PORTUGUESES EM KIRKUK : A ÚLTIMA MISSÃO.
Por Miguel Machado • 22 Jan , 2009 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI Print
Os militares não escolhem as guerras em que participam. Combatem pela bandeira do seu país, onde e quando os representantes legítimos do seu povo o determinam. Assim foi com a GNR no Iraque entre Novembro de 2003 e Fevereiro de 2005 e é desde então com o Exército, onde 6 portugueses continuam a cumprir, 24 horas sobre 24 horas, a sua missão. Em nome de Portugal na mais controversa missão exterior das nossas Forças Armadas no pós-25 de Abril de 1974, que vai terminar dentro de dias segundo anunciou o Ministro da Defesa Nacional, ontem, 21 de Janeiro de 2009.
No Iraque ao serviço da NATO
Afastados dos holofotes mediáticos, por vezes até mesmo “esquecidos” no discurso oficial – afinal de contas esta é para muitos uma “má guerra”- o que fazem, na prática, os militares portugueses no Iraque? Alguém sabe?
No momento em que o Ministro da Defesa Nacional, na sequência de um processo que certamente será esclarecido, informa o país que Portugal vai retirar os seus militares do Iraque, o “Operacional” orgulha-se de dar hoje a conhecer aos seus leitores uma das missões que estes cumpriram fora da “green zone” de Bagdad, prosseguindo assim um dos nossos objectivos: mostrar a realidade no terreno.
Kirkuk, 300 quilómetros a Norte da capital Iraquiana, foi palco de uma acção de formação pela NATO Training Mission – Iraq (NTM-I), no final de 2008. Desta vez a liderança da acção coube a dois militares portugueses, o tenente-coronel João Costa Lopes, chefe da Repartição “Armed Forces Training & Education Advisory Team” da NTM-I (dedicada ao treino básico e táctico que é ministrado nas diferentes escolas e centros de treino do Exército Iraquiano), e o major Adelino Jacinto ligado a um projecto designado “Battle Staff Training”. Este projecto enquadra-se num outro mais vasto, o “Warfighter Program” desenvolvido pela Coligação liderada pelos EUA (para providenciar às brigadas e batalhões das divisões iraquianas um pacote completo, optimizado e actualizado de treino individual e colectivo) e nele os iraquianos recebem aconselhamento para o treino dos elementos de estado-maior, de batalhão e de brigada, na área de planeamento e de técnicas de estado-maior (Operações, Informações, Pessoal e Logística).
Pelo ar e por terra
Os 300 quilómetros que separam Bagdade de Kirkuk podem não parecer muito (afinal de contas é a distância de Lisboa ao Porto), mas nesta circunstância demorou a fazer…2 dias e noites! No regresso outro tanto.
A actual situação de instabilidade no Iraque obriga a que se sigam rigorosas medidas de segurança pelo que viajar da capital até qualquer outro local do país é uma actividade morosa, bastante arriscada e só possível por meios aéreos.
A escala intermédia foi feita com o C-130 da USAF a aterrar em Balad (localidade a norte de Bagdad e sul de Samarra – ver mapa – referida no filme “Body of Lies” do realizador Ridley Scott, com Leonardo DiCaprio, Russell Crowe e Mark Strong, sobre a problemática do terrorismo).
Tanto dentro como fora da “Zona Internacional” de Bagdad as medidas de segurança e de protecção da força, obrigam ao uso constante de capacete, colete balístico e armamento individual e o seu uso quer em transporte de helicóptero quer em comboio de viaturas blindadas, é obrigatório.
Em Kirkuk fica localizada uma base que no tempo de Saddam Hussein fora da Forca Aérea Iraquiana, transformada após 2003 numa gigantesca FOB (Forward Operational Base) americana de nome Warrior. A partir dali se apoia toda a zona norte do país.
Entre a FOB Warrior onde os portugueses aterraram e de onde descoloram no regresso, e o centro de treino do Exército Iraquiano onde a instrução teve lugar, a viagem foi feita em coluna terrestre, usando viaturas Hummer (com blindagem) e MRAP – Mine Resistant Ambush Protected – hoje já vulgarizados não só no Iraque como no Afeganistão. Pelo caminho salta à vista dos portugueses – como infelizmente é quase e sempre uma realidade nos países em guerra – as enormes quantidades de lixo sem qualquer tratamento e um elevado grau de destruição das habitações locais, mas sobretudo a pior das misérias em que a população local sobrevive. Paradoxalmente o cheiro a combustível queimado leva os militares lusitanos a descortinar na linha do horizonte dezenas de poços de petróleo com as inconfundíveis chamas a arder, dia e noite.
Kirkuk
O Centro de Treino Regional (RTC – Regional Training Center) do Exército Iraquiano, localiza-se numa antiga base de helicópteros e trata-se de um complexo militar composto por vários edifícios (construídos pelas forças dos EUA) uma enorme carreira de tiro e uma pista de descolagem/aterragem que se encontra operacional. Ali funciona também a escola de Treino da Forca Aérea Iraquiana.
No período de 21 de Novembro a 4 de Dezembro de 2008, o tenente-coronel Lopes e o major Jacinto deslocaram-se ao centro de treino de Kirkuk, na qualidade de instrutores do Battle Staff Training. O treino teve como audiência 36 militares iraquianos, instrutores e elementos de estado-maior e prolongou-se durante 2 semanas. Durante este período foram abordados diversos temas na área do planeamento operacional.
Os militares iraquianos envolvidos demonstraram, segundo os portugueses, grande entusiasmo e vontade em aprender, sendo o produto final muito positivo permitindo assim que todos os objectivos estabelecidos inicialmente fossem plenamente atingidos.
Noutro registo, o facto do treino ser liderado por dois oficiais portugueses, provocou uma curiosidade acrescida por parte dos militares iraquianos. É que Portugal tem apenas 6 militares no Iraque e os quais actuam sobretudo dentro da “Zona Internacional” de Bagdad. Será assim fácil perceber que a presença de dois portugueses numa unidade iraquiana localizada a 300 de Baghdad, numa área crítica onde as tensões étnicas são efectivas, não é um acontecimento comum. Mas como sempre os nossos embaixadores desportivos de renome tais como Cristiano Ronaldo e Figo e a inata capacidade lusa em comunicar e partilhar conhecimentos facilitaram a primeira abordagem e o estabelecimento de uma confiança e respeito mútuos, indispensáveis nestas acções de cooperação militar.
Este projecto levado a cabo em Kirkuk foi experimental e pioneiro. Os resultados obtidos foram bastantes positivos, fazendo que rapidamente outros centros de treino regionais (há mais de uma dúzia em todo o Iraque) expressassem o interesse em receber o Battle Staff Training.
Após uma análise profunda das lições aprendidas durante o curso piloto de Kirkuk, a Missão da NATO, em coordenação com o comando das forças da Coligação e o próprio Comando da Instrução e Doutrina do Exercito iraquiano, iniciou a elaboração de um plano para 2009, que a curto/médio prazo visa abranger o maior numero possível de centros de treino e que a longo prazo pretende iniciar um ciclo de refrescamento e actualização desta matéria. Este plano permitirá corresponder de forma eficiente às necessidades expressas pelo Exército Iraquiano, que nesta fase da sua história prepara-se para assumir, na sua plenitude, a missão fundamental de um Exército treinado, eficiente, moderno e coeso.
O ambiente e a vivência quer com os militares americanos aquartelados no local quer com os iraquianos foi segundo os portugueses excelente, tendo o responsável do Exército dos EUA no local, tenente-coronel Long, sido incansável para providenciar as condições necessárias ao bom desenrolar da missão. Para os portugueses foi sem dúvida uma experiencia única, daquelas que marcam para a vida, mesmo para oficiais com várias missões internacionais cumpridas, como era o caso.
Por coincidência quando estes militares estavam em Kirkuk teve lugar o 1º ataque com rockets na super protegida “zona verde” de que resultaram 3 mortos e vários feridos.
Último Natal em Bagdad
Terminada a missão com o sentimento do dever cumprido, os dois oficiais portugueses,juntaram-se aos seus camaradas que noutras áreas de trabalho em Bagdad se preparam para encerrar a mais controversa missão exterior das Forças Armadas Portuguesas no pós-25 de Abril de 1974. Juntos, longe das famílias, passaram aquele que foi o último Natal passado pelos militares portugueses em Bagdad.
Todos os 6 portugueses, (4 oficiais e 2 sargentos) que desempenham cargos ligados à instrução mas também, à logística e às relações públicas na Missão da NATO no Iraque, e que tem sido substituídos a cada seis meses desde o inicio de 2005, foram neste período, na antiga Babilónia, a face visível de Portugal e do seu contributo para que as forças armadas daquele país consigam adquirir o real controlo da situação e derrotar o terrorismo.
Miguel Machado é
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