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A DUPLA DEPENDÊNCIA DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA

Por • 2 Fev , 2011 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

No passado dia 14 de Janeiro, perante o Primeiro-Ministro e na presença dos Ministros da Defesa Nacional e da Administração Interna, tomou posse o novo comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, Tenente-General Newton Parreira.

O Coronel de Infantaria da GNR, Carlos Manuel Gervásio Branco, colaborador do “Operacional”, volta a um assunto que lhe é caro, e aborda esta questão da dupla dependência da GNR.

A dupla dependência da GNR teima em não estar devidamente esclarecida e regulada.

Embora antiga a dupla dependência da GNR teima em não estar devidamente esclarecida e regulada.

A participação neste acto solene, do Primeiro-Ministro e dos dois ministros citados, constitui uma singularidade em actos de tomada de posse de altos cargos da administração pública ou outros a nível nacional que decorre expressamente da lei e do facto da GNR, ser no conjunto de todas as forças e serviços no âmbito da Segurança e Defesa, a única tutelada pelos responsáveis da defesa e da administração interna.
Não se pense contudo que a dupla dependência constitui uma particularidade nacional ou uma “modernice”, porque o mesmo se verifica, em maior ou menor grau, com todas as congéneres estrangeiras da GNR e em termos temporais, desde a sua mais remota antecessora nacional, a Guarda Real da Polícia.

Esta, criada em 1801 por decreto que rezava assim: “A GRP, fará parte do Corpo do Exército e considerar-se-á como tropa de linha. O seu comandante ficará subordinado ao General das Armas da Província e ao Intendente-Geral da Polícia.”
Posteriormente e mercê da extinção da GRP, também na Guarda Municipal foi mantida a dupla dependência, como se pode ler no decreto de 24 de Dezembro de 1868: “As Guardas Municipais de Lisboa e do Porto, fazem parte do Exército em tudo o que respeite à disciplina e promoções, continuando subordinadas ao Ministro do Reino para o serviço de manutenção da segurança pública.”
De igual forma a Guarda Nacional Republicana, em 1911, manter-se-ia como “parte integrante das forças militares da República, com deveres e direitos idênticos aos que competem aos oficiais e praças de pré do Exército no activo, dependendo do Ministro do Interior, para assuntos de administração e policiais e do Ministro da Guerra, para efeitos do código do processo criminal militar. Em tempo de guerra, ficará à disposição do Ministro da Guerra, para efeitos de mobilização.”
Finalmente, nos dias de hoje, a lei em vigor define a GNR como “uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas …”, cuja missão se reparte pelos “…sistemas de segurança e protecção, segurança interna e defesa nacional…” e refere que “…o comandante-geral é um tenente-general nomeado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, do ministro da tutela e do membro do governo responsável pela área da defesa nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior.”

São pois, a natureza militar e as missões atribuídas que explicam a sua dupla dependência do MDN e do MAI.

Contudo, a formulação da dupla dependência inscrita no artº 2º da actual lei orgânica, apresenta-se pouco clara, diremos mesmo confusa e envergonhada quanto à tutela da defesa nacional, não obstante em substância, esta característica se ter mantido inalterada ao longo dos tempos.
Assim, nos termos do artº 2º, nº2 “as forças da Guarda são colocadas na dependência operacional do CEMGFA, através do seu comandante-geral, nos casos e termos previstos nas Leis de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do regime do estado de sítio e do estado de emergência, dependendo, nesta medida, do membro do Governo responsável pela área da defesa nacional no que respeita à uniformização, normalização da doutrina militar, do armamento e do equipamento.”
Em síntese, a GNR depende do MDN para efeitos da doutrina militar, do armamento e do equipamento e do CEMGFA, quando as suas forças forem colocadas sob a sua dependência operacional, nos termos das leis mencionadas.

Como facilmente se percebe e à letra da lei, estas dependências são meramente formais.

No caso do CEMGFA, não se vislumbra que Portugal se veja envolvido numa situação de guerra, sendo muito improvável que venha a ser declarado o estado de sítio, o que na prática torna o dispositivo legal referido, pouco mais do que retórico. Contudo, na realidade as forças da Guarda têm sido projectadas para o estrangeiro em missões de apoio à paz, em teatros de elevado risco, mas que sob o ponto de vista jurídico não são de “guerra”, o que invalida à partida, a aplicação do citado normativo. No entanto, como a realidade acaba por se impor, quando forças da GNR integraram na Bósnia, a operação Althea, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, foi atribuída a sua dependência operacional ao CEMGFA, situação similar deverá ocorrer em breve com os militares da Guarda, a destacar para o Afeganistão.

Este exemplo parece suficientemente elucidativo da necessidade de se actualizar o dispositivo legal relativo à relação CEMGFA/GNR quanto a forças destacadas.

Mas não é só no que concerne às missões no estrangeiro que a lei fica aquém da realidade, porque também a nível interno existem desfasamentos que urge colmatar, veja-se o caso de dois órgãos dependentes do CEMGFA, o Instituto de Estudos Superiores Militares que ministra cursos aos oficiais da Guarda, à semelhança do que sucede com os das Forças Armadas e onde inclusive estão colocados oficiais da GNR ou o Hospital das Forças Armadas que como se sabe, serve igualmente os militares da GNR. Também nestes âmbitos, a lei é omissa quanto ao relacionamento CEMGFA/GNR.

Se no que tange ao CEMGFA, a letra da lei é como vimos, manifestamente desfasada da realidade, por maioria de razão a dependência da GNR relativamente ao MDN, é completamente insuficiente e desajustada.

Socorramo-nos de alguns exemplos para tornar mais claras as insuficiências referidas.
Em 17 de Setembro de 2004, foi criada a força europeia de gendarmerie “EUROGENDEFOR”, através de um protocolo assinado pelos ministros da defesa dos países que iriam integrar aquela força. Por Portugal, a assinatura coube ao MDN. Refira-se a propósito que a “EUROGENDEFOR” foi criada no âmbito da PESD e não do JAI, o que ajuda a explicar a intervenção dos ministros da defesa.
Um segundo exemplo diz respeito ao facto de desde sempre, os militares da GNR frequentarem os estabelecimentos de ensino militar tutelados pelo MDN, e que na Academia Militar, constituem mais de um terço dos alunos, para além dos oficias, sargentos e guardas colocados naquela escola a prestar serviço.
Um outro exemplo prende-se com o alargado leque de missões atribuídas à GNR, onde figuram missões no âmbito da defesa nacional, designadamente missões militares em cooperação com as Forças Armadas.
Um quarto exemplo, respeita a que aquando da decisão da projecção de forças da Guarda para a missão Althea, foi necessária a celebração de um protocolo entre os MDN e MAI, em ordem a legitimar o comando operacional do CEMGFA sobre aquelas forças, situação dispensável, se a previsão legal tivesse tido em conta a realidade dos nossos dias e para efeitos de dependência operacional, as missões de paz, fossem equiparadas às de conflito, aliás como faz o Código de Justiça Militar relativamente aos crimes essencialmente militares praticados nessas missões.
Sendo certo que na projecção de forças da Guarda para Timor, Iraque, Bósnia ou mais recentemente o Afeganistão, foi necessária a intervenção do Conselho Superior de Defesa Nacional, onde por sinal não tem assento o comandante-geral da GNR, também por esta circunstância se afiguraria que a tutela do MDN, deveria ser mais densificada e não se limitar aos três âmbitos referidos (doutrina, armamento e equipamento), o mesmo se diga quanto à intervenção da Comissão Parlamentar de Defesa da AR, que apenas incidentalmente toma conhecimento de assuntos relativos à GNR, não obstante esta ter a seu cargo missões no âmbito da defesa nacional ou aos seus militares se aplicar a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar.
São em consequência, mais vastos os âmbitos em que a tutela do MDN sobre a GNR se deveria consubstanciar em termos legais, de maneira a conformar a realidade com a lei.
Assim, para além da dependência do MAI, a GNR deveria depender do MDN no que respeita a todas as missões no âmbito da defesa nacional, na uniformização da doutrina e formação militares, no armamento e equipamento e no regime estatutário dos seus militares.

A título meramente comparativo veja-se o que dispõe a legislação espanhola relativamente à dupla dependência da Guardia Civil.
“O Ministro do Interior tutela sobre todos os serviços relativos com a segurança dos cidadãos, retribuições, colocações, aquartelamentos e material”;
“Conjuntamente os Ministros da Defesa e do Interior tutelam relativamente à selecção, formação, aperfeiçoamento, armamento e dispositivo”;
“O Ministro da Defesa tutela relativamente ao regime de promoções e estatuto pessoal, bem como quanto às missões militares atribuídas à GC”.

Para concluir, detenhamo-nos num aspecto menos doutrinário e mais prático, cujo reflexo se faz sentir no quotidiano e que afecta directamente os militares da GNR e as suas famílias, porque respeita ao seu Estatuto.
O facto da tutela do MDN sobre a GNR, ser praticamente formal, levou a que a dupla dependência, não fosse exercida e coubessem exclusivamente ao MAI, todas as atribuições relativas à GNR, mesmo aquelas que decorrendo de um estatuto específico, só aplicável aos militares, deveriam caber ao ministro que tutela TODOS os militares, sob pena de tratamentos discriminatórios sobre cerca de 25 mil, de um universo de 65 mil militares no activo.
Um ministério que tutela pessoal de diferentes organismos (PSP, SEF, Governos Civis, EMA, ANSR, ANPC, IGAI, para além dos funcionários das respectivas direcções gerais e dos serviços próprios), mas que têm em comum o facto da sua natureza estatutária ser civil e da Lei 12/A (Regimes de carreiras dos trabalhadores que exercem funções públicas) se lhes aplicar sem excepções, dificilmente conseguirá tratar de forma justa e adequada, um conjunto de outros servidores aos quais se não aplica a Lei 12/A, ao que acresce a circunstância de possuírem um estatuto (da condição militar) com normas totalmente diferentes das aplicáveis aos restantes “funcionários” por si tutelados, com a agravante destas, serem comuns à de outros servidores do Estado que estão sob a tutela de outro ministério (MDN).
Com recurso a situações recentes, facilmente se constatarão as dificuldades referidas:
As alterações ao sistema de assistência na doença dos militares, ocorridas em 2005, trataram de forma diferente e discriminatória, os militares da Guarda relativamente a todos os restantes militares (tutelados pelo MDN).
A actualização de 14,5% para 20%, do suplemento da condição militar, ocorrida em 2009 e 2010 para TODOS os militares (tutelados pelo MDN) que só em 2012, se aplicará na plenitude, aos da GNR e do Exército em serviço na Guarda.
E por último, a integração no novo regime remuneratório efectuada em 2010 para TODOS os militares (tutelados pelo MDN), mas não para os da GNR e do Exército que estejam a prestar serviço na Guarda ou seja, cuja tutela seja do MAI.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2011
Carlos Manuel Gervásio Branco, coronel

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