PRIMEIROS PASSOS DA QUEDA LIVRE DESPORTIVA EM PORTUGAL
Por Miguel Machado • 27 Jan , 2012 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA PrintA queda livre desportiva é hoje uma actividade muito divulgada em Portugal, e de um modo geral, as pessoas têm a noção que nasceu no meio militar. Talvez poucos saibam no entanto, mesmo entre os militares, quais os seus primórdios. É isso que José Guilherme Rosa Rodrigues Mansilha nos vai contar ao longo de vários artigos.
José Mansilha, coronel pára-quedista na situação de reforma, teve uma carreira cheia quer como combatente em África onde foi comandante de pelotão, companhia e batalhão, quer como entusiasta da queda livre ou ligado à instrução e a funções de estado-maior.
Depois de terminar a Academia Militar (Arma de Infantaria) ofereceu-se para as Tropas Pára-quedistas em 1959 como alferes, tendo frequentado o 8.º curso de para-quedismo militar ministrado em Portugal, no então Batalhão de Caçadores Pára-quedistas. Embarcou para Angola em 16 de Março de 1961, no comando do primeiro Grupo de Combate que saiu de Portugal após o início da guerra Ultramarina. Iniciou assim a sua vida “nómada” entre a Metrópole e África: Angola, 1961/63 e 1965/67; Moçambique na Beira; 1968/1970 e Nacala, 1972/74, onde se encontrava em 25 de Abril de 1974. No Corpo de Tropas Pára-quedistas (CTP) da Força Aérea foi segundo comandante e comandante da Base Operacional de Tropas Pára-quedistas N.º 1 e Chefe de Estado-Maior do CTP. Passou à situação de Reserva em 1982.
No âmbito da queda-livre, fez o curso de Instrutor e Monitor Pára-quedista em 1964 no Regimento de Caçadores Pára-quedistas dedicando-se depois à prática desta actividade que tem uma vertente militar mas também civil. Tomou parte, como chefe da equipa, em três campeonatos do Conselho Internacional do Desporto Militar (CISM), no Brasil, Alemanha e Portugal e dois torneios na Bélgica. Acompanhou, como chefe de Delegação, a equipa portuguesa a um CISM em Espanha e a dois torneios na Bélgica. No Ultramar dedicou-se à instrução de pára-quedistas civis em especial em Luanda, onde foi director do 1.º curso civil de queda livre em Portugal (1966), mas também na Beira em Moçambique.
Depois de reformado dedicou-se durante dois anos à aprendizagem e ensino de fabrico de tapetes de Arraiolos. Tendo tirado o Curso de Formação de Formadores no Instituto de Emprego e Formação Profissional, foi Director de Instrução de uma empresa de segurança privada durante 14 anos.
Muito agradecemos ao Coronel José Mansilha o facto de se juntar aos colaboradores do “Operacional” com esta primeira série de memórias, e esperamos que a próxima seja o seu olhar, a sua memória, sobre a guerra. Conheceu-a como poucos, no princípio e no fim destas últimas campanhas das Forças Armadas Portuguesas em África.
PRIMEIROS PASSOS DA QUEDA LIVRE DESPORTIVA EM PORTUGAL
No meio militar em Portugal, para se fazer queda livre era preciso tirar o curso de Instrutor e Monitor Pára-quedista. Este curso não só habilitava a dar cursos de formação de novos “páras” como a praticar saltos de queda livre. Baseado em documentos que guardei, principalmente fotografias, gostaria de, enquanto me recordo e posso, deixar uma ideia, que perdure, do que foi essa epopeia e referir os intervenientes que recordo.
Trata-se de um documento sujeito a críticas, que poderá ser completado e mesmo corrigido por quem tenha mais elementos ou por quem possa ficar esquecido. A memória humana é falível, mesmo para aqueles que a têm muito boa.
Em 1964, a França fez dois convites a Portugal. Um para tomar parte num estágio de aperfeiçoamento de queda livre que teria lugar em Pau, na BETAP (Base Escola de tropas Aero Transportadas), outro para concorrer ao primeiro campeonato mundial do CISM, a efectuar em Pau curtos meses depois. Foi graças à dedicação do capitão Bragança Moutinho, que não ficará mal apontar como o maior entusiasta português e o pai desta modalidade desportiva no nosso país, e graças à colaboração e apoio do então comandante do Regimento de Caçadores Pára-quedistas, coronel Mário de Brito Monteiro Robalo, que foi escolhida, de entre os praticantes de queda livre, uma equipa que iria frequentar o Curso de Aperfeiçoamento de Queda Livre.
De acentuar que o capitão Robalo foi o primeiro pára-quedista militar português a fazer um salto de queda livre em Portugal. Tirou o curso de pára-quedismo, juntamente com o capitão Armindo Martins Videira, na BETAP em Agosto de 1951. Ambos oficiais do Exército eram no entanto pilotos civis, tinham “brevet” de avião mono-motor.
Em 1953 são mandados para França, para frequentar o mesmo curso, os aspirante Fausto Marques e sargentos Américo de Matos e Manuel Gonçalves. O capitão Robalo acompanhou-os como oficial de ligação e tradutor. A equipa portuguesa acabaria por permanecer em França quatro meses para fazer o Curso de Instrutores e Monitores, que os habilitou para o salto em queda livre. O capitão Robalo ficou classificado em primeiro lugar geral do curso e teve a honra de ser o primeiro português a dar um salto de queda livre.
Foram seleccionados para essa nova equipa (em 1964) o capitão Bragança Moutinho e os sargentos Arlindo Mendes, Rogério Mota, Cravidão e Albano de Carvalho (na foto abaixo, por esta ordem da esquerda para a direita).
Regressados a Portugal voltariam no mesmo ano a Pau, como equipa representante do País no I CISM, Primeiro Campeonato “Mundial” do Desporto Militar, que a França tomou a iniciativa de organizar. O campeonato constava de duas modalidades, Precisão e Estilo.
Na primeira o pára-quedista escolhia o ponto de saída do avião, que voava a 1000m de altitude no sentido de uma seta formada com telas, colocada no solo na direcção do vento. O atleta procurava aterrar sobre, ou o mais perto que conseguisse, um disco com 15 cm de diâmetro colocado no centro de um circulo de 10 metros de terreno. Este estava preparado para amortizar a queda, normalmente com areia ou seixos com diâmetro muito pequeno, burgau. Se o primeiro ponto do corpo a tocar o solo fosse o disco, fazia 0 cm “ZERO”, obtendo a pontuação máxima.
Note-se que naquele tempo a aterragem era feita a favor do vento a uma velocidade que correspondia à soma da do vento com a do pára-quedas, dado que este também tinha velocidade própria. Para obtê-la usavam-se uns pára-quedas aos quais tinham sido retirados, na parte traseira da calote, dois gomos, um à direita outro à esquerda (ver foto do 6562). O ar saía assim da calote pela chaminé e pelas duas fendas, criando uma força impulsionadora com uma velocidade que atingia cerca de 5 metros por segundo. O pára-quedista, utilizando uns manobradores semelhantes aos dos pára-quedas actuais, podia abrir ou fechar os gomos. Isso não só permitia alterar a velocidade como a direcção de voo. Em dias de vento, para um competidor que viesse curto, com as fendas totalmente abertas, a aterragem tornava-se bastante violenta. O salto de precisão era feito individualmente, pontuando cada um para a equipa, ou em grupo, em que saltava toda a equipa numa só passagem do avião.
A segunda modalidade, os saltos de estilo, era apenas individual. O avião subia para os 2000 metros, com um esquema no solo semelhante. Era colocada no pé da seta uma tela, do lado direito ou esquerdo, ou nos dois, depois da saída do avião. A tela mantinha-se durante 5 segundos, o que implicava uma saída bem estabilizada. Essas telas indicavam ao pára-quedista a modalidade de estilo que iria fazer: tela à direita, primeira volta para a direita, tela à esquerda, primeira volta para a esquerda, tela dos dois lados, estilo cruzado.
Mantendo o corpo paralelo ao solo o atleta tinha de efectuar uma rotação de 360º para a direita, uma para a esquerda e um looping, repetindo as figuras uma vez. Se a seta fosse esquerda seria o mesmo mas começando para a esquerda. No estilo cruzado as 3 primeiras figuras eram iniciadas para a direita, as segundas para a esquerda.
Os campeões atingiam um tempo da ordem dos 7 segundos. O nosso melhor tempo de sempre terá sido 10,1 segundos em 1972 em Sintra, no V CISM. Tempo considerado muito bom.
No I CISM a nossa equipa concorreu em saltos de precisão tendo alcançado uma posição muito razoável, a meio da tabela. Distinguiu-se o sargento Cravidão que alcançou um resultado individual de realçar, 0,12 cm, ficando em 3.º lugar geral, embora o nosso melhor pára-quedista em queda livre fosse na altura o sargento Arlindo Mendes, que viria depois a distinguir-se em saltos de Estilo.
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