TIMOR-LESTE, O SECTOR PORTUGUÊS DA UNTAET/PKF
Por Miguel Machado • 24 Fev , 2011 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI Print
No verão de 1999 Portugal foi invadido por uma onda de emoção perante os dramáticos acontecimentos vividos em Timor-Leste sob ocupação Indonésia. A comunidade internacional reagiu enviando numa primeira fase, em Setembro de 1999, uma força militar liderada pela Austrália, a INTERFET (International Force in East Timor), a que se seguiu uma força das Nações Unidas.
Portugal, antiga potência colonial de Timor, apenas participou na INTERFET com uma unidade naval – a fragata “Vasco da Gama” – para não prejudicar as negociações em curso com o ocupante. Em Fevereiro de 2000 contudo, integrou a UNTAET / PKF (United Nations Transitorial Administration in East Timor – Peace Keeping Force) com uma força dos três ramos das Forças Armadas, assumindo importantes responsabilidades no processo de transição de Timor para país independente. Este artigo que hoje apresentamos, escrito em Março de 2000, dá conta da situação que se vivia em Timor-Leste nesse inicio das operações militares naquele território. Antes disto houve ali um papel muito importante quer da diplomacia portuguesa que nos nossos serviços de informação, de cariz estratégico mas também civis – antes, durante e depois da INTERFET – não esquecendo, antes pelo contrário, o papel da comunicação social, mundial e portuguesa, graças a um punhado de jornalistas que arriscaram ficar e contar o que viam.
TIMOR-LESTE, O SECTOR PORTUGUÊS DA UNTAET/PKF
«Alfa Para 1! Alfa Para 1! CIVPOL pede auxilio urgente junto ao Hotel Olímpia! Estamos a ser atingidos por pedradas!»
Menos de 5 minutos depois a secção de alerta do 1.º Batalhão de Infantaria Pára-quedistas, deixa o comando da UNTAET / PKF. Direcção: a periferia de Díli onde se encontra atracado o navio-hotel Olímpia, guardado pela policia civil (sem armas) das Nações Unidas, alvo nesta noite de jovens timorenses.
Cerca de 10 minutos depois os veículos da secção de alerta chega ao hotel e o comandante da secção recebe via rádio mais informação sobre a situação: um grupo de jovens timorenses aproximou-se da entrada do hotel e atacou à pedrada polícias e estrangeiros que ali estavam. O hotel é “símbolo” dos tempos que correm, só frequentado por estrangeiros. Os timorenses que ali estão são simples trabalhadores e perante a miséria que alastra pelo território, os “funcionários internacionais” são o alvo estas “explosões de raiva” que vão acontecendo.
Onde, quando e como necessário
Este podia bem ser o lema do batalhão português ao serviço das Nações Unidas em Timor-Leste. Uma das suas missões é assegurar em alguma medida a manutenção da ordem pública. Nestes acontecimentos já descritos e que presenciamos, até Março de 2000, o batalhão era a única força em Díli com capacidade de intervenção. E o batalhão não só patrulhava a cidade como os seus bairros periféricos e desencadeava operações no interior do território na busca de indícios da actuação das chamadas Milícias (organizações de carácter militar pró-indonésia), infiltradas desde a parte ocidental da ilha. Pouco depois chegava a Díli uma Companhia da Guarda Nacional Republicana, especializada e equipada para missões de manutenção de ordem pública, a qual se inseriu na missão das Nações Unidas como unidade de reacção rápida para acudir a estas eventualidades. Esta companhia com 120 militares, estava organizada em comando, pelotões de ordem pública, operações especiais e apoio de serviços.
A UNTAET -PKF
A entrada em Timor-Leste da força de manutenção de paz da administração transitória das Nações Unidas decorreu como previsto: o general australiano Peter Cosgrove, comandante da INTERFET entregou o comando das forças internacionais no terreno ao general filipino Jaime de Los Santos em Janeiro de 2000. A PKF tem cerca de 8.000 militares, sendo 1700 australianos, a Tailândia 900 e Portugal 766. Seguem-se a Jordânia (715), Nova Zelândia (680), Filipinas (609), Bangladesh (546) e Coreia do Sul (444). O Brasil, Canadá, Chile, Dinamarca, Egipto, Fiji, França, Irlanda, Quénia, Nepal, Noruega, Paquistão e Singapura têm também contingente mas em números menores. Trinta dias depois da sua entrada a PKF declarou que a situação está “normalizada” e que as suas unidades se encontram aquarteladas num maior numero de localidades do que anteriormente a INTERFET o tinha feito. Na realidade esta força internacional tinha feito algumas operações helitransportadas para o interior mas manteve-se sobretudo em Díli.
O Contingente Nacional para Timor (CNT)
O CNT, designação atribuída pelo Estado-Maior General das Forças Armadas, é constituído por cerca de mil militares dos três ramos das Forças Armadas, parte dos quais são “capacetes-azuis”, integrados na UTAET-PKF, e outros estão em missão de apoio, determinada por Portugal, de modo autónomo. É o caso da fragata “Hermenegildo Capelo”, sob o comando do capitão-de-fragata Pires da Cunha e o Destacamento C-130 da Força Aérea, que se encontra em Darwin, sob o comando do Capitão Piloto José Faúlha.
Em 14 de Fevereiro de 2000 o Sector Central da PKF foi confiado ao Coronel Pára-quedista Eduardo Lima Pinto. No seio da força multinacional a participação portuguesa é muito importante, com 24 militares no comando e estado-maior deste crucial sector (distritos de Díli, Liqiça, Ermera, Aileu, Same e Ainaro). Na sua dependência um batalhão de pára-quedistas português (BIPara-reforçado), uma companhia de infantaria do Quénia, uma companhia de Policia Militar do Brasil. O 1BIPara (reforçado) com 513 militares, sob o comando do Tenente-Coronel Pára-quedista Cordeiro Simões, dispunha de 2 companhias de pára-quedistas, a 22.ª de fuzileiros da Marinha (155 militares), 1 de Comando e Serviços, 1 Destacamento de Engenharia (40 militares) e 1 Destacamento de Apoio (Operações Especiais). Sob comando directo da PKF, Portugal manteve ainda em Timor-Leste (Díli) um Destacamento de Helicópteros AL III da Força Aérea Portuguesa (31 militares), sob o comando do Tenente-Coronel Médico Nuno Ribeiro.
No Quartel-General da PKF em Díli trabalham 6 oficiais e sargentos portugueses sob o comando do Tenente-Coronel de cavalaria Martins Ferreira, que desempenha as funções de oficial de informações da força multinacional.
Na Embaixada de Portugal na Austrália foi criado o lugar de Adido Militar, que foi ocupado pelo Major-General Cristóvão Avelar de Sousa.
Segurança e não só
A UNATET / PKF encontrou uma situação em Timor-Leste que lhe exige não apenas um papel activo no campo da segurança, mas também um esforço no apoio à reconstrução.
As principais ameaças têm vindo da parte de grupos de jovens radicais que se deslocam nas áreas urbanas com grande facilidade e também de antigos membro das milícias pró-indonésias que se infiltram a partir da parte ocidental da ilha onde muitos se refugiaram. Alguns andarão pelas áreas rurais, outros chegaram mesmo a Díli. O sector Oeste, encostado à fronteira com a Indonésia, controlado por australianos e neozelandeses, em terreno muito difícil – o que aliás acontece na generalidade do território – já foi mesmo alvejado com armas de fogo e mesmo granadas por elementos destes grupos que se supõem relativamente desorganizados.
Em condições logísticas precárias, num terreno difícil e com a situação sanitária das mais complicadas que o Exército já se defrontou nos últimos anos, o 1.º BIPara, pára-quedistas ou fuzileiros, militares de engenharia ou das operações especiais, todos têm cumprido um número sem conta de missões. É preciso acompanhar um sargento e quatro praças em patrulha pelo bairro de Bekora, contactando com a população e tentando, dia após dia, ganhar a sua confiança e saber reconhecer quem ali mora em permanência ou está de passagem (algum «milícia») para compreender a delicadeza da sua missão; ou então ver o pessoal a saltar da cama de campanha a meio da noite (ver inicio desta reportagem) e, em 5 minutos, esta armado e equipado em cima da Iveco 40.10, partir em direcção à Baixa de Díli onde um grupo de jovens havia apedrejado um hotel destinado a funcionários estrangeiros da ONU; ou acudir a alguma ONG que promete empregos e os publicita e depois só recruta um ou dois timorenses e os outros em fúria querem destruir tudo pelo caminho, sendo só travados por alguns disparos para o ar; e, subitamente, fruto das informações chegadas, lanar uma operação em larga escala no interior do território, 5 dias e 5 noites, numa verdadeira selva, palmilhando quilómetros e quilómetros e tentando conferir alguma segurança e confiança às populações isoladas; vigiar e controlar campos de refugiados, fazer a triagem dos que chegam via marítima e terrestre, montar uma delicada operação de segurança ao presidente indonésio (Abdurrahman Wahid) em visita, onde os militares portugueses tiveram que agir com muita firmeza para que o alto dignitário não ser molestado; ou desencadear a operação “Fénix” apoiada por helicópteros e pela Companhia da GNR para desmantelar redes de prostituição e tráfico de droga; e já em Abril (de 2000) o batalhão apoiou a Companhia da GNR na contenção de graves tumultos que aí tiveram lugar.
Ajuda à reconstrução
Além das missões operacionais – prioritárias – o batalhão também tem sido empenhado em tarefas de cooperação com as populações para tentar minorar os efeitos da grande destruição causada nos meses anteriores. Aqui o destacamento de engenharia tem um papel importante ajudando á recuperação de escolas, casas e estradas. De um modo geral as tarefas são executadas pela população local, apoiadas pelos militares. Estes dão alguma formação técnica no batalhão aos populares e apoiam trabalhos com máquinas e ferramentas. Alguns quadros, oficiais e sargentos, também tentam minorar algumas carências educacionais, dando aulas de português e alguma formação básica em mecânica, electricidade, informática, etc. Também no sector da saúde, onde tudo está por fazer, o batalhão apoio a população com consultas médicas e de enfermagem. Mesmo com meios económicos muito limitados para estas acções, os militares portugueses tentam, no seu sector, colmatar parte das enormes carências com que se deparam.
A INTERFET
Comandada pela Austrália que forneceu o principal contingente e a maioria do apoio logístico, a International Force in East Timor, entrou em Timor-Leste em Setembro de 1999 com uma postura muito semelhante á da NATO na ex-Jugoslávia: vontade política, força militar credível e imparcialidade perante as partes no terreno. A Austrália empenhou em Timor-Leste os SAS, três batalhões de infantaria, um regimento de engenharia, 12 helicópteros S-70 “Blackhawk”, 9 helicópteros 206 “Kiowa”, lanchas de desembarque. Navios logísticos como o revolucionário “Jervis Bay”, aviões de transporte “Caribou” e C-130 “Hércules”, foram outros meios pesados empenhados em Timor pela Austrália.
Logo no inicio os SAS australianos e neozelandeses (e segundo alguns também um grupo de “special forces” americanos), ocuparam o aeroporto internacional de Díli como uma das “portas de entrada” para grande parte dos efectivos a envolver na missão. Exército Australiano enviou veículos blindados M-113 e ASLAV 25 8X8 e ali testou o seu novo “Bushmaster” (veículo blindado de rodas para transporte e pessoal). Manteve em reserva, prontos a intervir a partir do seu país caso a Indonésia se envolvesse no conflito, os carros de combate Leopard AS1.
Entre 23 de Setembro de 1999, data do primeiro incidente com as “milícias” nos arredores de Dili e 19 de Janeiro de 2000, data do último (no enclave de Oecussi), as forças da INTERFET registaram 13 acções de combate.
A INTERFET esteve composta por contingentes dos seguintes países: Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Creia do Sul, Estados-Unidos da América, Filipinas, França, Irlanda, Itália, Malásia, Noruega, Nova-Zelândia, Reino Unido, Singapura e Tailândia.
De Setembro de 1999 a Janeiro de 2000 a INTERFET normalizou a situação e eliminou o risco de generalização de conflito interno em Timor-Leste.
As Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste
Herdeiros directos da FRETILIN (Frente Revolucionária para a Independência de Timor-Oriental), movimento de guerrilha que combateu a ocupação Indonésia de 1975, as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste) resistiram durante 25 anos com poucos apoios exteriores. Combateram não só as Forças Armadas da Indonésia como os seus serviços de segurança e policiais e ainda os grupos timorenses que apoiavam a integração. Esta resistência vivia muito da visibilidade na cena internacional de alguns militantes desta causa que ganharam notoriedade. Deste ponto de vista as FALINTIL/FRETILIN conseguiram alguns sucessos notáveis como a divulgação internacional pelas grandes agências noticiosas do “massacre de Santa Cruz” (em Díli), a atribuição do Prémio Nobel da Paz a duas personalidades timorenses, o Bispo Católico de Díli, D. Ximenes Belo e o representante diplomático das FALINTIL, Ramos Horta (hoje Presidente da República Democrática de Timor-Leste).
A prisão, julgamento e condenação do chefe da guerrilha, Xanana Gusmão (hoje Primeiro-Ministro de Timor-Leste depois de ter sido o seu primeiro Presidente da República), e o forte apoio da Igreja Católica à causa da independência, colocaram definitivamente o assunto Timor na “agenda internacional”.
Em 1998 enquanto o regime indonésio sofria algumas convulsões internas, a generalidade dos opositores timorenses à integração da antiga colónia portuguesa na Indonésia, iniciada em 1975 pela força das armas, reuniram-se em Lisboa e constituíram o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT). Xanana Gusmão assumiu a presidência deste órgão. Será desta organização que certamente sairá a generalidade dos futuros governantes de Timor após o governo transitório das Nações Unidas terminar a sua missão.
Até à retirada indonésia do antigo Timor Português, as FALINTIL mantinham cerca de 200 guerrilheiros nas montanhas do interior da ilha e cerca de 1.300 apoiantes numa rede clandestina instalada nos principais centros urbanos. A sua “ordem de batalha” era a seguinte:
Xanana Gusmão (mesmo na prisão manteve o cargo) era comandante em chefe e tinha como vice-comandante e chefe de estado-maior (que estava no terreno), Taur Matan Ruak. Este tinha sob as suas ordens uma “Frente Armada” com 4 regiões militares e uma “Frente Clandestina” (apoio aos rebeles que eram procurados, por exemplo) e “Colaboradores” (enviavam mensagens, recolha de informações, vigilâncias, etc.).
Oficialmente nenhum papel coube às FALINTIL no decurso do processo de paz e a guerrilha manteve-se acantonada numa zona vigiada pela polícia das Nações Unidas na região de Aileu. Recentemente no entanto (em Março/Abril de 2000), alguns guerrilheiros começaram a colaborar com a PKF como “oficiais de ligação”. Estes serão sem dúvida os primeiros quadros das futuras forças armadas de Timor-Leste.
MILITARES PORTUGUESES MORTOS EM MISSÕES DE PAZ
Bibliografia:
PORTUGAL E AS OPERAÇÕES DE PAZ, UMA VISÃO MULTIDIMENSIONAL
O EXÉRCITO NOS TRILHOS DA COOPERAÇÃO
O EXÉRCITO PORTUGUÊS NOS CAMINHOS DA PAZ 1989-2005
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