“PITVANT”: PRIMEIRO PASSO PARA UM UAV PORTUGUÊS?
Por Miguel Machado • 2 Abr , 2011 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintFomos ver o que o Centro de Investigação Academia da Força Aérea e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto estão a fazer no PITVANT, o Projecto de Investigação e Tecnologia em Veículos Aéreos Não Tripulados. Será o primeiro passo para a entrada ao serviço de um UAV (Unmanned Aerial Vehicle) português?
Foi o que perguntamos à Major Engenheira Aeronáutica da Força Aérea Portuguesa Maria da Luz Madruga Matos do Laboratório de Aeronáutica do Centro de Investigação Academia da Força Aérea, que nos recebeu junto às pistas da Ota, na “linha da frente” do projecto. A resposta foi clara, “estamos a desenvolver tecnologia e no final do projecto pretendemos ter um produto demonstrador que possa ser industrializado“.
Embora a “sede” do projecto seja na Academia da Força Aérea em Sintra é no Centro de Formação Militar e Técnica, na Ota, que militares da FAP e civis da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, passam 15 dias por mês a testar o que vêm desenvolvendo. Dos programas informáticos, às plataformas (os UAV já construídos) e seus diversos componentes, passando pelas comunicações ar-terra, aos sistemas de GPS ou a vários tipos de consolas que são utilizadas, tudo ali é posto em funcionamento, testado e avaliado. Pretende-se, segundo Madruga Matos, “desenvolver a tecnologia mas também os conceitos de operação“, ou seja, simplificando, não interessa ter apenas uma máquina voadora não tripulada com determinadas capacidades, mas também saber como a utilizar e aquilo que ela pode realmente fazer, testar afinal aplicações reais para estes veículos aéreos. Nesse sentido não têm aliás faltado entidades interessadas em saber o que a Força Aérea está a fazer e as visitas de informação e mesmo algumas com a realização de testes práticos já têm sido feitas, nomeadamente por serviços que actuam na área da segurança.
Nesta fase a Ota serve perfeitamente as necessidades do projecto porque, diz-nos o Tenente de Engenharia Aeronáutica João Caetano, “podemos fechar o espaço aéreo sobre a área da base, trata-se naturalmente de espaço aéreo militar, tem dimensões suficientes para as nossas necessidades. No entanto também é verdade que não podemos «sair daqui» uma vez que a legislação nacional ainda não contempla este tipo de veículos aéreos.“
Parece simples
Quando se vê um destes aparelhos a voar pode haver a tentação de imaginar que se trata de uma “coisa simples”. Não é bem assim. Não sendo naturalmente o cúmulo da sofisticação, não deixa não só de ser um aparelho que se reveste de alguma complexidade como, acima de tudo, necessita de um conjunto de programas informáticos aplicados ao seu comando e controlo que o levem a fazer “aquilo que queremos”. Diz-nos Filipe Ferreira, Engenheiro Informático da Universidade do Porto, junto da consola que faz a gestão do voo dos UAV: “Trata-se da evolução do que fizemos para a Marinha Portuguesa no âmbito de um projecto de veículos submarinos autónomos (sistema Neptus de comando e controlo) e que agora adaptamos aos veículos aéreos. Trata-se de uma consola táctica que nos permite uma percepção rápida dos vários parâmetros de voo dos UAV (velocidade, atitude, autonomia, etc.), esta permite gerir até 10 plataformas a voar em simultâneo“. No dia em que fizemos a visita à Ota estava-se aliás a preparar a realização do voo real de uma plataforma – o ANTEX-X02, n.º “05” – e o voo simulado, ao mesmo tempo, de outras plataformas, exactamente para por em prática esta funcionalidade do voo simultâneo. João Caetano refere que “em muitas missões pode ser justificado colocar vários UAV no ar tendo em vista suprir por exemplo uma avaria de um deles ou o facto de um ser abatido, e a missão continua a ser cumprida“. Abordando de seguida algumas das “funcionalidades” que já têm sido desenvolvidas, refere-nos “as comunicações com a aeronave via satélite – sistema Iridium – permitindo operar fora da linha de vista, substituindo as comunicações UHF; o seguimento automático de um alvo móvel em que os UAV mantêm-se automaticamente voando em círculos sobre um alvo, vá ele para onde for“. Novos desenvolvimentos tecnológicos estão em marcha para permitir o seguimento térmico, contorno de obstáculos, processamento de imagem e outros.
Outra área relevante é a “parte eléctrica” do aparelho. Rui Caldeira, Engenheiro Electrotécnico da Universidade do Porto, um dos responsáveis pela concepção da parte eléctrica destas “máquinas” mostra-nos uma placa de alimentação enquanto, do tamanho da palma da mão e explica que “os seus diferentes componentes permitem que, tudo a bordo funcione, como o computador, o piloto automático o modem de comunicações e os actuadores do veículo“.
Como nos diz o Tenente Engenheiro Electrotécnico, Tiago Oliveira, “nestes voos testamos não só a plataforma como tudo o que ela transporta e nesta consola de operação (em terra) podemos acompanhar do ponto de vista técnico muitos parâmetros do veículo em voo. Mas antes de cada descolagem, temos um extenso conjunto de verificações, cerca de 70, que determinam se há ou não condições técnicas para o aparelho ir para o ar“.
Cultura aeronáutica
Somos lembrados que o dinheiro não abunda e todo o cuidado com as plataformas e talvez até mais com o seu conteúdo, estão sempre na mente de quem ali está. Isto enquadra-se bem nos cuidados que há com as plataformas e que estavam neste dia a cargo do Sargento-Ajudante Mecânico de Material Aéreo Joaquim Gomes, que está ao mesmo tempo a finalizar a sua formação em “pilotagem de UAV”.
O Sargento-Ajudante Mecânico de Material Aéreo, “piloto operacional de UAV” que no dia da visita “estava aos comandos” explica: “Este aparelho, por enquanto, faz a descolagem controlada e só depois de estar no ar, passa a «voo auto». Faz a missão programada e para a aterragem é de novo passada para o meu comando e eu conduzo a aterragem. Em breve esperamos passar a fazer todo o processo em automático. É só colocá-lo na pista e…tudo automático“. E é nesta fase que constatamos que estas máquinas também têm – muito naturalmente – as suas limitações e, neste caso concreto do ANTEX-X02, com vento superior a 18 nós, não se arrisca uma descolagem.
“A cultura aeronáutica destes sargentos, com muitos anos ligados ao material aéreo, uma excelente sensibilidade para lidar com estes equipamentos, é uma das mais-valias que temos na Força Aérea e que garantem altos níveis de competência a lidar com as plataformas“, refere-nos Madruga Matos.
E o futuro?
Não se pretende aqui abordar o projecto em profundidade (quem estiver interessado em saber mais porque ver mais informação aqui: PITVANT) mas, em linhas muito gerais, a plataforma com a qual tomamos contacto na Ota, a versão ANTEX-X02, da qual há vários exemplares, é apenas uma das que este projecto já construiu. Outras há, mais pequenas como a Asa Voadora, lançada pela mão do homem para iniciar o voo ou o ANTEX-X03, bem maior que o 02 e naturalmente com maior autonomia e capacidade de carga, podendo transportar mais equipamento. Todas as plataformas foram projectadas e construídas pela Academia da Força Aérea.
O PITVANT teve um financiamento total de 2 milhões de euros do Ministério da Defesa Nacional para funcionar durante 7 anos, faltando cerca de 4 para o seu terminus. Os próximos passos estão pensados e alguns já testados como o voo nocturno e espera-se em breve proceder à “descolagem” por catapulta.
Junto ao local onde nos encontramos está construído o pequeno edifício da futura “Esquadra UAV” (note-se que isto é uma designação dada pelo Operacional!), que vai melhorar as condições de operação na Ota. Até agora tudo o que vimos funciona numa tenda.
Percebe-se pela conversa com a Major Madruga Matos que há uma grande vontade em que este projecto acolha quais os eventuais requisitos operacionais dos possíveis utilizadores dos outros ramos, forças e serviços de segurança – ou mesmo entidades civis – para que isso possa ser considerado no projecto e aumentar as capacidades do que a Força Aérea desenvolve.
É sabido que várias firmas estrangeiras que comercializam UAV ciclicamente contactam as autoridades militares nacionais, no sentido de fornecer os seus aparelhos às Forças Armadas Portuguesas. Também se sabe que, até agora, não há verbas consignadas na Lei de Programação Militar explicitamente para este tipo de equipamento, o que aliás nos torna num dos únicos, senão o único país da NATO, que não tem UAV em serviço operacional.
Perante esta realidade e escusando-se a nossa anfitriã comentar tudo isto, não deixa de lembrar que o objectivo do projecto é “deixar pronto a ser industrializado” este tipo de veículo e que “em todos estes anos – mais de 5 nesta área com diversos técnicos nacionais formados em Portugal e no estrangeiro – a Força Aérea adquiriu um profundo conhecimento de todas as vertentes deste material e se a opção for comprar fora, pelo menos não nos vendem «gato por lebre» e sabemos bem avaliar as propostas face às características pretendidas“.
Quer ver o ANTEX-X02 a voar? Clique em: O “ANTEX-X02” DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA
Veja aqui outro artigo sobre o PITVANT no Operacional: SOBRE TERRA E SOBRE O MAR, OS UAV DA FORÇA AÉREA
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