quem deseje aprofundar o tema e as circunstâncias em que estas reportagens era feitas mas, note-se, para começar, como o jornalista encerra este artigo que hoje divulgamos: “…E a luta continua. Terrível na sua insensatez. Dura e corrosiva. Fazendo, de tempos a tempos, em acções como esta que vivi, vítimas entre os nossos rapazes. Curvemo-nos, respeitosamente, em memória dos que caíram. Façamos o impossível para que o seu sacrifício não tenha sido em vão“. Hoje, uma reportagem de guerra, num qualquer país democrático, teria um articulado diferente, mas em regra o respeito pelo esforço e sacrifício dos militares, qualquer que seja a sua nacionalidade, continua a estar presente para aqueles que conhecem a realidade em que estes operam, que a vivem e sobre ela escrevem. 

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Começamos esta série por uma reportagem que nos pareceu significativa, exactamente sobre um dos repórteres da revista – Fernando Farinha – e seguramente um dos jornalistas portugueses que melhor conheceu a realidade da guerra no antigo Ultramar Português, nomeadamente em Angola. Muito há a dizer sobre a revista “Notícia”, as referidas reportagens e os jornalistas que as fizeram. Não é o objectivo desta série de artigos desenvolver o tema, pretendemos apenas divulgar o que foi publicado, não analisar ou estudar a sua circunstância, o que aliás já foi feito e com muito detalhe. Para quem se interesse deixamos aqui link para uma interessante “Dissertação de Mestrado em Jornalismo” de Sílvia Manuela Marques Torres, publicada em Março de 2012 pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, intitulada «Guerra Colonial na revista Notícia, a cobertura jornalística do conflito ultramarino português em Angola» (1). Da fundação da “Notícia” em 1959 à extinção em 1975, neste documento pode encontrar um pouco de tudo, dos problemas com a censura à notável expansão da revista, passando pelas questões internas às biografias e entrevistas com os principais interveniente ainda vivos. Um deles, Fernando Farinha, que a revista escolheu para capa em 18NOV1967, por ter estado “debaixo de fogo” numa operação, escolhemos também nós para dar início a esta série. Não foi ao acaso e explicamos o porquê? 

Havia censura mas…

É, julgamos, uma reflexão que merece ser feita por quem de direito, quer na instituição militar quer nos órgãos de comunicação social, mas sobretudo em quem dirige a política de defesa em Portugal, quem tem meios e autoridade para realmente alterar o estado em que nos encontramos já há muitos anos.

Visto de hoje, de 2016, é notável que mesmo em tempos de regime autoritário e com censura – especialmente rigorosa acerca das acções de guerra em que as nossas tropas estavam empenhadas – foram feitas reportagens que hoje, nos teatros de operações exteriores onde centenas ou milhares de militares portugueses dos três ramos das forças armadas actuam ano após ano, pura e simplesmente não existem com regularidade. A actividade das nossas forças em operações exteriores, tem uma cobertura jornalística praticamente inexistente. Se excluirmos o período inicial da operação na Bósnia em 1996, depois, já muito menor, em Timor-Leste no ano 2000, e pontualmente um caso ou outro – Kosovo e Portugal com o caso do “urânio empobrecido” – a realidade é que as notícias se resumem a uma ou outra visita ministerial ou presidencial, por um par de jornalistas que vão “à boleia” no Falcon, e, mais um ou outro caso pontual, que pode ser uma reportagem a bordo de uma fragata no Índico ou um voo de C-130 no Afeganistão. Convenhamos que em 20 anos de operações, algumas de elevado risco e com grande empenhamento dos nossos militares como no Afeganistão e Iraque ou mesmo em vários países de África, é muito pouco. Se formos comparar a quantidade de reportagens anuais que a “Notícia” publicava sobre a guerra em Angola ou as que hoje são publicadas na totalidade dos OCS sobre as operações em curso…a diferença é esmagadora. Hoje sabemos e vemos muito menos do que fazem os nossos militares em operações do que no tempo do regime político que terminou em 25 de Abril de 1974 e, se quisermos recuar, até mesmo durante as operações em França na 1.ª Guerra Mundial, que foram fotografadas e descritas, com  mais detalhe que as operações de paz!

E há soluções, como de costume, está tudo inventado! A generalidade dos países nossos aliados europeus e americanos, apoiam de modo sistemático, embora com regras, a actividade da imprensa nos teatros de operações, concedem facilidades, fazem com que os seus cidadãos saibam o que os seus militares andam a fazer.

Fernando Farinha

Outros jornalistas assinaram reportagens de guerra e a eles nos iremos referir quando as publicarmos, hoje começamos por Fernando Farinha.

 Escreve Sílvia Torres na sua dissertação, que com a devida vénia transcrevemos:

«…Fernando Farinha foi aquele que mais de perto, mais vezes e durante mais tempo, acompanhou forças portuguesas em acções de combate nas três frentes, embora seja em Angola que centrou a sua actividade principal”. Com a cobertura jornalística da Guerra Colonial, Farinha ficou conhecido como o perito em assuntos militares da redacção do Notícia e o “jornalista soldado”. “(…) a sua coragem física, o seu desembaraço e a cumplicidade que estabeleceu com os que faziam a guerra” deram notoriedade a Fernando Farinha, não só em meio militar, como também entre os leitores. “As minhas reportagens agradavam a toda a gente. Até os partidos liam a “Notícia”, conta hoje o protagonista (…) O jornalista – “armado apenas com a minha ‘Pentax’” – é o protagonista desta história, (a reportagem que hoje publicamos na íntegra no Operacional) enquanto “testemunha da luta ingrata, corrosiva, traiçoeira, que sustentamos em Angola. Sinto medo mas não posso deixar de pensar que, se me safar desta, tenho uma boa reportagem para o NOTÍCIA”.

(…)

Nasceu em Lisboa em 1941. Ainda criança parte para Angola, acompanhando o pai que era Oficial do Exército. Quando a Guerra Colonial começou, Fernando Farinha, com 19 anos, estava de férias em Luanda. Na cidade, frequentava a redacção do jornal O Comércio: “era muito amigo do director, Ferreira da Costa, e também gostava das pessoas que lá trabalhavam”. Foi neste diário que Fernando Farinha deu os primeiros passos enquanto jornalista: “um dia [em Março de 1961] o director pediu-me ajuda. Havia muita gente ferida que estava a chegar ao aeroporto de Luanda e ele pediu-me para ir lá e depois contar o que tinha visto”. Fernando Farinha assim fez mas, ao terceiro dia, por considerar que no aeroporto nada de novo se passava, parte de machibombo para Caxito, na Província do Bengo, onde estava estacionado o 1.º Esquadrão de Cavalaria, também designado por “Dragões de Silva Porto”. “Quando lá cheguei identifiquei-me como jornalista e pedi para os acompanhar numa patrulha. Eles começaram-se a rir e disseram-me que não se responsabilizavam por mim”. Fernando Farinha, munido de uma máquina fotográfica, seguiu caminho numa viatura militar blindada, com a devida autorização do Alferes Marinho Falcão. Só mais tarde, por telefone, informou Ferreira da Costa do sucedido.

Fernando Farinha só voltou a Luanda cerca de três meses depois mas, durante este período, o seu nome, enquanto enviado especial, era atribuído a algumas reportagens publicadas no jornal O Comércio. O testemunho do jovem chegava à redacção de várias formas: através de feridos que eram evacuados para o Hospital Militar (“enviava bilhetes escritos à mão e rolos de fotografias”), através de pilotos da Força Aérea que faziam escolta na área e com quem estabelecia contacto via rádio (“pedia-lhes para transmitirem informações à redacção quando chegassem a Luanda”), através de fitas gravadas, entre outras. “Havia sempre maneira de dar notícias”.

Charulla de Azevedo (Fundador da Notícia) conhecia bem Fernando Farinha, o “perito em assuntos militares”, e não descansou até o ver na sua equipa. “O Charulla queria que eu fizesse pelo menos uma vez por mês uma reportagem de guerra”, conta Fernando Farinha, entrevistado em Lisboa, a 10 de Janeiro de 2012. O objectivo de Charulla foi posto em prática e Fernando Farinha não só noticiou a guerra em Angola, como também em Moçambique e na Guiné. Por três vezes, continua, “ia perdendo a vida”:

– foi mordido por uma cobra venenosa durante uma operação militar em Angola. Um helicóptero levou-o para um hospital de campanha;

– num salto de pára-quedas, em queda livre, detectou uma avaria do sistema mecânico de abertura do pára-quedas principal. Recorreu ao reserva fora dos limites de segurança;

– em Julho de 1970, “o helicóptero em que seguia foi envolvido por um tornado e aterrou em sérias dificuldades nos pântanos da Guiné”. Deputados que viajavam noutro helicóptero morreram. O aparelho despenhou-se no rio Mansoa.

Além de ter cumprido serviço militar, Fernando Farinha tirou vários cursos para poder acompanhar, enquanto jornalista, as forças militares destacadas em Angola. “Fiz o curso civil de pára-quedistas, tirei o curso de hipismo militar para acompanhar a Cavalaria e fiz também o curso de Comandos”, recorda o jornalista já muito conhecido em meio militar: “eu era considerado um militar. Eles confiavam em mim”. (…) Sempre que acompanhava operações militares, Fernando Farinha usava uniforme de campanha. As suas armas eram a máquina fotográfica e a caneta.

Depois do 25 de Abril de 1974, ainda ao serviço da Notícia, foi “o primeiro jornalista português a percorrer as matas do Leste de Angola controladas pela UNITA”. Deixou Angola em 1975, juntamente com a família. Em Lisboa, entre 1975 e 2002, foi jornalista do Diário de Notícias. Conquistou dois prémios do Clube Português de Imprensa e outros quatro atribuídos pelo Diário de Notícias…»

(1) Em 2014 este trabalho deu origem a um livro da Minerva Editora: Guerra Colonial na Revista Notícia.

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